O silêncio e o crime
(O silêncio é um crime)
Meu nome
É
George Floyd!
I can’t breathe! In Minneapolis.
Mas se quiser gritar
pode me chamar de
Evaldo dos Santos Rosa!
(Músico. Teve o carro
alvejado por 80 tiros
quando se dirigia com a família
para uma festa de aniversário de crianças.
“Calma, amor, é o Exército.”
Ainda disse a mulher quando ouviu
a primeira rajada de tiros atingir o carro da família.
Em Guadalupe, Zona Oeste do Rio).
Meu nome
É
George Floyd!
I can’t breathe! In Minneapolis.
Mas se quiser gritar
pode me chamar de
Ágatha Félix!
(8 anos. Alvejada por um tiro nas costas.
Voltava de um passeio com a mãe.
Fazendinha, Complexo do Alemão, Rio).
Meu nome
É
George Floyd!
I can’t breathe! In Minneapolis.
Mas se quiser gritar
pode me chamar de
Marcus Vinicius!
(14 anos. Alvejado nas costas por um tiro de fuzil.
Ainda lúcido, no hospital:
“Mãe eu sei quem atirou em mim,
foi o blindado mãe.
Ele não me viu com a roupa da escola?
No Complexo da Maré, Rio).
Meu nome
É
George Floyd!
“I can’t breathe! In Minneapolis.
Mas se quiser gritar
pode me chamar de
João Pedro!
(14 anos. Alvejado por um tiro de fuzil.
Ao invadirem a casa, os policiais já podiam ver o grupo
de adolescentes deitados no chão da sala, para se proteger.
A porta e as janelas eram de vidro transparente.
Os jovens podiam ver os policiais.
Os policiais podiam vê-los e ouvi-los pedindo socorro.
No Complexo do Salgueiro, em S. Gonçalo, Rio).
Meu nome
É
George Floyd!
I can’t brathe! In Minneapolis.
Mas se quiser gritar
pode me chamar de
Guilherme Silva Guedes!
(15 anos. Sequestrado. Assassinado com dois tiros na cabeça.
“Um carro preto pegou esse garoto perto da casa dele,
depois ele foi encontrado morto, após umas 3 ou 4 horas.
E tinha ali uma tarjeta, que é a identificação do policial militar
ao lado dele ou sobre o corpo do menino.”
Palavras do Coronel Álvaro Camilo secretário-executivo da PM.
O crime aconteceu em Vila Clara, São Paulo).
Todos negros. Todos pobres.
Todos pobres. Todos negros.
Talvez pela cor da noite,
talvez pela cor das estatísticas.
Todas brancas…
os cegos voluntários não enxergam
a lenda urbana que somos.
Tem um joelho sobre nossa garganta,
temos a cara amassada contra o meio fio:
a sarjeta onde desabam nossos mortos.
“O que pode o grito, se não se perpetua?!”
Insiste o poeta.
E um silêncio ensurdecedor
devora o grito.
Meu couro cortado com facas cegas,
coberto de cicatrizes,
será grito e mapa de medos,
tatuados na alma.
Numa sarjeta de Minneapolis,
do Complexo do Alemão,
de Guadalupe,
da Maré,
de São Gonçalo,
de Vila Clara.
Todos negros, todos pobres.
Todos pobres, todos negros.
Pobres. Negros. Os que não pediram para nascer,
disputando nas quebradas retalhos de vida.
Curvados sobre a dor e sobre os mortos,
polindo sonhos amamentados
no leite da ira e dos incêndios…
*Pedro Tierra é poeta. Ex-Presidente da Fundação Perseu Abramo.