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Obama e o quero-quero

Até o momento, o governo Obama condenou de forma branda o golpe, mas não adotou nenhuma medida concreta contra os golpistas. O discurso dele e dos porta-vozes da Casa Branca se, de um lado, tem demonstrado desconforto com a deposição do presidente Zelaya, por outro lado, tem evitado, até agora, caracterizar explicitamente os acontecimentos em Honduras como um golpe de estado.

Lúcio Costa

O quero-quero é uma ave presente em todo o sul da América Sul. Faz seus ninhos junto ao chão dos campos.

Como forma de defesa de seus filhotes, o quero-quero, quando percebe que algum inimigo se aproxima de seu ninho, desloca-se alguns metros de distância e desde aí começa cantar. Dessa forma, busca desviar a atenção de seu adversário e atraí-lo para longe de suas crias. Daí que se diz, quando alguém busca encobrir seus reais interesses, que faz como o quero-quero: “canta em um lado, mas o ninho está noutro”.

Até o momento, o governo Obama condenou de forma branda o golpe, mas não adotou nenhuma medida concreta contra os golpistas. O discurso dele e dos porta-vozes da Casa Branca se, de um lado, tem demonstrado desconforto com a deposição do presidente Zelaya, por outro lado, tem evitado, até agora, caracterizar explicitamente os acontecimentos em Honduras como um golpe de estado.

Ainda que o discurso de Obama e da diplomacia norte-americana busquem de forma tímida se distanciar do golpe militar hondurenho, existem fortes elementos indicatórios de que Washington tem relações com a direita golpista hondurenha.

A direita hondurenha e a estadunidense
A construção de um clima político que tornasse possível o golpe militar em Honduras é algo que vem de alguns anos. Os meios de comunicação de massa em Honduras realizaram, como igualmente o fizeram na Venezuela quando do golpe contra o presidente Chavez, um persistente trabalho de construção de uma polarização social que opunha “democratas” versus “autoritários”, “corruptos” e “comunistas”. Recentemente, a adesão de Honduras a Petrocaribe e a ALBA foram apresentados como provas da ingerência “comunista” de Cuba e da Venezuela neste país.

É indiscutível a existência de uma ingerência direta por parte de organizações da extrema direita estadunidense no conflito político hondurenho. A Fundação Arcádia, que se apresenta como uma instituição civil de combate à corrupção, vem desde 2006 desenvolvendo uma campanha pública contra membros do Governo Zelaya. Encontra-se vinculado a essa organização o Sr. Otto Reich, que, segundo informações, é próximo a Posada Carriles e aos terroristas cubanos encarregados dos trabalhos sujos da CIA.

O Movimento Paz e Democracia, organização da direita hondurenha, tem recebido financiamento, através da USAID e da National Endowment for Democracy (NED), instituições reconhecidas como financiadoras de golpes e processos de desestabilização de governos considerados contrários aos interesses dos Estados Unidos, para suas atividades. Registre-se, o Movimento Paz e Democracia, juntamente com a União Cívica Democrática – organização que reúne a parcela ultra-conservadora dos empresários hondurenhos –, realizou, no dia 28 de junho, uma manifestação na Plaza Morazán de Tegucigalpa em apoio ao golpe militar.

Ademais disso tudo, há que se sublinhar que num cenário em que era mais ou menos previsível a possibilidade de uma aventura golpista, o embaixador norte-americano em Honduras e o Departamento de Estado Norte-Americano guardaram um “silêncio obsequioso” frente às ações da direita golpista, não emitindo nenhuma declaração no sentido de seu apoio à manutenção da ordem constitucional democrática.

Atualmente, com a promulgação de um decreto legislativo emanado do congresso fantoche dos golpistas (que realiza suas sessões sendo que inúmeros parlamentares legalistas estão presos ou na clandestinidade), que suspende as liberdades e garantias individuais – foram suspensas as liberdades de reunião, de associação, de manifestação, foi abolida a necessidade de ordem judicial para que as tropas policiais-militares penetrem em residências particulares, não é necessária ordem legal para a prisão e foi decretada a possibilidade de presos ficarem por até seis dias incomunicáveis –, a superação dos fortes indícios que vinculam os Estados Unidos da América do Norte à direita golpista hondurenha só ocorrerá no momento em que, o governo Obama supere as ambigüidades de seu discurso e defina os acontecimentos em Honduras como o que de fato são: um golpe militar, e tirem-se daí as conseqüências práticas.

Que se posicionem os EUA
Em conformidade com as declarações da maioria dos governos latino-americanos, da OEA e de vários países da Comunidade Européia, os Estados Unidos da América, se quiserem dar veracidade às suas palavras, devem claramente afirmar que o governo golpista não será reconhecido, bem como devem suspender imediatamente a ajuda econômica ao governo hondurenho. Essa atitude do governo Obama, acrescida à heróica luta do povo hondurenho e à disposição da imensa maioria dos governos de países latino-americanos de não reconhecer os golpistas, seria decisiva para por fim com brevidade à aventura golpista, e demonstraria de fato quais os “compromissos democráticos” dos Estados Unidos. Do contrário, o Governo Obama terá feito como o quero-quero, “canta em um lado, mas o ninho esta noutro”. Ou seja, com uma mão, condena a ruptura da ordem institucional democrática, e com a outra, afaga a direita golpista.

Estejamos solidários ao povo hondurenho e atentos, pois a atitude dos EUA em Honduras será um forte sinalizador de, se nos tempos que virão, a América Latina, infelizmente, não terá de defrontar-se novamente com golpes militares contra a democracia e o povo.

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