Por Yasmin Ferraz *
A juventude brasileira sempre esteve ligada às diversas lutas travadas em nosso país para a construção de um sistema avançado de democracia e construção participativa. Dentro e fora dos diversos movimentos sociais, ela conseguiu criar seus espaços de interlocução com a sociedade de formas inovadoras e trouxe renovação para as construções de base. A saúde é um campo fértil para a intervenção desse setor, vez que o SUS preconiza a participação social para a construção de um sistema que dê conta das inúmeras realidades sociais de nosso país. É central que nossa juventude se organize para ocupar estes espaços e intervir para a solidificação desse sistema, ainda em construção.
O movimento de democratização da saúde lutou árduos anos para garantir a Reforma Sanitária Brasileira e a construção do Sistema Único de Saúde – o SUS. Esse movimento se propôs a discutir a democratização das estruturas políticas para garantia de direitos cidadãos através da construção basal de um novo modelo democrático, propondo a saúde como porta de entrada na vida político-social de qualquer cidadão.
A luta por um SUS fortalecido passa primeiramente pelo entendimento que seu projeto não condiz com o modelo de sociedade que estamos inseridos, onde prevalece a cultura mercadológica e de opressão das minorias sociais. Só através de uma mudança desse paradigma poderemos edificar um sistema de saúde que esteja de acordo com um estado de direitos, que garanta a luta social referenciada em uma cultura de construção coletiva em todas as áreas – educação, cultura, economia etc.
As políticas sociais propostas no último período permitiram que cada dia mais jovens entrassem no mercado de trabalho da saúde, e sua formação para atuar em um sistema público tem que ser o centro do debate. As instituições de ensino do nosso país ainda estão em desconexão com a realidade da saúde pública e não conseguem formar profissionais que realmente se propõem a trabalhar no SUS na perspectiva de construir uma saúde para a sociedade brasileira como um todo. A alteração da formação dos profissionais que vão atuar na saúde é necessária para garantir um serviço mais humanizado e em contato com a realidade dos usuários do nosso sistema de saúde. São fundamentais, nesse contexto, as experiências em loco, desde os estágios obrigatórios até experiências como a promovida pela Rede Unida, o Estágio de Vivência no SUS – VERSUS, que garante uma visão mais abrangente do cenário da saúde proporcionando experiências aos estudantes que serão fundamentais no seu processo de amadurecimento enquanto profissional e reflexão sobre seu papel protagonista na construção de um sistema universal, gratuito e de qualidade.
Mas para além da formação dos profissionais que atuarão no sistema, a construção diária de um modelo que dê conta de cada canto do país só pode ser feita através da interlocução entre profissionais, gestores e usuários. Essa tríade, que é fundamental para o projeto do SUS, ainda não consegue funcionar propriamente. Os usuários ainda são subvalorizados enquanto formuladores, mas nós que estamos do lado de cá da mesa de atendimento percebemos, muitas vezes o vazio que o sistema deixa onde a população mais precisa. A edificação de uma rede de solidariedade entre esses diversos atores sociais, cada um em seu domínio, integrando um plano conjunto que una os saberes e integre os valores é que poderá transformar nossa saúde, que muitas vezes têm seus principais problemas ligados as desigualdades sociais de nosso país.
A gestão participativa como mecanismo de democratizar as relações institucionais, co-responsabilizando os atores que se inserem na construção compartilhada, acaba por criar espaços coletivos onde a expressão das diferenças é respeitada e correspondida. A sociedade civil assume então um papel protagonista, colocando os movimentos sociais e os cidadãos organizados numa roda de discussão descentralizada, garantindo que medidas a serem aplicadas pelo sistema reflitam sua realidade social e respondam a ela de forma imediata, mas também planejada em longo prazo.
Há um longo caminho a percorrer a construção de uma sociedade majoritariamente atuante. O cenário que vivemos hoje de descomprometimento político e descrédito do poder público, tem que ser transformado, de forma a trazer alternativas para a atuação social de cada um e cada uma. A juventude tem um papel fundamental nesse processo, propondo alternativas para a participação social, buscando a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado e não só direito em saúde, mas na disputa da educação e na conquista de políticas públicas de juventude (PPJ) mais alinhadas com a nossa realidade.
A formação para potencializar a nossa capacidade transformadora e propositiva é fundamental para garantir as mudanças que nós defendemos para a saúde do nosso país. A conscientização do nosso papel político-social e da nossa capacidade de intervir positivamente em nossas realidades para a criação de políticas públicas mais eficazes são os meios para combater processos políticos de cima para baixo, salvacionistas e autoritários que ainda vivenciamos em nossa sociedade. Criação de espaços que possibilitem a compreensão da estrutura e funcionamento do SUS, os processos de construção de um modelo assistencial adequado a seus princípios e diretrizes, além de uma compreensão ampliada de saúde, na qual seja possível uma maior articulação intersetorial com todas as áreas das políticas públicas e sociais são extremamente necessários para a ampliação do nosso debate e da nossa intervenção.
Os movimentos sociais precisam se integrar ao longo processo de construção do SUS e a sua juventude tem muito a contribuir. Os movimentos campesinos, que entendem a saúde de forma diferente têm que encontrar um terreno comum para que sua população tenha cobertura completa e seus saberes valorizados. O movimento negro, que através de sua juventude combativa conseguiu avançar nas políticas públicas, e na saúde fez notar as necessidades especificas da população negra e que junto com inúmeros estudiosos criou um amplo espaço de construção da saúde negra. O movimento de mulheres que mostrou que nós somos mais do que mães, somos mulheres que fazemos sexo com mulheres, somos mulheres que lutamos contra a violência, somos mulheres que lutamos por libertação social e o sistema de saúde tem que repensar seus programas.
Dentro desse espectro, o movimento estudantil também tem um papel muito importante. Além de ser um dos maiores movimentos de juventude organizados no nosso país, tendo na rede – as diversas entidades de base e gerais – a sua força motriz, é o movimento que pode prestar grande ajuda na transformação de toda a cadeia da saúde, pois lida com a formação dos gestores, profissionais e usuários. As entidades estudantis, a UNE, as UEE’s e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem se integrar a esse processo, promovendo debates, rodas de discussões e espaços que promovam a democratização do debate.
A UNE, em sua Caravana da Saúde, cumpriu um significativo papel para o resgate do debate da saúde como política em disputa e fez com que diversos núcleos de estudantes nas universidades se construíssem para debater com centralidade seus temas. Iniciativas como esta devem ser fortalecidas, assim como a própria pauta da saúde dentro dos debates realizados pela entidade, devendo figurar como uma das pautas centrais para o próximo período. Os inúmeros debates que circundam a saúde precisam estar presentes para além das Caravanas e dos cursos de saúde, para além dos grupos de pesquisa e das ligas estudantis. Tem que estar nas salas de aula de todos os cursos e fora delas, em debates com os estudantes e a comunidade, para que possamos conseguir mais militantes pra essa luta de construção do SUS.
Um dos espaços que tem que ser desenvolvido e que permite a inserção dos movimentos sociais são os conselhos de saúde, que são compostos paritariamente por usuários, gestores e profissionais da saúde do município, estado e país. Tivemos no ultimo período a 14ª Conferência Nacional de Saúde, que orientou as políticas nacionais para o próximo período.
Ficou evidente a maior participação popular dessa Conferencia, mas o preparo dos movimentos sociais para influenciar na política tirada ainda é limitado frente à capacidade de intervenção que eles demonstram ter para outras políticas. O entendimento do campo da saúde como estratégico para a entrada dos movimentos sociais na dinâmica de transformação social em curso é muito necessário para que os caminhos de construção do SUS sejam de radicalização da democracia e sirva de molde para os demais espaços que hoje estão sendo criados, como os conselhos de comunicação, conselhos de controle social entre outros.
A visão da saúde como espaço estratégico de disputa sobre novo modelo de gestão participativa e democrática é central para a garantia da soberania popular e de outras bases para uma sociedade mais fraterna e igualitária. O SUS, desde sua criação, abre os braços para a edificação de uma rede de solidariedade que fortaleça a sociedade civil organizada, que permita a intervenção para o aprimoramento constante.
A juventude tem sido força motriz de diversos processos contestatórios na história recente do Brasil. Precisamos nos inserir de forma qualificada e organizada no debate do SUS e da saúde pública, deixando de figurar de maneira secundária e ajudando a protagonizar a transformação radical da saúde brasileira, a fim de garantir cidadania e qualidade de vida para o nosso povo.
* Yasmin Ferraz é bacharel Interdisciplinar em Saúde e Graduanda em Saúde Coletiva na UFBa, coordenadora geral do DCE – UFBA, militante do SUS e da Juventude do PT.
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