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O processo contra Alex Saab: dois sequestros em 491 dias | Anisio Pires

Alex Saab foi preso em Cabo Verde, a pedido dos Estados Unidos. (Foto: Twitter/Mario Silva)

Alex Saab: Diplomata Especial designado pelo governo da Venezuela.
Missão humanitária: Adquirir alimentos e medicamentos para superar o bloqueio dos EUA.

Primeiro sequestro. 12 de junho de 2020.

Em viagem a Teerã, capital do Irã, o avião faz escala técnica no Aeroporto Amilcar Cabral de Cabo Verde. Agentes cabo-verdianos, sob ordens dos EUA, sobem ao avião e o prendem. Violando por completo sua imunidade diplomática (Convenção de Viena 1969), executam o sequestro, arguindo um suposto código vermelho da Interpol ativado por “lavagem de dinheiro”. Além da falsa acusação, a ordem da Interpol não existia. Esta somente chegou no dia seguinte, com um pequeno detalhe que anunciava o pesadelo que viria: estava a nome de outra pessoa. A situação sórdida faz lembrar o começo de “O Processo” de Franz Kafka: “Alguém devia ter caluniado Josef K., pois, sem que tivesse feito mal algum, ele foi detido certa manhã”.

A calunia contra Alex Saab foi feita com a “legitimidade” que tem um país que recentemente saiu fugido do Afeganistão depois de tê-lo invadido, destruído e ocupado por 20 anos. Mas não importa. Basta a presunção imperial de culpabilidade. Enquanto isso, os meios de comunicação, redes e grupos de ódio organizam o linchamento moral que tratará de fazer crível o veredito “legal”. A estes vão se somar os “democratas” que não terão problemas em se alinhar a assassinos como forma de atacar o “regime autoritário” de Nicolás Maduro.

Para os EUA, trata-se da vingança como política de Estado, onde Alex Saab é um outro capítulo de sua sádica história. Abundam os castigos exemplares que buscam amedrontar os que ousam se rebelar. Os 5 heróis de Cuba (Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramón Labatiño y René González), presos por se infiltrarem em células terroristas que tinham promovido atentados contra Cuba (16 anos). O líder independentista porto-riquenho Oscar Rivera López, preso por denunciar o colonialismo (36 anos). A norte-americana Ana Belén Montes, agente da CIA, presa por avisar Cuba para se proteger (25 anos – até 2023- mais 5 de liberdade vigiada). Edward Snowden, agente da CIA e da NSA, perseguido desde 2013 por denunciar a existência de programas de vigilância massiva e que conseguiu escapar para a Rússia. Julien Assange, fundador de Wikileaks que está preso na Inglaterra desde 2019, perseguido e ameaçado de extradição, por revelar crimes de guerra do exército dos EUA. Antes de ser detido, Assange passou 7 anos refugiado na embaixada do Equador em Londres, onde a CIA também tentou sequestrá-lo.

Alex Saab foi preso no dia 12 de junho de 2020 numa masmorra com ratos, sendo torturado física e psicologicamente por agentes que falavam inglês num país de fala portuguesa. Choques eléctricos, golpes no corpo e no rosto o desfigurariam por um tempo. Quebraram vários dentes e lhe infringiram tanta violência que acabou perdendo muito peso, debilitando-o quase à beira da morte. Até setembro de 2020 Cabo Verde impediu que ele fosse visitado por um médico forense. Pressões internacionais lograram a visita médica, o cesse das torturas físicas e seu traslado a uma cela um pouco melhor. Um tempo depois, foi posto em prisão domiciliar num pequeno apartamento, porém custodiado por uns 100 agentes fortemente armados como se fosse um perigoso terrorista. Era parte do dispositivo para dobrá-lo moralmente e, assim, arrancar dele alguma confissão falsa contra a Venezuela em troca de sua liberdade.

Os 14 presidentes da África Ocidental e a Associação de Advogados da África pediram sua libertação e não extradição. Duas vezes o Tribunal Comunitário da CEDEAO emitiu pareceres em seu favor que o governo cabo-verdiano ignorou. O pronunciamento do comité de DDHH da ONU também foi ignorado. Cabo Verde, ajoelhada, desceu insolitamente ao abismo moral neocolonial. Proibiu a visita da esposa de Alex Saab junto com duas de suas filhas (2 e 4 anos), declarando-as “personas non gratas”. A Corte Suprema, também ajoelhada, autoriza então a extradição, ratificada covardemente pelo Tribunal Constitucional por ocasião da apelação. Curiosamente, aqueles que atacam os governos populares invocando seu desrespeito à “separação de poderes” guardaram absoluto silêncio.

O juiz Baltazar Garzón qualificou o processo contra Alex Saab de “ilegalidade absoluta” e disse que a acusação por lavagem de dinheiro não tem fundamentos: “se o que existe é o que aparece no processo de extradição, temos que dizer que é uma construção instrumentalizada para assegurar que o senhor Saab seja extraditado aos Estados Unidos e usado como um meio para um fim, onde o meio é ele e o fim é chegar no presidente Maduro”.

Segundo sequestro. 16 de outubro de 2021.

No sábado 16 de outubro, avião a serviço do Departamento de Justiça norte-americano pousou em Cabo Verde. Ignorando completamente a soberania do país, um grupo-comando, com plena liberdade de ação, dirigiu-se à casa-cárcere de Alex Saab. De maneira violenta e sem aviso prévio, o sequestraram. Não houve nenhuma ordem específica assinada por um juiz. Tampouco seus advogados e familiares foram informados. O assalto pirata de surpresa ocorreu um dia antes das eleições presidenciais. Tudo indica que os EUA não quiseram se arriscar frente a iminente vitória do opositor José Maria Neves que teria dito que utilizaria sua autoridade presidencial para libertar Alex Saab por motivos humanitários.

Sequestrado novamente depois de 491 dias em Cabo Verde, Alex Saab foi levado direto a Miami e apresentado na segunda-feira, 18 de outubro, perante o Tribunal do Distrito Sul da Flórida, onde o juiz John O’Sullivan apresentou as oito acusações a que responde e negou a liberdade condicional.

Tentando maquiar a gravidade do ocorrido, o Ministério de Justiça de Cabo Verde emitiu um comunicado, informando que os EUA haviam dado “garantias” de que Alex Saab teria “um processo justo e equitativo”, sem condenação à pena de morte, prisão perpétua, “tortura ou qualquer tratamento desumano, degradante e cruel” porque estes não são permitidos “no ordenamento jurídico cabo-verdiano”. Além de ser um cínico deboche, depois do martírio vivido por Saab, bsta conhecer a primeira amostra do “justo e equitativo” processo que lhe espera. Supunha-se que o juiz O’Sullivan havia expressamente proibido a divulgação das imagens da apresentação de Alex Saab, amparado no Art. 53 das Regras Federais de Procedimento Penal, previsto para evitar a exposição mórbida frente à mídia dos implicados num julgamento, mantendo a descrição e proteção das partes durante todo o processo. No entanto, como o juiz não tomou as medidas necessárias para garanti-lo, os interessados em destruir a qualquer custo Alex Saab, tomaram as imagens e as fizeram circular pelas redes e grupos de ódio para, assim, seguir adiante com a condenação sumaria do “testa-de-ferro de Maduro”.

Ao violar a imunidade diplomática de Alex Saab, os EUA criaram um grave precedente para as relações internacionais. Introduziram o caos numa das poucas esferas onde o diálogo civilizado ainda prevalece frente à força e o confronto. Imaginemos que qualquer governo se arrogue no direito deter diplomatas de outros países e submetê-los à sua justiça. No lugar das conhecidas expulsões, algumas sem fundamento, teríamos detenções diplomáticas “a la carte”. Poucas horas depois de sequestrarem Alex Saab, Ucrânia pediu a Cabo Verde a extradição da nova embaixadora russa nesse país, Natalia Poklónskaya, alegando supostos crimes cometidos por ela quando foi Promotora Judicial na Península da Crimeia. Em poucas palavras, o caso Saab recém começou.

O Presidente Nicolás Maduro pediu a criação de uma Grande Onda de Solidariedade e Acompanhamento de Alex Saab, denunciando ao mundo seu sequestro pelo império norte-americano. Esta onda iniciou no domingo 17, dia seguinte de seu sequestro a Miami, através de uma convocatória espontânea pelas redes sociais. Teve a participação especial de Camila Fabri, esposa de Alex Saab. Para surpresa dos presentes, Camila compartilhou uma fala emocionada e leu uma mensagem escrita por seu esposo. Ela afirmou que o que “mais incomoda” os EUA é que Saab “jamais vai se dobrar, jamais!”. Disse ainda que, como família unida, seguirão lutando pela dignidade da Venezuela junto ao governo legítimo do presidente Nicolás Maduro, “porque a verdade prevalecerá”. Na carta, Alex Saab foi contundente. Disse não ter “nada que colaborar com os EUA”, simplesmente porque não cometeu nenhum crime e que não vai mentir contra a Venezuela “para favorecer” seus sequestradores. Advertiu também que “não é um suicida”, responsabilizando o governo norte-americano e a oposição golpista da Venezuela caso algo lhe aconteça. “Enfrentarei o julgamento com total dignidade e fazendo valer minha imunidade diplomática como servidor da República Bolivariana da Venezuela”.

Para fortalecer a dignidade de Alex Saab e fazê-la nossa, devemos ter presente que os EUA estão por trás de todos os processos utilizados para atacar adversários políticos se valendo da justiça (lawfare). O último e mais conhecido foi o do ex-presidente Lula da Silva no Brasil. Depois 580 dias preso, com umas 20 causas também forjadas contra ele, terminou finalmente livre e declarado inocente. Essa vitória da verdade foi possível graças à Grande Onda de Solidariedade que se criou no Brasil e ao redor do mundo. A causa de Alex Saab e de sua família é a causa de toda a Venezuela. Alex Saab já os derrotou com sua fortaleza de amor pela Venezuela. Com ética e moral seguirá resistindo e vencendo. Um exemplo para o povo que vencerá nas eleições do 21N [1].

Não ao sequestro de Alex Saab!

Que prevaleça a verdade!

Nota

[1] Venezuela vai celebrar no dia 21 de novembro (21N) eleições gerais para Prefeitos (335) e Governadores (23), além das respectivas câmaras municipais e estaduais. Estarão em disputa 3.082 cargos. Tem um total de 70.244 candidatos inscritos.

Anisio Pires é sociólogo venezuelano (UFRGS/Brasil), professor da Universidade Bolivariana de Venezuela (UBV)

Publicado originalmente em Sul21.

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