Democracia Socialista

Origens e Construção da DS no Rio Grande do Sul -1970 /1980 | Raul Pont – Parte III

A reorganização do trabalhismo, o MDB e o PT

No RS, acelera, também, a organização do PTB de Leonel Brizola com dois grupos se digladiando na representação do ex-governador: os velhos trabalhistas que não concordavam com Pedro Simon na manutenção do MDB e outro grupo, a esquerda, que reúne ex-presos políticos e militantes da esquerda engajados no projeto de reconstrução do trabalhismo, como Carlos Araújo, ex-dirigente da VAR-Palmares.

Esse processo gerou o afastamento de alguns companheiros (as) da sucursal do Em Tempo em POA, mostrando as implicações que projetos alternativos ao regime militar em crise traziam para a militância de esquerda. Nessa época, em julho, o MDB através dos “autênticos” e do IEPES tenta repetir um encontro amplo na busca de um rumo unitário para as oposições gaúchas, envolvendo sindicalistas, dirigentes comunitários, parlamentares e intelectuais, semelhante ao Encontro que ocorrera em São Bernardo do Campo. Conhecido como Encontro da Vila Betânia, local de retiros religiosos no bairro Glória da Capital, o evento não conseguiu ir além de compromissos de unidade na busca de “uma reorganização partidária dos explorados e oprimidos”. O debate revelou que grande parte do MDB não acompanharia Brizola. Os trabalhistas, por sua vez, tinham suas nuances como apontamos e esse quadro vai se agravar com o golpe de primazia da sigla PTB, orquestrado por Ivete Vargas e pelo regime militar contra Brizola.

A Tendência Socialista estava presente ao Encontro e assumia, nitidamente, a proposta do Movimento pró-PT e se dirigia aos participantes convidando-os à adesão ao projeto.

Essas indefinições acompanhavam também os grupos ainda na clandestinidade. No início de agosto, no Em Tempo nº75, junto à cobertura do crescimento do Movimento pró-PT no país, o jornal publica uma síntese de como as organizações ainda na clandestinidade: o PCB , o PCdoB, o MR-8, a APML e o MEP avaliam a conjuntura e o processo de reorganização partidária, mostrando a complexidade da situação e da necessidade de nitidez e firmeza na defesa do projeto pró-PT.

O impasse era grande também no meio sindical . Em agosto, o “Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais”, realizado em Gragatoá  (Niterói – RJ), revela o peso do debate de permanecer ou não no MDB, nessa ampla frente de resistência democrática que o MDB se transformara. Apesar da presença de Lula, de Olívio e de outros sindicalistas combativos, o Encontro terminou sem uma definição dos dirigentes sindicais do PC, que não assumiam sua legalização imediata, não concordavam em assumir o Movimento pró-PT e queriam permanecer no guarda chuva protetor do MDB com sua política de aliança ampla com outros setores.

Essas indefinições apontavam a necessidade de fortalecer mais ainda o projeto do Movimento pró-PT, apoiá-lo editorialmente e começar a construir suas instâncias orgânicas, mesmo de caráter provisório. Isso exigia, paralelamente, fortalecer o projeto do jornal e de outra organicidade em seu interior. Sua sustentação era difícil e só um maior compromisso político, ideológico e orgânico iria garanti-lo.

Nada era feito a frio, com espaço para maiores reflexões. Greves pipocavam em todo o país. No RS, a greve dos bancários estende-se no Estado e os sindicatos sofrem intervenção com a prisão de Olívio, Felipe Nogueira, Zé Luis, Paulo Trapp e outros dirigentes, no momento em que a Coordenação Provisória pró-PT já organizava o Encontro Regional de Outubro para eleger a primeira Coordenação Estadual do Movimento pró-PT.

No Rio de janeiro, no final de setembro, o chamado “Encontro de Madureira”, reúne muitas lideranças e com mais de 1500 pessoas presentes, aparecem indefinições e vacilações, mas a presença pró-PT é muito forte e, em outro momento o projeto é lançado formalmente.

Em SP, em uma reunião representativa, os sindicalistas que haviam assumido o projeto desde o início concluem que não dá para protelar mais a organização partidária. É necessário colocar o PT na rua, não esperar por novas reuniões com os “autênticos” ou “históricos” do MDB. Na reunião, Lula afirma: “Não virão mais do que 10 ou 15 dos atuais deputados do MDB.”

No número 84 do EmTempo, de 4/10 de outubro, um artigo de Marco Aurélio Garcia já prenunciava o debate que iria dominar os primeiros anos do partido. “PT: Partido Tático ou Estratégico”. Na mesma edição, publicava-se uma nota do Movimento pró-PT assinada por Lula, Olívio, Jacó, Wagner Benevides e Skromov, dirigida aos estudantes que realizavam mais um Congresso da UNE, transmitindo solidariedade e chamando-os a se integrarem no projeto pró-PT.

No final do mês de outubro, a adesão editorial do EmTempo ao Movimento pró-PT é aberta. O nº 86 do Jornal (18/25 de Outubro) orienta como se filiar e como organizar um núcleo e publica na íntegra os documentos básicos de referência:  a Carta de Princípios “Um Partido Sem Patrões”, a Plataforma Política que já circulavam desde maio. Publicou também a Declaração Política “Um Partido para os Oprimidos e Explorados” elaborados pela Comissão Coordenadora Provisória Nacional, que reunira em São Bernardo no dia 13 de outubro.

Em 21 de outubro, em Porto Alegre, na Igreja da Pompéia, o Movimento pró-PT gaúcho realiza seu encontro para eleger a Coordenação Estadual. Mais de trezentos militantes sindicais, dos movimentos de bairro, das comunidades da Igreja e juventude universitária trazem seus testemunhos de compromisso e de construção do partido em dezenas de municípios do Estado. Olívio Dutra é indicado para presidir a nova coordenação que além de expressar a adesão ao Movimento pró-PT, representava também a sensibilidade de incorporar as várias forças políticas que vinham construindo a proposta. Este aspecto positivo irá marcar a história do PT gaúcho: a consideração e o respeito a todas as correntes e movimentos que formaram o partido garantindo-lhes proporcionalidade na coordenação estadual.

Vários companheiros da Tendência Socialista são indicados para compor a Coordenação Estadual pelo trabalho que já vinham realizando na construção do projeto. (EmTempo n° 87 25/31 out.79). No jornal EmTempo  nosso grupo acelerava a relação com os companheiros de MG e de SP visando o processo de organização de um único grupo, agora de caráter nacional.

Não era um processo simples porque em todas as sucursais havia companheiros (as) que atuavam no jornal e estavam de acordo com sua linha editorial, mas nem todos eram orgânicos, nem todos estavam dispostos a dar mais um passo em sua militância. Evidentemente nós também queríamos continuar contando com o apoio e o trabalho desses companheiros (as). Em SP, onde o jornal era editado, muitos queriam continuar o projeto ET, construir o PT, mas não estavam dispostos ou tinham outras avaliações sobre a necessidade de uma organização política mais coesa, com maior identidade programática, naquele momento.

Para nós, avançar em um compromisso orgânico era uma necessidade política e também uma condição para garantir o projeto do jornal. As dificuldades materiais para sustentá-lo eram enormes e só com mais confiança, coesão política seria possível transpor esse obstáculo.

A construção da DS e do PT

Dentro de uma programação de debates e de temas onde já tínhamos acordo (herança da esquerda anti-stalinista e anti populista, a construção do PT, o feminismo, a luta pela democracia interna e o direito de tendência), o jornal EmTempo nº 89 publicou uma ampla matéria sobre a “Democracia Socialista e a Ditadura do Proletariado”. Um tema ainda muito polêmico na esquerda brasileira e mesmo no interior do Movimento pró-PT entre os grupos organizados que atuavam na construção do projeto. Aproveitando a data do centenário do nascimento de Leon Trotsky, a publicação de uma matéria que reproduzia uma tese aprovada em Congresso da Quarta Internacional era, essencialmente, polêmica.

A tese enfrentava a questão da degeneração burocrática da experiência soviética e a atualidade do desafio da construção de uma Democracia Socialista. Essa questão constituía-se num dos temas centrais no processo de fusão dos nossos grupos que dariam origem à Democracia Socialista , levada a cabo no mês de dezembro de 1979.

No RS, já integrados e militando no Movimento pró-PT e em suas Coordenações Estaduais e Municipais,realizamos, no dia 25 de novembro, uma convenção estadual da Tendência Socialista, na Assembleia Legislativa. Em torno de 80 companheiros (as), representando as várias frentes onde atuávamos em vários municípios, ratificaram a decisão de engajamento no Movimento pró-PT, da manutenção da Tendência Socialista enquanto perdurassem as indefinições na conjuntura sobre a extinção do bipartidarismo e as regras dos novos partidos que seriam criados.

O debate exaustivo e democrático na TS garantiu que a maioria esmagadora da corrente assumisse a deliberação de engajamento do Partido dos Trabalhadores.

Finalmente, em dezembro, em um sítio de férias em Ibiúna (SP), reunimos representantes de vários Estados comprometidos com o projeto do jornal Em Tempo e com a construção do Movimento pró-PT. A Organização Revolucionária Marxista (ORM) – Democracia Socialista nos transformava em uma corrente nacional frente a imensas tarefas: manter a frente jornalística no Em Tempo, torná-la um dos sustentáculos da construção do PT por seu papel de informação e organização que já fazia há mais de um ano e garantir que a maior experiência de um Partido de Trabalhadores classista e anticapitalista já vivida no Brasil, fosse exitosa.

Sabíamos que, para isso, seria fundamental, em seu interior, o caráter democrático, tolerante e o respeito à diversidade de opiniões para a construção da unidade. Precisávamos de um Partido com direito de tendência e proporcionalidade de suas forças expressas na direção partidária.

Havíamos vencido uma etapa histórica da nossa vida orgânica partidária, mas o desafio que tínhamos pela frente era muito maior do que havíamos feito até aqui.

Passados 40 anos temos muito para nos orgulhar do papel que desempenhamos ao longo deste período na construção partidária, em sua democracia interna, no direito de tendências em seu interior, nas experiências de gestão pública, na luta pela igualdade de gênero em todas as instâncias de direção, nas cotas raciais e de juventude em suas instâncias de coordenação e direção.

Recuperar a história da nossa corrente no interior do PT, da fundação do Partido em 1980 aos dias de hoje é uma tarefa irrecusável a nos desafiar apesar da conjuntura difícil e extremamente adversa que atravessamos. Mãos a Obra!

Raul Pont é militante político, fundador da DS e do PT.

Confira:
Origens e Construção da DS no Rio Grande do Sul -1970 /1980 | Raul Pont – Parte I

Origens e Construção da DS no Rio Grande do Sul -1970 /1980 | Raul Pont – Parte II