O mapa do problema. Três pilares de sustentação da política econômica e três visões críticas.
As críticas à política econômica do governo Lula podem ser divididas em três categorias. Há aquelas que incidem sobre a gestão conservadora das metas definidas pelo Banco Central e Ministério da Fazenda; outras que focam sobre as próprias metas conservadoras definidas (inflação, superávit primário), propondo sua flexibilização; e, enfim, aquelas que criticam o próprio modelo de regulação definido – o tripé livre circulação de capitais/câmbio flutuante, autonomia do Banco Central/sistema de metas de inflação e metas de superávit primário – propondo outros fundamentos para a ação do Estado.
O fato de o debate ter se concentrado até agora nas duas primeiras categorias mostram sua limitação. É certo que a gestão das metas de inflação e de superávit primário em 2003 e 2004 foi e tem sido conservadora, dimensão reconhecida até por economistas neoliberais. Desde meados de 2003, quando a inflação já estava sob controle, os juros já poderiam ter começado a cair e de modo algum se comprovaram as expectativas artificiais de disparo inflacionário criadas pela diretoria do Banco Central neste início de 2004, que o levaram a reduzir os juros em apenas 0,25 no primeiro trimestre (na verdade, elevando o juro real, já que o cenário era de inflação declinante).
Tentativa número dois
A segunda categoria de críticas centra-se na definição das metas conservadoras de inflação e de superávit primário. Propõe-se elevar a meta de inflação e diminuir ao longo dos próximos anos o alto superávit primário proposto (de 4,25 % até 3,75 %). Esta flexibilização das metas, concebida por alguns como necessária a uma retomada mais firme do crescimento, tem sido atacada de forma dura pelo Ministro da Fazenda como um afrouxamento irresponsável da gestão, seja por conceder campo à inflação seja por minar o estratégico ajuste fiscal, previsto como necessário para toda uma década.
A vulnerabilidade desta segunda categoria de crítica está, de um lado, em aceitar as regras do jogo e, de outro, em operar sobre as suas conseqüências. As metas conservadoras, na ótica de quem as defende, tornam-se sinônimo de responsabilidade férrea e ciosa de se defender até diante dos compromissos mais sagrados do programa de governo.
A insuficiência destas duas categorias de crítica tem por raiz a crença equivocada – como se demonstrou dramaticamente em 2003 e está sendo tragicamente confirmado em 2004 – de que se poderia transitar para um período de crescimento sustentado e de inclusão social operando gradualmente e por mudanças processuais nos marcos do atual modelo de regulação macro-econômica.
Quem dá as cartas
A questão é que não há como construir uma alternativa coerente sem propor outros fundamentos institucionais de regulação. E uma questão preliminar é o poder de decisão do governo como um todo ou mesmo do Presidente frente ao poder das chamadas autoridades monetárias. Frente ao governo – e ao que parece também frente ao Presidente –, tem sido cristalino o poder de veto de Palocci diante de quase-decisões que poderiam ter implicações macroeconômicas. Mas é fundamental compreender que Meirelles tem igual poder diante do Ministro da Fazenda.
Ao dirigir as decisões sobre os juros, o crédito e o câmbio, o Banco Central define em grande medida as possibilidades do crescimento econômico, do grau de vulnerabilidade externa, do montante da arrecadação pública, da arrecadação e dos gastos públicos. O próprio Ministério da Fazenda torna-se, em forte medida, instrumento ou gestor aplicado das conseqüências das decisões do Banco Central.
O quadro está, porém, incompleto. Qual a força do Banco Central frente ao mercado financeiro, se este lhe fornece as regras, o pessoal executivo e condiciona ativamente suas decisões? Enfim, trata-se de uma distribuição de poder decisório: da Presidência da República para a Fazenda, da Fazenda para o Banco Central e deste último para os mercados financeiros. Este é o sentido fundamental dos princípios liberais da gestão macro-econômica e que é preciso mudar.