As eleições de 2002 e a chegada do Presidente Lula ao poder, liderando um campo de alianças com base nos setores progressistas da sociedade brasileira, representou um marco histórico para os movimentos sociais e para o povo brasileiro. Iniciava-se no Brasil e na América Latina um novo período histórico, caracterizado pela transformação social, pelo combate as desigualdades e pela contestação aos pilares neoliberais.
Tiago Ventura e Joanna Paroli *
Nesse contexto, os movimentos sociais brasileiros se viram na tarefa de reafirmar sua autonomia, fortalecer seus processos de mobilização e aprofundar a unidade do campo progressista. Pressionando e disputando o governo para um projeto de desenvolvimento popular, de caráter democrático e anti-capitalista, baseado nas bandeiras históricas do povo brasileiro, ao mesmo tempo em que rechaçava a volta dos setores entreguistas e neoliberais reinantes nos anos FHC.
Para dar conta das tarefas colocadas as principais entidades do movimento social, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Marcha Mundial de Mulheres (MMM), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes (UBES), entre outros, organizaram em 2003 a Coordenação Nacional dos Movimentos Sociais (CMS).
A CMS tem sido um fórum fundamental de articulação dos setores populares e, neste sentido, deve ser reforçada pelas entidades do movimento social, principalmente as estudantis, como espaço de debates e de construção de agendas de mobilização.
Eleições de 2010
O ano de 2009 foi marcado pela crise estrutural do sistema capitalista, capaz de demonstrar a perversidade desse sistema e que sua lógica predatória tem aprofundado a exploração dos trabalhadores no mundo todo. O principal significado da crise mundial reside na incapacidade demonstrada pelos grandes pólos capitalistas de gerirem a sociedade mundial a partir dos seus sistemas de poder, economia e valores, colocando-se diante da consciência que os padrões capitalistas são incompatíveis com a sobrevivência do planeta e que as soluções dos problemas atuais estão fora dos seus marcos.
O auge da crise neoliberal encontrou na América Latina forças populares em condições de disputar os governos e iniciar processos de superação do neolibera¬lismo – processos difíceis e tortuosos, mas com um po¬tencial anti-imperialista.
No Brasil, as políticas implementadas pelo governo Lula, em especial no segundo mandato, privilegiariam o fortalecimento do Estado, o combate as desigualdades, o aquecimento do mercado interno, a recuperação do salário mínimo, a expansão dos investimentos em educação e a criação de inúmeras universidades federais, e a retomada dos concursos públicos para contratação de servidores federais. Esta grande mudança de agenda política, somada a uma política externa soberana de integração regional, priorizando as relações com países do hemisfério sul, foi capaz de abrir novas perspectivas para a esquerda no Brasil.
Vivemos em uma conjuntura favorável aos setores populares, na qual a hegemonia contestadora, anti-capitalista e socialista tem avançado. Por isso, o ano de 2010 será decisivo para todo o povo brasileiro. Uma vitória da esquerda brasileira nas eleições tem o potencial de acelerar uma dinâmica aberta de revolução democráti¬ca, aprofundando as conquistas do último período e apontando para um programa de transformação econômica, política e so¬cial com participação ativa da classe trabalhadora e do povo organizado.
Visualizando a superação desses desafios, a União Nacional dos Estudantes definiu como centro da sua intervenção política a disputa de projetos de 2010, convocando todos e todas as estudantes a participarem do Conselho de Entidades Gerais da UNE, onde formularemos o Projeto Brasil dos estudantes brasileiros, a ser apresentado e discutido na Assembléia dos Movimentos Sociais convocada pela CMS para o dia 31 de maio, espaço em que formularemos com muita unidade dos movimentos sociais o nosso Projeto Nacional e Popular para as eleições de 2010.
Os desafios da UNE
O projeto Brasil da UNE é o instrumento pelo qual disputaremos o processo eleitoral. Em um ano marcado pela disputa de idéias, é tarefa histórica da entidade ter lado e projeto político nessa disputa.
Cumpriremos nossas tarefas, construindo um projeto que aponte para três eixos centrais.
O campo Kizomba acredita que, em primeiro lugar, devemos apresenta qual o projeto de desenvolvimento defendido pela entidade. Ele ter como pauta a soberania nacional e a necessidade de aprofundarmos nossa relação com países e povos do hemisfério Sul e da América Latina, combatendo o processo de militarização operado pelos EUA no nosso continente e aponte para o fortalecimento de alternativas como o Mercosul, a ALBA e a UNASUL.
Nesse eixo, também podemos elencar: a necessidade de tornar hegemônica a eco¬nomia sob controle público, reduzindo drastica¬mente o poder do capital e as relações sociais mercan¬tilizadas; a construção de reformas estruturantes para o país, como a reforma agrária capaz de elevar o papel histórico da agricultura familiar e eliminar de vez o latifúndio no Brasil, a reforma urbana que enfrente os terríveis desequilíbrios regionais e injustiças sociais produzidos pelo de¬senvolvimento capitalista concentrador e criador de misérias absolutas e relativas no país, uma reforma política baseada na construção de sistema nacional de de¬mocracia participativa que tenha como eixo a partici¬pação ativa da classe trabalhadora e do povo organi¬zado e a democratização dos meios de comunicação capaz de fortalecer o caráter público desse setor e combater os desmandos dos oligopólios da mídia privada; e a retomada do papel do Estado em setores estratégico da economia como o petróleo, a mineração e energia.
O segundo eixo deve materializar a pauta histórica da entidade em defesa da educação pública brasileira, apontando para a necessidade de democratizarmos por inteiro a universidade brasileira, ampliando a expansão de vagas no Ensino Superior, atingindo o patamar de 30% da população jovem no país, tendo 60% dessas vagas no ensino público; garantindo o aumento do financiamento da educação pública por meio do investimento de 10% do PIB e de 50% do Fundo Social do Pré-Sal na educação; construindo um sistema nacional articulado de educação que organize um novo modelo de colaboração entre os entes federados e seja capaz de regulamentar o setor privado, invertendo a lógica de financeirização, mercantilização e de entrada de capital estrangeiro na educação brasileira.
Por fim, é fundamental construir um recorte de juventude no Projeto Brasil da UNE. A UNE é a principal entidade organizada do movimento juvenil brasileiro, e precisa colocar em pauta para os movimentos sociais a necessidade de concebermos o jovem como sujeito de direitos e agente estratégico de um projeto transformador de país.
A juventude brasileira foi o setor mais atingido no período neoliberal. A crise de hegemonia que vive hoje o capitalismo financeiro nos coloca a possibilidade de disputar a imensa quantidade de jovens brasileiros para a luta social.
A UNE deve ter como prioridade convocar todos os movimentos sociais para essa tarefa, por meio da construção de uma plataforma da/para a juventude em 2010, que tenha como centro a combinação de políticas de educação e trabalho que permitam adiar a entrada dos jovens no mercado de trabalho, a promoção de empregos decentes para a juventude, a aprovação de marcos legais como a PEC e o Plano Nacional de Juventude e a criação de equipamentos públicos que permitam a juventude ter acesso à cultura e ao esporte; promover um reforma político-pedagógica no ensino médio, fortalecer políticas de permanência, e construir um sistema nacional de juventude que articule políticas da esfera federal, estadual e municipal.
Os estudantes sempre estiveram a frente dos principais momentos de disputa política do País. Foi assim na campanha “O petróleo é nosso”, nas lutas pelas reformas de base, na resistência à Ditadura, na campanha pela redemocratização e na resistência ao neoliberalismo. Em síntese, mais uma vez a UNE estará ao lado dos estudantes na construção do Brasil do presente e do futuro.
* Tiago Ventura é vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, e Joanna Paroli é diretora de universidades pagas da mesma entidade. O presente artigo foi apresentado ao Coneg (Conselho Nacional de Entidades Gerais) da UNE, realizado em 24 e 25 de abril, como contribuição do campo Kizomba.