Trotsky, a superação do impasse da tática e nossa construção em RS
Nesse período dos anos 1970, a leitura e o conhecimento de autores críticos ao stalinismo, em especial, a obra de Leon Trotsky, nos permitiu aprofundar e fortalecer uma releitura da estratégia da esquerda brasileira.
A contribuição da teoria da “Revolução Permanente” e a necessidade de superar a dicotomia reformismo (programa mínimo) x doutrinarismo/propagandismo (programa máximo) através de propostas e lutas de transição, que Leon Trotsky desenvolve na teoria da “Revolução Permanente” e no Programa de Transição, nos permitiram ver de outra forma a questão da “democracia” e da “soberania nacional” numa estratégia de transformação socialista. Esses contatos , no entanto, eram mais teóricos do que orgânicos. Nessa época, o grupo mais identificado publicamente com essa vertente teórico-programática era a Liberdade e Luta – “LIBELU” – vinculada a uma das correntes do trotskysmo francês.
No caso da nossa corrente no RS, assim como no grupo Centelha, de MG, com quem a Nova Proposta mantinha relações via movimento estudantil, essa relação com o trotskysmo foi por meio das obras de vários autores. Além dos textos conhecidos de Leon Trotsky, buscávamos acompanhar a experiência da Liga Comunista Revolucionária (LCR) que era uma organização nascida do maio/68 francês, que buscava interpretar aqueles acontecimentos e se propunha a ser uma alternativa orgânica à crise vivida pela esquerda tradicional francesa, o PCF e o PSF.
Textos de Daniel Bensaïd, Henri Weber, Alain Krivine e Michael Lowy faziam parte das nossas leituras e debates, mas, principalmente, as obras econômicas e os textos políticos do economista belga Ernest Mandel sobre a burocratização e a crise na URSS. Sabíamos que o grupo Centelha tinha, também, nos trabalhos de Ernest Mandel uma de suas principais referências teóricas.
Ainda mantínhamos contato com vários companheiros e companheiras que haviam militado no POC e que no exílio ingressaram na LCR, na França, e acabaram se filiando a essa corrente política conhecida como Quarta Internacional – Secretariado Unificado. Parte desses exilados brasileiros voltaram para a América Latina, com destaque, para o Chile e a Argentina na primeira metade da década de 70, o que facilitava o contato e o intercâmbio de experiências.
A partir de 1978, com o projeto da TS no MDB Gaúcho e o engajamento na proposta do jornal Em Tempo, o grupo sentia-se mais fortalecido, crescia numericamente e transmitia confiança na construção de algo maior via o periódico nacional. Nosso grupo no Rio Grande assumia outra dimensão orgânica. A Tendência Socialista, com a vitória eleitoral em 78 e o crescimento orgânico para o interior, tornava-se o centro da organização, relativizando a origem na Universidade. Formavam-se núcleos da TS nas cidades da região metropolitana e no interior do Estado. Com isso, o jornal Em Tempo se constituía no grande desafio da construção nacional. Podíamos acompanhar e ser protagonistas do que ocorria no centro do país.
No RS, vários companheiros (as) egressos da Universidade ou ainda estudando, passaram a abrir outras frentes de ação e crescimento. Era urgente chegar aos sindicatos, fortalecer as primeiras experiências sindicais combativas e organizar oposições naquelas categorias dominadas por diretorias pelegas ou burocratizadas pela ditadura. Trabalhando em entidades que se dedicavam à assessoria sindical, ao apoio às associações de moradores e junto com ações pastorais da Igreja, esses companheiros (as) foram construindo uma rede de apoio aos grupos mais combativos de trabalhadores que permitiu uma série de vitórias das oposições sindicais no Vale dos Sinos, (NH e SL) e Grande Porto Alegre, (Canoas e Capital). Esse trabalho foi importante para organizar a partir de 1980 as comissões de formação do PT nesses municípios.
Nessa época constitui-se, também, uma entidade de estudos, apoio e assessoria aos movimentos no campo. No Estado, durante a ditadura e sob sua influência, estenderam-se os sindicatos de trabalhadores rurais para todas as regiões. A crise do regime tendia a se expressar também junto aos pequenos agricultores nas lutas por preços mínimos, por acesso aos serviços públicos, por previdência e por saúde assim como apareciam as tensões crescentes de luta pela terra. (4)
O trabalho organizado e planejado nessas entidades de apoio e assessoria sindical garantiu crescimento, vitórias sindicais e um grande número de trabalhadores de várias categorias assumindo as direções municipais do PT e muitas candidaturas nas eleições ao longo dos anos 80.
A disputa do projeto do jornal Em Tempo e o Movimento Pró-PT
Fazer um jornal naquelas condições adversas e ainda através de uma frente jornalística heterogênea, fez surgir novos problemas e novos desafios. O Em Tempo era um arquipélago de sucursais com nuances razoáveis, apesar do acordo e dos objetivos aprovados em comum no início do projeto. As sucursais, por sua vez, eram heterogêneas em sua formação, apesar de uma hegemonia regional de um grupo ou corrente local mais coesa. Transformar isso em uma orquestra seria quase impossível.
A tarefa de sustentar o jornal, de garantir venda em banca, venda militante, venda de assinaturas e centralizar esses recursos era um esforço hercúleo. Tudo dependia da dedicação voluntária dos associados. Apenas em São Paulo havia alguma profissionalização necessária para editar o jornal.
Além disso, a conjuntura era extremamente rica e complexa. A ditadura perdia fôlego. Setores da burguesia ensaiavam alguma rebeldia junto com o MDB e dissidentes do regime. A Frente Nacional de Redemocratização buscava saídas com militares dissidentes e a conciliação das elites com ex-arenistas buscando acordos no MDB. O ano de 1978 foi também marcado pelo grande número de greves e da disputa de um novo sindicalismo que enfrentava os pelegos e a velha estrutura das confederações que vinham da CLT. Cresciam e alcançavam vitórias as oposições sindicais.
Em São Bernardo despontava a liderança de Luis Inácio da Silva, o Lula, no comando dos metalúrgicos do ABC. Primeiro, nos contatos da chamada Intersindical. Logo depois, começaram as articulações para os Encontros Nacionais da Classe Trabalhadores (ENCLATs). A proximidade das eleições legislativas de 1978 abria o debate sobre a crise do bipartidarismo e a necessidade de novos partidos. Para completar a ebulição da conjuntura, o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) organizava representações em todos os Estados e a luta pela Anistia, pela volta dos exilados e banidos elevava mais ainda a temperatura nesse final de década. Nós estávamos engajados em todos esses movimentos, disputando com a Frente da Democratização dentro do MDB até a batalha pela volta dos exilados e presos políticos.
A frente jornalística no Em Tempo era cobrada de não estar sincronizada com essa conjuntura e o jornal poderia perder a razão de ser. No EmTempo n° 26 de final de agosto, o Conselho Editorial busca retomar a linha editorial mais clara e define os principais eixos para o momento: apoiar e buscar eleger setores combativos, via MDB, em cada Estado; criticar a manutenção do voto nulo por alguns grupos de esquerda; defender a propaganda e agitação da Assembleia Constituinte como palavra de ordem unificadora contra o regime militar; não combater a organização da Frente Nacional de Redemocratização mas mostrar seus limites e contradições, cobrando de seus organizadores uma luta mais coerente contra o regime e, por fim, não apoiar editorialmente nenhuma das rearticulações partidárias em curso, mas fazer a defesa de uma alternativa socialista que a conjuntura exigia para os interesses dos trabalhadores e setores populares. Uma proposta nova que não se confundia com a reorganização do antigo PSB. (5)
Esse debate vivido no Conselho Editorial não era exatamente a posição que tínhamos no grupo gaúcho, em especial, na questão partidária, pela dubiedade do tema no interior do jornal. O caráter heterogêneo das várias sucursais, nos levou a iniciar um processo de aproximação maior com a sucursal de Minas Gerais e com grande parte do centro do jornal em São Paulo. Uma identidade grande no compromisso e na responsabilidade de sustentação do projeto foi acompanhada por uma sintonia crescente nas avaliações políticas e nas decisões editoriais dentro do Conselho Editorial e Administrativo.
O ano de 1979 e o surgimento do movimento pró-PT serão determinantes para o surgimento de uma crise no projeto e uma redefinição de sua linha editorial.
Em fevereiro de 1979 (EmTempo nº 52), uma dividida reunião do Conselho Editorial e Administrativo (CEA) do jornal, decide suspender temporariamente o projeto e convoca uma Assembleia Geral para o dia 4 de março para discutir o futuro editorial e político do jornal. A metade dos conselheiros não participa da decisão, recusa-se a acatá-la e se dispõe a garantir a manutenção do jornal até a Assembleia Geral em março.
Apesar das alegações de crise financeira e de conflitos na linha editorial em conjunto, a razão de fundo era o ritmo que a conjuntura adquiria e a exigência de uma posição clara do jornal sobre os rumos da reorganização partidária. Não havia acordo em torno de uma definição editorial em apoio ao projeto do Movimento pró-PT. Havia outras nuances em relação à conjuntura, sobre a Frente Nacional de Redemocratização etc. Mas o fulcro central era o apoio ou não ao projeto de um partido de trabalhadores. Nosso grupo, no RS, estava convicto em manter o jornal e apoiar editorialmente o Movimento pró-PT. Essa crise foi decisiva para alinhar nossa relação com o grupo mineiro e com os companheiros (as) de Minas e do RS que haviam se transferido para São Paulo para o trabalho de elaboração do jornal. Ficava cada vez mais evidente a necessidade de fortalecer organicamente os que defendiam a tese de apoio ao Movimento pró- PT e suas implicações na conjuntura.
A Assembleia Geral de 4 de março de 1979 (EmTempo nº 54), por larga maioria, aprova a manutenção do projeto, de sua linha editorial e reorganiza o Conselho Editorial e Administrativo, garantindo uma nova diretoria executiva do jornal. Os setores que defendiam a construção de um projeto mais amplo, de um Partido ou Frente Popular, menos classista e mais aberto a outros setores sociais ou até a manutenção do MDB como uma frente mais popular, foram se afastando do projeto e enfraquecendo algumas sucursais.
No RS, a Tendência Socialista já atuava, na prática, como uma corrente política autônoma, mas buscando contatos e novas adesões na frente emedebista.
Nos meses de junho e julho, o Jornal promove encontros “O PT em Debate” nas Capitais com a presença de Lula. Tanto em BH como em POA, aqui com a presença de Olívio Dutra, os encontros são massivos , mostrando o crescimento e a adesão ao projeto do Movimento pró-PT.
Em 1º de julho de 1979, ocorre nova Assembleia Geral do jornal, com a adesão de importantes companheiros (as) que voltavam do exílio como Eder Sader, Marco Aurélio Garcia, Beth Lobo e outros jornalistas que estavam no Brasil como Flávio Aguiar e Silvio Caccia Bava. O reforço na qualidade editorial foi grande e isso fortaleceu ainda mais a orientação ao Movimento pró-PT. Eder Sader assumiu a presidência do CEA e Marco Aurélio a diretoria executiva do jornal. O EmTempo nº 71 (5-12 julho79) que relata a Assembleia Geral traz, também, uma entrevista com Luis Carlos Prestes, onde este afirma que “A legalidade do PC é inevitável”.
Raul Pont é militante político, fundador da DS e do PT.
(4) Entre essas entidades, destaca-se o trabalho da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e do GEA (Grupo de Estudos Agrários). Companheiros (as) que trabalhavam nessas entidades tiveram um papel decisivo pra irradiar e implantar uma política de organização junto a essas categorias.
(5) Para uma leitura mais detalhada, ver ET n°26 (27/8-3/9 DE 1978) onde está a íntegra da resolução do Conselho Editorial e Administrativo da Editora Aparte, após duas assembleias realizadas.