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Os cinco desafios de 2006

Por que é possível conquistar neste ano uma derrota definitiva do neoliberalismo e criar a legitimidade para um ciclo inédito de reformas democráticas, populares e republicanas no Brasil.

O primeiro grande desafio de 2006 é superar a ameaça do retorno de uma coalizão liderada pelo PSDB/PFL ao governo do país. Este retorno possível seria, de fato, uma derrota de conseqüências mais anti-populares do que aquela vivida em 1994, quando da primeira eleição de FHC. Ela criaria um campo favorável a um novo ciclo de reformas neoliberais que, através de novas privatizações, tornaria historicamente muito difícil a construção de uma economia do setor público no país. Uma eventual derrota de uma segunda candidatura Lula, com seu potencial de desmoralização do ciclo de esperanças criado quando da sua eleição, abriria toda possibilidade para uma série de ataques aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e dos movimentos sociais no campo. E teria um profundo efeito desalentador sobre a nova conjuntura de mudanças no continente latino-americano.

Pelas próprias condições da polarização criada, as chances de vitória contra o neoliberalismo em 2006, estão na exata dependência do governo Lula e do PT retomarem e aprofundarem, com ações e palavras, uma clara lógica de superação do neoliberalismo no Brasil. Isto é, de forma muito mais evidente do que nas eleições de 2002, quando havia um sentimento forte de insatisfação com os governos FHC, mas um sentido programaticamente difuso por mudanças. Agora o desafio é exatamente, a partir da experiência do governo Lula, aclarar e aprofundar o sentido histórico da transição que buscamos. No contraste com os anos FHC, o governo Lula estará sendo julgado pelo muito que foi capaz de fazer diferente e melhor segundo os interesses populares. Terá que prestar conta à consciência democrática do país de seus limites e de seus erros. E só será capaz de dialogar com a esperança do povo brasileiro, hoje parcialmente neutralizada por governar aquém das mudanças possíveis  e pelos efeitos da crise de 2005, se for capaz de avançar um ciclo novo e profundo de reformas democráticas, populares e republicanas no país.

Assim, criar as melhores condições político-eleitorais para vencer a ameaça neoliberal é também criar as condições de legitimidade para que um segundo governo Lula supere definitivamente o paradigma neoliberal no Brasil.

Deslegitimar a ditadura financeira
O segundo grande desafio de 2006 é, no transcurso da luta contra o neoliberalismo, dar centralidade à necessidade de superação do conjunto de privilégios e poderes que o sistema financeiro continua a usufruir no Estado brasileiro.

Este foi, sem dúvida, o maior limite do governo Lula: o de continuar administrando a política monetária, a política cambial e o ajuste fiscal a partir das instituições e modos de regulação do período neoliberal. Mesmo usufruindo uma conjuntura internacional bem favorável a um verdadeiro boom das exportações, apesar das políticas pró-ativas de crescimento em uma série de áreas, o conservadorismo financista do BC e do Ministério da Fazenda foram capazes de bloquear a recuperação de um crescimento sustentado da economia brasileira. Exerceu forte contenção sobre as políticas sociais e distributivas do governo Lula e continuou transferindo uma grande massa de recursos para os rentistas.

Mas a conjuntura eleitoral de 2006 é muito diversa daquela de 2002, quando a pressão combinada dos mercados financeiros e da candidatura Serra, levaram o país às portas de uma grave crise cambial e a candidatura Lula a ceder, em questões essenciais, nos seus compromissos de administração da economia.

A noção liberal de “autonomia operacional” do BC significou, na prática, a perda de mais poderes do presidente do que ocorreu de fato durante os governos FHC, nos quais, por duas vezes, o presidente do BC foi destituído.

Hoje há confluência de razões, legitimidade política e condições econômicas claras para criar as condições de superação da ditadura financeira sobre o Estado brasileiro. As taxas de juros elevadas perderam, em grande medida, as suas funções sistêmicas, segundo uma lógica liberal, de garantidoras de atração de capitais necessárias para fazer frente a um país extremamente vulnerável nas contas externas e de instrumentos implacáveis para combater ameaças inflacionárias sempre retoricamente extremadas.

Criar este discurso democrático de recuperação da soberania do Estado brasileiro diante do poder corporativo das finanças privadas é, pois, um dos grandes desafios de 2006.

Superar o mercado do voto e a privatização do Estado
A crise surgida em 2005, como conseqüência da campanha de desestabilização promovida pela oposição neoliberal, revelou a face anti-republicana do sistema partidário-eleitoral e a corrupção sistêmica que ainda permanece não superada no Estado brasileiro.

Há três posições possíveis diante dela nestas eleições. A primeira é a da evasão: procurar evitar que ela se torne um tema central nas eleições de 2006, tratando-a secundariamente no programa e no discurso partidário. A segunda é transformá-la no núcleo articulador de toda a campanha, centralizando a disputa política em torno de uma reforma ética do Estado brasileiro. Entre estes dois extremos, estaria a melhor posição: dar centralidade à questão ética, porém, vinculando-a a luta pela democratização do sistema político e pela desprivatização do Estado brasileiro.

O mercado do voto, as campanhas milionárias, o caixa 2, as prerrogativas do marketing político, os privilégios corporativos dos políticos com mandato são a forma, por excelência em uma democracia eleitoral de massas, das classes dominantes conterem o avanço da representação dos interesses populares, utilizando-se do seu poder de classe. O loteamento do Estado e de funções públicas por interesses de empresas, grandes, médias e pequenas em busca de super-lucros, desmoralizam o sentido republicano do estado e alimentam os argumentos neoliberais favoráveis à privatização.

Responder programaticamente a estes impasses da democracia e da república brasileira são fundamentais para o PT e o governo Lula repactarem o seu contrato ético republicano com a cidadania dos brasileiros.

Plataforma de luta pelos direitos
As eleições de Lula em 2002, transferindo o peso de gravidade do acúmulo organizativo acumulado para dentro do Estado, geraram dois efeitos simultâneos: de um lado, uma grave perda de autonomia do PT em relação às suas novas funções de governo do país; de outro, uma situação de expectativa dos movimentos sociais diante da possibilidade de conquistas institucionais na nova situação. Nos dois primeiros anos de governo, quando a sua dinâmica não apenas frustrou estas expectativas mas, em parte, chocou-se contra elas, a crise da identidade do PT e dos movimentos sociais instalou-se, ganhando contornos dramáticos na crise do ano seguinte.

A dinâmica instalada de forte polarização com as forças neoliberais é um momento oportuno para o reposicionamento público do PT e dos movimentos sociais. Trata-se de repor, atualizando e reelaborando, o programa histórico do PT a partir da experiência vivida pelo governo Lula e de construir uma plataforma comum de luta por novos direitos pelos movimentos sociais.

Estes dois movimentos combinados podem reconstituir para um novo governo Lula as condições de ofensividade da esquerda brasileira no sentido de criar um campo histórico propício às grandes transformações.

Integração latino-americana
O quinto desafio é o de popularizar na consciência dos brasileiros a proposta de integração de uma comunidade política latino-americana, para além dos vetores limitados do primeiro projeto Mercosul.

Assim como a presença do governo do Brasil tornou-se um dos fatores de definição de dinâmicas políticas de esquerda e centro-esquerda nos países vizinhos, a conjuntura de disputa com os neoliberais no Brasil deve incorporar com força o sopro latino-americano de mudanças. Trata-se, inclusive, de se apropriar de uma área de realizações do governo Lula na qual a superação dos paradigmas neoliberais se fez mais nítida.

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