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Obama, segundo mandato: o que morreu e o que está vivo no obamismo

415823Por Regis Moraes *

A reeleição de Obama mostrou os sinais de fraqueza das forças progressistas nos Estados Unidos, mas pode ter indicado, também, por onde esse jogo pode ser virado.

Em 2008, a eleição de Obama foi saudada por muita gente quase como uma revolução. Havia certa razão no entusiasmo, pela simbologia da coisa e, também, pelo modo como a eleição foi ganha, pelo tom e pelo estilo da campanha. Mas, desde logo, me parecia que a confusão entre desejo e realidade iria levar muita gente ao rápido desalento. Exagerar a vitória e aumentar expectativas desmesuradas é uma ótima receita para cultivar… a desesperança diante da primeira adversidade.

Esta reeleição, em 2012, traz dados novos para refletir. Na eleição anterior, Obama teve 69,5 milhões de votos. Seu adversário, McCain, teve 59,9 milhões. Agora, Obama teve 60,6 milhões e Romney teve 57,8 milhões. Da primeira para a segunda, portanto, parece que muita gente simplesmente desistiu de votar. Com isso o candidato republicano recuou dois milhões de votos. Mas Obama perdeu nove milhões de votantes!

A seguir, pegamos alguns flashes dessa eleição e procuramos ver o que ela pode nos revelar.

1. Na eleição anterior, a de 2008, talvez tenha acontecido uma espécie de efeito Zapatero. Explico. Em 2004, a eleição espanhola estava pau a pau, populares x socialistas. Ligeira vantagem da direita, o Partido Popular. Dai, acontece o atentado em Madrid, bombas no metrô, 200 mortos, dois mil feridos. Deliberadamente, para tirar proveito, o governo conservador difunde informações falsas, acusando a ETA, o grupo armado basco. A maior parte da mídia cai no conto (inclusive o alegadamente progressista El Pais). Mas a estória era grotesca e foi desmascarada pela web: sites, blogs, mensagens de SMS logo divulgaram as informações que o governo e a mídia escondiam. Nos três dias seguintes, manifestações monstruosas cercavam legislaturas e sedes do partido popular. Domingo de manhã, El Pais saiu com manchete garrafal: Aznar mentiu! A abstenção caiu tremendamente e desequilibrou o jogo, os socialistas ganharam. Meu palpite (e de muitos outros analistas): muita gente que havia desistido de votar, que cronicamente se ausentava, dessa vez resolveu votar. Devem ter pensado: ruim por ruim, Aznar era um bandido carniceiro que tinha ser afastado. Anos depois, Zapatero desiludiu seus votantes, a abstenção subiu, a direita voltou ao governo. Os jovens e descontentes, em geral, provavelmente voltaram para a posição de não votar. Não faço campanha por essa atitude, não acho válida, mas ela é explicável.

2. Algo semelhante pode ter ocorrido com Obama, guardadas as diferenças.

Em 2008, além da vitória contra McCain e do entusiasmo que espalhou, Obama obteve uma maioria democrata no Congresso, mas não parece ter aproveitado bem essa oportunidade.

Verdade que teve e tem entraves no Congresso – onde enfrenta a oposição de republicanos e também de democratas bastante conservadores. Além disso, contra qualquer tentativa de mudança progressista, há uma porção de governos estaduais e locais, além do judiciário, quase todos extremamente reacionários. E tem uma poderosa coalizão de trambiqueiros dentro de seu próprio governo, claro.

A composição de sua equipe mostra o tamanho do drama. Não apenas pelos efeitos, mas pelo que significa. Claramente, Obama corre o risco de virar um enfeite numa equipe de tarados, trambiqueiros e reacionários. O governo foi em grande parte dirigido por gente como Hillary Clinton, Larry Summers, Robert Rubin – conservadores na política externa, conservadores na política econômica.

No meio disso, repetimos, Obama corre o risco de simplesmente fazer o show para distrair a moçada.

3. Logo de cara, parece um cenário relativamente parecido ao do Brasil: um presidente eleito com um ‘mandato de mudança’, isto é, inflado por aspirações de mudança, frente a um congresso oligárquico, um judiciário idem, uma soma de poderes estaduais e locais mais reacionário ainda. E uma rede de meios de comunicação dominada por meia dúzia de famílias mafiosas.

Tudo isso é verdade. Negar é voluntarismo idealista. Só que não se pode subestimar o poder de fogo da presidência para alterar essa correlação de forças, se quiser utilizar seus recursos para facilitar a ação dos aliados da mudança na sociedade, para facilitar sua organização, sua tomada de consciência, suas possibilidades de manifestação, sua presença politica, enfim. Foi isso que em boa parte ajudou o sucesso de Lula na reeleição e na eleição de Dilma: foi o que ele fez para alterar a correlação de forças na base da vida social. E olha que nem foi tanto, perto do que dispunha! O governo Lula pecou pela timidez e pelo exagero da prudência – e pela concessão ao seu lado mais conservador.

Obama também tomou algumas iniciativas desse tipo – com a ofensiva em torno da reforma da saúde, com o impulso para integração dos imigrantes (escolas, assistência), etc. Mas foi pouco, muito pouco perto das expectativas que despertou e perto, também, do que tinha nas mãos. Foi apenas o suficiente para desequilibrar esta eleição, diante de um candidato tosco, rejeitado pelos conservadores e que deliberadamente disse aos não-ricos que não votassem nele.

Obama teve votação estrondosa entre negros (media de 95%!) e latinos (se não engano, passou dos 2/3). Foi o que compensou sua significativa derrota entre os ‘brancos’. Obama precisa ganhar mais espaço entre os brancos descontentes. E precisa mudar a cabeça de muitos deles, para que o descontentamento não seja apenas abstenção ou coisa ainda pior. Não ganhou esse público nem mudou sua cabeça. Como dissemos, nos últimos quatro anos perdeu quase 10 milhões de votos. E praticamente se recompôs o histórico de abstenção e de “tanto faz” que tem dominado a cena americana: por exemplo, 70% do publico jovem se abstém em eleições presidenciais e 80% se abstém em eleições congressuais de meio de mandato. Foi ele que perdeu – e não, simplesmente, o Partido Democrata. Mais ainda, não apenas Obama perdeu, perdeu o obamismo, a aspiração de mudança por essa via.

4. Voltemos à eleição recente. Um analista do Guardian, Mark Weisbrot aponta alguns erros que podemos fazer se olhamos apenas a superfície dos dados.

Por exemplo, é duvidoso dizer que a diferença nos votos populares (não no colégio eleitoral) indica uma clara contestação de Obama. Na verdade, indica outra coisa: como é que as coisas se decidem e, portanto, como os jogadores jogam. A equipe de campanha de Obama jogou força nos estados indecisos, para obter votos no colégio eleitoral. Não jogou para ter maior participação e maior vitória nos estados já garantidos. Não precisava ter 90& em Illinois, digamos – mais de 50% já era suficiente. Então… não fez campanha em Illinois, ou fez pouca.

Outra coisa que os números não revelam: o país não está dividido meio a meio. Aqueles que votaram estavam divididos meio a meio. São coisas diferentes. A abstenção é de quase 50%! Várias pesquisas mostram que, entre os não-votantes, Obama tinha a preferencia de quase 3 por um. Seu desafio não é ganhar o voto, é fazer o não-votante votar.

O Partido Republicano se esforça para… estimular o cidadão a não votar, a não se meter na política. Eles sabem que isso é bom para manter a direita mais reacionária no poder.

Ainda outro detalhe. Muito se fala no componente étnico do eleitorado de Obama. É certo – Obama ganhou estrondosamente entre negros e latinos, como dissemos. E perdeu entre os brancos não latinos. Mas… também ganhou entre os brancos em regiões industriais e em concentrações operarias. Bater na tecla dos latinos e negros é correto, mas não deve ser exagerada, porque esconde, mais uma vez, o componente de classe dessa separação: os latinos e negros são latinos e negros, mas são, majoritariamente, trabalhadores e pobres. O que se concentrou, na votação de Obama, foi o voto dos pobres e trabalhadores. Não é por acaso que Obama, na reta final, bateu nessa tecla: repetiu insistentemente que Romney era o candidato dos ricos, que pouco se lixava para os pobres. Ele sabia onde o golpe pegava. E por isso Romney e os republicanos acusavam o discurso de Obama de acender a ‘luta de classes’ que, segundo eles, não existe nos EUA. Eles sabem que existe e que é justamente aí que mora o perigo (para eles).

E aí está o que pode virar o jogo. Mas… alguém aposta nesse lance?

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