Momento é de fortalecer a disputa de rumos, envolvendo o conjunto do partido
Raul Pont*
Há 25 anos, no memorável 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, delegações de 17 estados brasileiros fundaram o Partido dos Trabalhadores. Nascíamos numa conjuntura de declínio e crise do regime militar de 1964, no bojo das grandes greves do final dos anos 70 no ABCD e em várias capitais. O PT foi uma expressão política daquele momento histórico do Brasil.
Uma nova geração de lideranças sindicais, crítica à estrutura sindical atrelada ao Estado que vinha do autoritarismo populista de Getúlio Vargas, encontrava respaldo em uma nova geração de socialistas que se forjara na resistência ao regime militar, na crítica ao reformismo e nas lutas estudantis dos anos 60 e 70. Esta nova vanguarda completava-se com a adesão ao Partido de amplos setores dos movimentos eclesiais de base da Igreja progressista.
Essa origem torna o PT inédito, entre outras experiências na esquerda internacional. O Partido não era fruto de um punhado inicial de militantes em torno de um jornal de divulgação e organização, nem era a clássica cisão de uma força política histórica. Reside aí a base de seu pluralismo, de sua tolerância anti-dogmática e anti-sectária.
Pluralidade e democracia
Nestes 25 anos,construímos uma nova teoria e uma nova prática partidárias, hoje referência para a esquerda em vários países. Provamos ser possível construir um partido de massas que se reafirmava em seus congressos como socialista, com direito de organização de tendências e com respeito à diversidade de opinião, expressos em suas direções através do princípio da proporcionalidade.
No 1° Congresso, em 1990, o direito de tendência foi reafirmado, com a adoção de proporcionalidade nas direções executivas, além da grande vitória alcançada pelas companheiras mulheres que garantiram um mínimo de 30% de mulheres em todas as instâncias diretivas do Partido.
Essa concepção democrática e plural é a nossa maior virtude orgânica e nosso principal patrimônio político, que garantiu nossa unidade e crescimento. E é esta democracia interna que nos possibilitará corrigir ou mudar rumos da nossa própria prática e experiência vivida nos parlamentos, nas administrações e nas políticas públicas que desenvolvemos na sociedade.
Protagonismo histórico
Ao longo deste quarto de século, estivemos na vanguarda das grandes jornadas nacionais, como a luta pela Anistia, pelas Eleições Diretas, pela convocação de uma verdadeira Assembléia Nacional Constituinte soberana e exclusiva e no impedimento de Collor de Mello em 1992.
Em 1988, conquistamos a Prefeitura de Porto Alegre – junto com dezenas de outros municípios – porque conseguimos transformar, nas ruas, a apatia e a indiferença da disputa “entre os mesmos” com a confiança e esperança da “coragem de mudar”, o que para a população significava inverter prioridades e democratizar as decisões pela participação popular.
Nenhum de nós foi o mesmo depois do “Lula Lá” de 1989, e todos nós fomos protagonistas das vitórias consecutivas e da virada histórica em 1998, quando o entusiasmo, a militância consciente e a sintonia com o movimento popular empolgaram os gaúchos na conquista do Palácio Piratini.
Em todos os estados vivemos emoções semelhantes. Somos o único dos grandes partidos brasileiros que, desde 1982 – primeira eleição após o bipartidarismo – até hoje, não deixou de crescer e acumular forças a cada eleição. Bastaria citar as eleições de 2004, quando elegemos prefeitos em 411 municípios e 3.679 vereadores nas Câmaras Municipais.
A indicação de Porto Alegre como sede do I Fórum Social Mundial, em 2001, foi o reconhecimento de experiências concretas de governo local e regional do nosso Partido, praticadas ali e em dezenas de outros municípios do país – com graus variados de radicalidade – na busca do estabelecimento de uma nova relação da sociedade com o Estado. Foram essas experiências e seu efeito demonstração, a trajetória singular de mais de duas décadas de uma nova forma de fazer política com democracia, participação popular e transparência administrativa, que garantiram a identidade política para alcançar o Palácio do Planalto.
Percurso árduo
No entanto, não passamos incólumes esses 25 anos. As vantagens e a hegemonia alcançadas pela implantação e o crescimento através das vitórias parlamentares e das experiências administrativas nos desafiam, dialeticamente, com a cooptação e o envolvimento numa teia poderosa de um Estado capitalista que objetivamos transformar. Vivemos, hoje, com a chegada à Presidência da República, nosso maior teste na manutenção de nossa coerência e dos nossos objetivos históricos.
Estamos aprendendo, mais uma vez, a enorme distância entre vencer uma eleição, gerar expectativas e efetivamente governar e atendê-las. No governo, por maioria, optou-se por uma governabilidade baseada, exclusivamente, em uma ampliação ainda maior da coligação de forças e o Congresso escolhido como a instituição central de construção de uma hegemonia.
O crescimento linear do Partido também não pode ofuscar as dificuldades em consolidar vitórias e projetos que durem para além de um mandato. Não temos conseguido garantir programas que gerem uma identidade de projeto com forças sociais que o sustentem de forma duradoura. Esta é uma tarefa irrecusável para um Partido como o nosso, que nasceu com a pretensão de transformar a sociedade brasileira.
Muitas vezes, na ação política, podemos não deter capacidade, competência ou correlação de forças para alcançar determinados objetivos. Isso pode nos exigir tempo, acúmulo de forças, capacitação. Mas são problemas passíveis de solução. O que é irreversível é a perda de identidade, de nitidez política, de referência de que classe social somos expressão e representação política.
Esta é a grande reflexão que está diante de nós neste Jubileu de Prata do Partido. Este é o sentido de nossa “Carta aos Petistas”, firmada por várias correntes e dirigentes partidários para o conjunto do PT. A “Carta” quer incidir na disputa de rumos do Partido, mas consciente de que essa questão envolve o conjunto da esquerda e uma enorme vanguarda social que tem em nós uma significativa referência.
Desafios presentes
A mesma ousadia que nos deu coragem de existir e construir o PT na adversidade, que construiu ricas experiências de democracia participativa e de lutas sociais nos impulsiona para novos enfrentamentos. Um programa de transição ao socialismo exige-nos desenvolver, a cada momento, propostas e lutas que signifiquem saltos de qualidade na prática e na consciência de seus protagonistas.
Neste momento em que celebramos os 25 anos de existência do PT, transmitimos aos companheiros e companheiras nossas fraternais saudações pelas lutas e utopia que juntos abraçamos. Mas queremos fazê-lo, com a franqueza e a camaradagem solidária, através do chamamento ao debate e à reflexão propostos na “Carta aos Petistas”.
A preservação da nossa identidade política, o combate às políticas de alianças diluidoras do programa do PT e o desafio de construirmos uma democracia participativa que garanta à participação popular poder de decisão sobre as políticas públicas são os grandes desafios nestes 25 anos que celebramos.
Este é o Partido que construímos. Esta é a estratégia que reivindicamos. É a utopia que nos mantém militando. Viva os 25 anos do Partido dos Trabalhadores.
*Raul Pont é deputado estadual do PT/RS