Democracia Socialista

O PT e as eleições de 2006

Publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo. Se preferir, clique aqui (assinantes), para ler no local original.

Em relação a 2002, o PT teve mais votos. Seu julgamento pelo eleitorado, porém, não pode ser apreciado só pelo aspecto numérico.

PAUL SINGER

PARA O PT, as eleições deste ano têm um significado todo especial: após governar o Brasil pela primeira vez, o partido e o presidente Lula, seu candidato à reeleição, estão sendo julgados pelo povo brasileiro. O processo eleitoral ainda corre, mas já se podem avaliar tendências a partir dos resultados do primeiro turno.

Na disputa pela Presidência, Lula teve a maioria simples, mas não a absoluta -logo, vai ter de vencer Alckmin no segundo turno para obter um novo mandato. Nos Estados, o PT venceu em quatro já no primeiro turno -um Estado grande e três pequenos- e disputa o segundo turno no Rio Grande do Sul e no Pará. É bem mais do que os três Estados pequenos conquistados em 2002.

E, na eleição para deputados federais, a legenda do PT foi a mais votada, seguida por PMDB, PSDB e PFL. Como nos Estados pequenos cadeiras podem ser ganhas com bem menos votos do que nos grandes, o tamanho das bancadas segue uma ordem diferente: o PMDB terá a maior, seguido pelo PT, com o PSDB e o PFL empatados em terceiro lugar.

Em relação a 2002, o PT ganhou mais votos: Lula teve agora maior percentual no primeiro turno que há quatro anos, o número e a importância dos Estados governados pelo partido cresceram e, para a Câmara, o PT manteve a posição, ao contrário do “encolhimento” esperado por muitos.

O julgamento do PT pelo eleitorado não pode ser apreciado só pelo aspecto numérico. A sociedade brasileira, apesar do êxito das políticas redistributivas do governo, continua profundamente dividida entre ricos, prósperos (formando a “classe média”), pobres e miseráveis.

Vistos desse ângulo, os resultados eleitorais revelam uma polarização política e social raramente vista no Brasil: o PT e seus candidatos têm hoje a preferência da grande maioria dos pobres e miseráveis, mas perderam votos entre os ricos (que são poucos) e os prósperos, bem mais numerosos.

Como os resultados mostram avanços modestos, em termos de votos, é razoável concluir que os ganhos pelo PT nas classes populares foram quase compensados pela perda de eleitores das classes privilegiadas.
O PT cresceu entre a população mais pobre possivelmente porque ela foi bastante beneficiada pelo governo de Lula e porque alimenta a expectativa de que, se o próximo governo for de novo petista, ele continuará a priorizar suas necessidades; e pela confiança dos pobres no PT, que já vem sendo construída desde que o partido começou a governar grandes cidades e que certamente se ampliou nas áreas menos urbanizadas durante o atual mandato de Lula.

A perda de votos pelo PT entre os melhor aquinhoados está sendo atribuída à sucessão de escândalos que vêm atingindo tanto o governo federal quanto o partido. Os escândalos são vários, e seus efeitos sobre as imagens do PT e do governo Lula se acumulam e se agravam. Indícios de que petistas em posições de poder no governo ou no partido se envolvem em falcatruas -que nunca são comprovadas nem refutadas- provocam exasperação na chamada “elite”. A reação do governo e do PT às denúncias é afastar os acusados de seus cargos e, ocasionalmente, condená-los pelos “erros” cometidos.

Nessas atitudes, o público bem pensante não encontra ecos de sua própria indignação e, por isso, se convence cada vez mais de que partido e governo são coniventes com os delitos atribuídos a seus membros. Por outro lado, a exasperação contra o PT atinge muitos petistas, que exigem a apuração das acusações pelo partido e, sobretudo, a prevenção da ocorrência de novos delitos.

O militante que não é político profissional tem dificuldade de compreender por que a direção do partido não consegue demonstrar com atos que a ética do PT não é roubar, ao contrário do que os adversários proclamam -com incessante repercussão na mídia.
Parece claro que o PT terá de tomar decisões drásticas a esse respeito. Continuar bom de voto não basta. O PT terá de olhar para dentro de si para encontrar a raiz dos problemas que, se não forem resolvidos, poderão destruí-lo.

A conquista do apoio e da confiança dos mais pobres é motivo de orgulho e satisfação para os petistas. É a prova de que o PT e seus governos cumprem a sua missão histórica: mudar o Brasil, tornando-o menos desigual e menos injusto. Apesar dos dissabores advindos dos escândalos, o PT se lança com empenho à luta eleitoral, porque percebe que, se os tucanos recuperarem o governo federal, tratarão de sacrificar os programas sociais (às vezes denunciados como “gastança”) no altar da austeridade fiscal e do alívio da “excessiva” carga fiscal.

PAUL SINGER, 74, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).