Brasília – Médica, divorciada, mãe de dois filhos e feminista, a nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, aposta na autonomia como forma de garantir melhores condições de vida para a mulher. Em entrevista à Agência Brasil, ela deixou claro seu pensamento de luta contra a “cultura patriarcal, machista e sexista que ainda impera” no país. Autonomia, segundo a ministra, é ” garantir que as mulheres tenham condições para se desenvolver com plenitude”.
Filiada ao PT, mas não alinhada a tendências internas do partido, a mineira de Lavras combateu a ditadura militar, em alguns momentos ao lado da presidenta Dilma Rousseff. Por essa luta, passou quase três anos na cadeia em São Paulo, de 1971 a 1973.
A ministra disse que não acredita que se houver contingenciamento de recursos, a aplicação efetiva da Lei Maria da Penha, que pune com prisão quem comete violência doméstica, será prejudicada. “O contingenciamento de recursos não deve restringir a ação dessa política”, garantiu.
Mesmo antes de assumir o posto, ela vem sendo alvo de críticas de grupos religiosos contrários à legalização do aborto. Eleonora Menicucci ressaltou que as políticas públicas não devem discriminar as pessoas por suas profissões de fé e lembrou que “cabe ao governo cumprir a Constituição e respeitar a laicidade do Estado”.
A seguir, a íntegra da entrevista:
Agência Brasil – A Lei Maria da Penha é uma das mais conhecidas pela população, mas sua aplicação efetiva requer ainda convencimento, equipamentos públicos como casas-abrigo e delegacias especializadas. O investimento na formação das pessoas que trabalham com a mulher também é necessário. Como avançar nesse campo em tempo de crise econômica e contingenciamento de recursos?
Eleonora Menicucci – A Política de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem avançado desde a criação da Lei Maria da Penha. O principal instrumento é o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que tem a adesão de todos os estados, com câmaras técnicas instaladas para a gestão das ações de enfrentamento à violência e com 23 organismos de políticas específicas. O contingenciamento de recursos não deve restringir a ação, uma vez que é também de responsabilidade de estados e municípios ampliar e fortalecer essa política, garantindo sua transversalidade e capilaridade em todas as esferas de governo, com a ampliação dos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência e de instalação de mais equipamentos. Nosso empenho será sempre em busca de fortalecer essa política, em articulação com todos os entes federados, para que ela chegue a todas as mulheres.
ABr – A Secretaria de Políticas para as Mulheres trabalha essencialmente com conceitos, com mudança de hábitos culturais. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu colocar no âmbito do interesse público a punição para a violência cometida contra a mulher. Foi um golpe na velha máxima de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Como convencer as pessoas, incluindo seus pares, sobre a necessidade de mudança?
Eleonora Menicucci – Só o fato de a Lei Maria da Penha ser uma das mais conhecidas já muda, ao menos no imaginário da população, e essa máxima começa a cair. Há uma compreensão de que, para coibir a violência contra as mulheres, existe lei e autoridade, que defendem e punem com severidade os agressores. No entanto, a população, embora sabendo da lei, ainda não sabe como ela funciona e como acessá-la. Nesse sentido, é necessário reforçar e ampliar as ações articuladas com todas as esferas de governo, com os movimentos sociais, a academia, os meios de comunicação e as instituições públicas e privadas, em uma campanha de informação e orientação sobre a lei. Isso já vem sendo feito, mas agora, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou a Lei Maria da Penha constitucional e declarou que a denúncia de violência contra a mulher pode ser feita por qualquer pessoa e não apenas pela vítima, é necessário intensificá-la, não só com a população, mas também e principalmente com os operadores de direito, nas delegacias, nos juizados e nas promotorias. A campanha Compromisso e Atitude, que será lançada em breve pela secretaria, reflete essa necessidade e tem como aliados o Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Justiça, o Colegiado dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos e Colegiados dos Presidentes de Tribunais de Justiça. Mas sabemos que uma lei, por si só, não muda a cultura machista, sexista que permeia a sociedade e está na raiz da violência e opressão de gênero. Não vamos mudar essa cultura de um dia para o outro, mas vamos caminhando. Costumo dizer que, ao esperar [as mudanças], vamos atuando. E, nesse sentido, construir uma educação e uma cultura de igualdade e solidariedade é fundamental, daí a importância da transversalidade das políticas para as mulheres.
ABr – Há décadas, no Brasil, a questão dos direitos reprodutivos esbarra na força de grupos religiosos que agem no governo e no Congresso Nacional. Os poucos avanços são conseguidos sob muita pressão. Embora seja previsto na Constituição Federal, há ainda que se firmar o conceito do Estado laico? Cabe também ao governo esse papel?
Eleonora Menicucci – Cabe ao governo cumprir a Constituição e, nesse sentido, respeitar a laicidade do Estado. Essa é uma decisão soberana da nação, como também o direito à diversidade religiosa. E isso não tem nada a ver com políticas públicas que, por princípio, não devem discriminar as pessoas por sua profissão de fé. Um Estado laico, mais que um debate, é um direito e isso tem a ver com não ser julgado por suas convicções religiosas e muito menos ser impedido de ter acesso às políticas públicas por uma interpretação errônea sobre a laicidade do Estado.
ABr – O empoderamento das mulheres tem sido uma tônica nos discursos da presidenta Dilma Rousseff desde a campanha. Ainda há muito a fazer para se alcançar a equidade entre homens e mulheres? O que cabe ao governo fazer?
Eleonora Menicucci – Como já disse antes, avançamos muito. No próximo dia 24 de fevereiro vamos comemorar os 80 anos da conquista do voto feminino, quando o Código Eleitoral (Decreto 21.076) assegurou, em 24 de fevereiro de 1932, o voto feminino no Brasil, após intensa campanha nacional pelo direito das mulheres. Foi uma luta pioneira e histórica das feministas, como Julia Barbosa, Bertha Lutz, Leolinda Daltro, Celina Vianna, Nathércia da Cunha Silveira, Antonietta de Barros, Almerinda Gama, Jerônima Mesquita, Maria Luisa Bittencourt, Alzira Teixeira Soriano, entre outras valorosas mulheres que nos legaram uma histórica conquista e um caminho a ser seguido na construção da igualdade. Na perspectiva histórica, é um tempo muito curto desde aquela data. Mas, na perspectiva de luta pela autonomia e liberação das mulheres, é um marco. No entanto, é pouco, considerando a condição subalterna ainda imposta às mulheres. A presidenta Dilma Rousseff, quando determinou como prioridade a construção da autonomia das mulheres, considera que não há empoderamento sem autonomia econômica, política, social, pessoal e cultural. É condição para a construção de equidade entre homens e mulheres, especialmente no mundo do trabalho, em que as mulheres, embora tenham mais tempo de estudo, recebem cerca de 30% menos que os homens, estando nas mesmas funções. É necessário que as mulheres tenham equidade de acesso e ascensão no mundo do trabalho, que tenham autonomia política e possam atuar nos espaços de poder e decisão. São políticas que fazem parte da estratégia de construção da autonomia das mulheres e, especialmente, das mulheres mais pobres. A presidenta Dilma afirmou que não vai descansar até atingir a meta de tirar 16 milhões de pessoas da miséria, dessas a maioria é formada por mulheres, entre elas negras e índias.
ABr – Na sua opinião, o que falta à mulher na garantia de seus direitos?
Eleonora Menicucci – Autonomia em todos os sentidos e respeito aos seus direitos já assegurados. E isso envolve o compromisso entre todos os entes federados, a sociedade, os movimentos feministas e de mulheres, a academia, os movimentos culturais e políticos para não só fazer com que as leis sejam cumpridas, mas garantir que as mulheres tenham condições de se desenvolver com plenitude. Sobretudo, mudar a cultura patriarcal, machista e sexista que ainda impera. Portanto, temos ainda um caminho longo, mas sem retrocessos, uma vez que as mulheres e a sociedade como um todo já não aceitam mais ter os direitos diminuídos.
ABr – Quais serão suas prioridades na gestão dos programas da Secretaria de Políticas para as Mulheres?
Eleonora Menicucci – As prioridades da secretaria estarão em sintonia com as prioridades de governo da presidenta Dilma Rousseff, entre elas a construção da autonomia das mulheres, a ampliação e o fortalecimento da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e a intensificação das transversalidades das políticas públicas para as mulheres, para que elas se enraízem em todos os municípios onde a concretude da vida das mulheres ocorre. São pautas do governo da presidenta Dilma e que foram debatidas e aprovadas também na 3ª Conferência das Mulheres, realizada em dezembro passado.
ABr – O Dia da Mulher é comemorado em 8 de março. O que comemorar e o que reivindicar nessa data? Qual será o foco do governo nas comemorações?
Eleonora Menicucci – As mulheres têm a comemorar no dia 8 de março as conquistas obtidas ao longo dos anos, como resultado de suas lutas históricas: desde o direito de voto, avanço na conquista de espaços de poder e de decisão política (embora ainda tímidos), até a comprovação de sua capacidade e desempenho no mercado de trabalho, o acesso a programas públicos de atendimento à saúde integral da mulher e, uma das mais importantes vitórias, conquistada recentemente, a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, pelo Supremo Tribunal Federal. O STF também declarou que a denúncia de agressão pode ser feita por qualquer pessoa, e não apenas pela vítima. Tudo isso, sem falar na inserção das mulheres nos campos de conhecimento historicamente destinados aos homens. Ainda existe um longo caminho a percorrer para a conquista da igualdade entre homens e mulheres na sociedade. E as reivindicações são muitas, como a igualdade de gênero no mercado de trabalho, que se traduz também em salários iguais, a superação de todas as formas de discriminação e exclusão social que afetam as mulheres, a educação não sexista, não lesbofóbica, não racista, o fim de todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres, o respeito à diversidade religiosa e de orientação sexual. O foco do governo nas comemorações de 8 de março será o desenvolvimento sustentável e a autonomia das mulheres rumo à Rio+20.
Edição: Graça Adjuto e Talita Cavalcante