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“Os ataques que sofremos encontraram resistência na militância”

Raul Pont fala sobre o que deve mudar no PT para 2006.

Raul Pont fala ao Jornal Democracia Socialista – Em Tempo sobre o resultado do PED, reordenação de forças no interior do partido, movimento pela refundação e tarefas do PT para 2006, inclusive o que deve ser a relação do partido com o governo. A importância de se rediscutir o estatuto e a organização do partido, bem como a construção do programa para 2006, temas do próximo Encontro Nacional do PT, são temas que aparecem nesta entrevista com o atual secretário-geral do Partido dos Trabalhadores.

DS – O que muda substancialmente no PT após o PED?
Raul Pont – A eleição direta para os dirigentes partidários, por si só, significou uma reafirmação partidária, de sua força militante, do seu enraizamento nacional. Foi uma resposta, uma contra-ofensiva ao ataque sistemático que há vários meses o PT e o governo sofriam das forças de direita orquestradas pela grande mídia nacional. Não respondeu, plenamente, à crise, mas forçou uma mudança de pauta sobre o PT e o reconhecimento tácito das virtudes de um Partido profundamente democrático e que submete suas direções ao julgamento dos filiados.

O PED expressou, também, uma sensível mudança na composição do DN e de sua Executiva, acabando com a hegemonia de uma corrente que através do chamado “campo majoritário”, impunha, desde 2001, uma lógica monolítica na relação com o partido, sufocando o debate e a democracia interna. E, principalmente, submetendo o PT e sua lógica partidária a uma submissão ao governo contraditória com a nossa história e concepção programática.

O debate e os números da eleição comprovam que uma maioria partidária está insatisfeita com a condução do governo em algumas áreas, em especial, a econômica e o baixo protagonismo popular na condução do governo. O Partido exigiu, igualmente, no PED a profunda averiguação e punição dos responsáveis pela grave crise de moralidade pública gerada por alguns dirigentes e parlamentares à revelia do Partido e de seus colegiados de direção.

DS – Como essa nova ordenação de forças no partido deve se expressar neste momento?
Raul Pont – Pela recuperação da capacidade de produção coletiva de política e orientação partidárias para o conjunto do PT, suas instâncias parlamentares e na relação com o governo. Autonomia e capacidade de avaliação crítica sobre nossas experiências de governo, e questionar se ação parlamentar deve ser o objetivo primordial da nova direção.

Estabelecer um canal direto e permanente com o governo é uma das questões centrais para a nova direção. Durante o PED afirmei, em vários debates, que se não construirmos uma sintonia de programa e de iniciativas que o governo desenvolva com o partido e vice-versa, caminhamos para uma crise maior que a atual. Os ataques que sofremos, apesar das pesadas perdas, encontrou resistência na militância. Uma crise programática em ano eleitoral nos levará a um tensionamento e esgarçamento fortíssimos.

Além de preparar o Encontro Nacional com a pauta já definida no Diretório Nacional, devemos dar atenção especial também à reforma estatutária e ao debate estratégico sobre o socialismo petista. São sinalizadores importantes para o conjunto dos filiados que no PED reivindicaram essa retomada de um norte, de um paradigma estratégico para o Partido e a demonstração prática de que o PT quer mudar sua vida orgânica frouxa, eleitoreira e desequilibrada pelo predomínio e submissão à institucionalidade.

DS – O movimento pela refundação teve resultados para as discussões internas no PT? Para onde deve caminhar esse movimento?
Raul Pont – Vejo o movimento de refundação como um processo positivo e que deve ser estimulado pelas direções partidárias. Sempre fomos um partido plural, democrático, aberto e sem preconceitos. Num momento de crise, nada mais natural que busquemos todas as nossas potencialidades para ampliar e aprofundar o debate fora das direções e dos que estão no dia-a-dia do partido, buscando ativistas, intelectuais, eleitores, simpatizantes que queiram e tenham o que dizer em processo aberto e democrático sobre nossa política atual e perspectivas de superá-la, de aprimorá-la.

Os debates em São Paulo e no Rio mostraram um número grande de velhos militantes, fundadores, simpatizantes e aliados, opinando, propondo e querendo salvar e fortalecer o partido. Não podemos frustrar isso nem dispensar seu potencial.

Essas reuniões não substituem a organização partidária, suas direções e congressos. Mas nesse momento, revitalizam e fortalecem o PT. Em Porto Alegre, marcamos o primeiro debate junto com uma sessão de novas filiações partidárias e um cronograma de debates com temas que estaremos discutindo e deliberando em nossos Encontros em março e abril. Acho que todas as capitais, cidades grandes onde existimos devemos fazer reuniões com o objetivo de ouvir, ser criticado, ter a opinião de quem vota e está conosco há anos e nem sempre é chamado para nos ajudar a construir o partido e seus projetos.

DS – Como deve ser o processo de encontro nacional numa conjuntura em que é tão necessário revisitar o programa partidário e atualizar a formulação acerca do socialismo petista?
Raul Pont – Adiamos para abril o Encontro Nacional, infelizmente, porque deveríamos realizá-lo no fim do PED. Optou-se por realizar em abril um Encontro que já desse conta do programa eleitoral, da política de alianças, da candidatura presidencial e se garantiu que esse processo tratasse, também, de algumas mudanças estatutárias e do debate sobre o projeto estratégico do partido. A discussão sobre o que identifica o “socialismo petista”.

DS – Dentro disso, qual a importância de se rever o estatuto do PT, visando à sua democratização?
Raul Pont – Fundamental e inadiável. Parte da crise atual tem a ver com o Estatuto de 2001, que vem transformando o PT num partido eleitoreiro e cada vez mais dependente da institucionalidade. As irregularidades que afloraram nessa crise demonstram a concepção que passou a predominar entre alguns ex-dirigentes em sua relação com empresários, bancos e partidos “aliados” de centro e de centro-direita.

Precisamos entrar em 2006 já com a perspectiva de algumas mudanças simbólicas para retomar uma cultura partidária que tivemos no início.  O compromisso de contribuição obrigatória e mensal para todos, a revalorização do núcleo como espaço de organizar a participação social e a delegação direta de seus representantes nos Encontros e Congressos Partidários. Voltar aos mandatos de dois anos, acabar com as prévias para escolhas de candidatos, rediscutir as políticas de cotas de gênero e de juventude, etc.

O Encontro Estadual do Rio Grande do Sul, de 26/11/2005, nesse aspecto, aprovou, por unanimidade, acabar com a contribuição anual e aprovou a contribuição mensal obrigatória para todas as faixas de renda. O mandato de dois anos e a mudança na divisão do Fundo Partidário, favorecendo os Estados, foram também aprovados por unanimidade.

Outros temas foram encaminhados para o debate no estado e no país, para aprovação no Encontro de março, antes do Encontro Nacional em abril. Defendo que todos os Encontros Estaduais pautem essa questão e deliberem as questões mais significativas para que possamos votar essa reforma já em abril de 2006.

DS – E a relação com os movimentos sociais? Abre-se um período de reaproximação?
Raul Pont – É muito desigual o que o Partido gasta e investe em processos eleitorais e o que destinamos para fortalecer, acompanhar, incentivar e capacitar quadros e dirigentes nos movimentos sociais. É uma das principais reorientações que precisamos realizar. Nos últimos anos, perdemos espaço em movimentos importantes como o sindical. Surgiram novas centrais e com dirigentes cada vez mais comprometidos com partidos burgueses, enfraquecendo a CUT. Além disso, há o equivocado comportamento de algumas correntes esquerdistas que enfraquecem a Central Única confundindo-a com a disputa partidária. Precisamos enfrentar isso sem sectarismos e com práticas que convençam e hegemonizem a atuação de uma grande central que unifique a luta dos trabalhadores sem atrelamento ao Partido e ao governo.

Com a vertizalização das coligações nas eleições de 2006, a tendência de termos, no primeiro turno, um bloco de esquerda que só se multiplica por sua relação com os movimentos sociais, revela a importância tática e estratégica de uma profunda relação com os movimentos sociais, sem pôr em risco suas necessárias autonomias.

DS – E quanto ao governo? Quais as mudanças que devem ser encaminhadas na relação do partido com o governo e o que o PT deve propor visando à eleição de 2006?
Raul Pont – Como já disse, necessitamos ter uma relação regular, direta, um canal permanente de diálogo com o governo e este com o partido. Ficamos os últimos três anos em uma relação submissa e de apoio incondicional ao governo. Como disse Marilena Chauí, na revista Caros Amigos, “partido sem autonomia é inútil”. Não podemos perder nosso protagonismo e o papel de incidência sobre o governo e as políticas públicas implantadas.

A política de juros está errada. Transfere bilhões ao rentismo financeiro, impede o crescimento econômico, dificulta a distribuição de renda e gera uma cultura de agiotagem, do desprestígio ao trabalho e à produção. Não é política do PT. Tem que mudar agora. Pela ausência de controle na entrada e saída de capitais, está incidindo sobre o câmbio e atingindo amplos setores que têm na exportação a saída para um mercado interno reprimido pelos baixos salários.

Mas o problema não está apenas na política econômica. Pelos acordos e políticas de aliança congressuais, ficamos paralisados em outras questões cruciais para o país e, principalmente, para a luta dos trabalhadores. Não desenvolvemos formas de democratizar o Estado e estimular a participação popular, não criamos nenhum instrumento direto de protagonismo popular como fizemos nos municípios e estados que governamos.

Questões urgentes como a reforma política, que perdeu prazos e agora reaparece através de emenda constitucional, como é o caso da desverticalização das coalizões eleitorais, constitui-se um retrocesso. Tática e estrategicamente essa posição é conservadora, despolitizadora, consagra os partidos que são siglas de aluguel ou balcões de negócio. A vacilação governamental paralisa a bancada e nos mantém sem iniciativa política.

Estamos prestes a ver a Anatel congelar por vinte anos o desastre que foi para os usuários e consumidores a privatização da telefonia. Não houve universalização, estamos na mão de três monopólios e apenas a cobrança da tarifa mensal básica – elevada em mais de 4500% da privatização até agora – transfere mais de R$ 2 bilhões por mês a esses monopólios. Basta comparar com os recursos que o país tem para novos investimentos em obras e serviços para se ter uma dimensão do “grande negócio” que herdamos do governo FHC. Essa é a verdadeira “corrupção legalizada”.

Essa pauta, mais a reforma tributária, a repartição do bolo tributário entre os entes federados, a política do salário mínimo, a diminuição da jornada de trabalho, as alíquotas e as reduções no Imposto de Renda, a regulação do trabalho aos domingos para defender assalariados e o pequeno negócio familiar são alguns temas internos onde a sintonia entre partido e governo e a iniciativa política de transformá-los em conquistas a curto prazo, podem nos recuperar o diálogo com as classes populares e nos dar condições de ofensividade política em 2006.

Por fim, mas não sem esgotar esse rol que deve ser ampliado e aprofundado no debate partido-governo, é impossível aceitar o projeto de ajuste fiscal de longo prazo proposto por Palocci- Paulo Bernardo. Já é um erro político esse tema vazar para a imprensa sem debate na bancada ou no partido. Mas, seu conteúdo é incorreto e inoportuno.

Pôr na agenda política um ajuste que é “mais do mesmo”, com baixo crescimento, arrocho salarial, maior desvinculação de receitas da União nas áreas sociais comprometidas pela Constituição, em especial a saúde, e ampliação do superávit primário, é impor ao partido uma pauta que não pode ser aceita, por errada e contrária ao nosso programa e de total inoportunidade.

Por isso, impõe-se urgente esse canal de relação regular e permanente com o governo para que o partido não seja mais penalizado ainda do que já foi com a crise atual.

 

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