Avritzer tem doutorado na New School for Social Research e pós-doutorado no Massachusets Institute of Technology (MIT), professor visitante na USP, em Coimbra e na Universidade de Toulaine, dirigiu pesquisas sobre participação em São Paulo (onde assessorou a experiência do Orçamento Participativo e coordenou a formação dos delegados), no Nordeste, em Minas e nos municípios brasileiros que realizaram experiências de orçamento participativo.
O Prodep (Projeto de Democracia Participativa), centro de pesquisa que coordena, tornou-se uma ponte de diálogo para a América Latina (está criando, junto com o Centro de Estudos Sociais – CES – da Universidade de Coimbra, dirigido pelo professor Boaventura de Souza Santos, o CES da América Latina) e para a Europa (através de cursos de formação em vários países europeus). Também tem sido referência nos Fóruns Sociais Mundiais, além de coordenar, recentemente, um grande curso nacional de formação dos participantes das conferências e conselhos nacionais em convênio com a Secretaria Geral da Presidência da República.
A seguir, ele responde a algumas questões postas para a nossa reflexão.
1 – Você centralizou, em um período decisivo, no campo da ciência política brasileira, a polêmica contra as visões elitistas e restritamente institucionalistas da democracia. Que resultados pôde colher após esses anos de intenso e rico trabalho na Universidade para a transformação da democracia brasileira?
Após um conjunto de anos trabalhando o tema da democracia participativa no Brasil, eu tenho a impressão de que há uma mudança na maneira pela qual a participação é vista pela ciência política brasileira. Hoje, há um enorme debate sobre a importância da participação para a democracia. Hoje, há também um importante debate sobre as formas de conexão entre participação e representação.
Na minha opinião, o papel da participação na democracia brasileira foi fortemente reabilitado. Um conjunto de trabalhos sobre conselhos de políticas, sobre orçamentos participativos e sobre planos diretores municipais serve como subsídio para se pensarem as formas de participação no Brasil. Há todo um novo campo de estudos no qual universidade e sociedade interagem produtivamente.
2 – Contrariamente a uma tradição que reproduz ainda o estereótipo de que no Brasil a participação em associações voluntárias é fraca, as pesquisas que você vem dirigindo têm demonstrado uma outra realidade. Como interpretar as mudanças nas experiências participativas em relação às tradições brasileiras de clientelismo e coronelismo? E em que medida essas mudanças relacionam-se com o esforço para obter distribuição de renda mais justa e políticas públicas universalistas?
O ponto de partida para responder essa questão é de fato perceber que o Brasil foi um país com baixíssima propensão associativa até o início da nossa redemocratização, no final dos anos 70. Até esse período, principalmente a população de baixa renda participava muito pouco das associações de bairro e de outras formas de organização da sociedade civil. Tudo isso muda a partir do início da redemocratização, com o surgimento de movimentos sociais importantes, como o movimento pela reforma urbana, o MST, dentre outros.
Hoje, é possível dizer que há, no Brasil democrático, formas de organização da sociedade civil que são alternativas a duas grandes tradições de formação do Brasil: o clientelismo e o personalismo. No entanto, devemos observar que o clientelismo e o personalismo não desapareceram, mas subsistem ao largo dessas novas tradições mais horizontais.
3 – Que balanço você faz da participação nos governos de Lula? Houve avanços? E quais os principais limites?
Ocorreram avanços importantes no governo federal, especialmente na gestão do governo Lula. Se pensarmos nas conferências nacionais, na organização de conselhos nacionais, temos como observar importantes avanços. Mais de 70 conferências foram organizadas no governo Lula, em áreas mais diversas, desde a pesca até a saúde, passando pelos arranjos produtivos locais. Todas essas formas de participação são importantes formas de interação entre o governo e a sociedade civil, e existem evidências de que elas geraram iniciativas legislativas, tanto por parte do executivo quanto por parte do congresso nacional. A questão, no entanto, é como tornar essas novas formas de participação mais efetivas na determinação de políticas de governo.
4 – Quais seriam os principais desafios para avançar a democracia participativa no Brasil no próximo período?
O principal desafio para o próximo período é integrar efetivamente a participação à estrutura do governo federal. O legado do governo Lula é ter tornado a participação no governo federal efetiva. As conferências de fato ocorreram e fazem parte da cena política. O desafio agora é transformar as decisões das conferências em políticas, e articular melhor as formas de participação com a produção legislativa no Congresso Nacional. Só assim a participação no Brasil se articulará com as instâncias de representação, criando um sistema político para além das formas já conhecidas.