A Marcha da Consciência Negra chegou à 13ª edição neste domingo (20), em São Paulo, em um cenário completamente diferente de quando surgiu.
Enquanto na primeira, o Brasil era o país da esperança por mais igualdade e mais direitos, neste 20 de novembro a marcha teve o papel de cerrar os punhos contra o avanço do conservadorismo, do racismo e do ataque a direitos históricos, especialmente da classe trabalhadora.
Em um domingo de muito sol, milhares de pessoas tomaram a Avenida Paulista para mostrar, porém, que a resistência segue pelos setores identificados como alvos pelo governo golpista de Michel Temer (PMDB), conforme destacou a diretora Executiva da CUT Nacional, Rosana Fernandes.
“Nossos votos foram roubados e estamos aqui mais uma vez na luta pela democracia e pelos direitos dos negras e negros no Brasil. Queremos construir uma sociedade onde todos possam viver de forma digna e construir suas vidas de forma unificada. O momento é de reflexão e luta para manter direitos neste país”, apontou.
Da mesma maneira, a secretária de Combate ao Racismo da CUT-SP, Rosana Aparecida da Silva, ressaltou a resistência do povo negro no mundo do trabalho. “Temos muito que avançar nesta luta pela igualdade de direitos, contra a PEC 55 e a terceirização. E aqui empunhamos nossa bandeira contra o racismo, a homofobia e a violência que vitima milhares todos os anos”, afirmou a dirigente enquanto seguia em caminhada pelas ruas da capital.
Com atividades desde às 11h, a marcha saiu em caminhada pela Av. Paulista, às 16h, descendo a Rua da Consolação, passando pela Rua Xavier de Toledo e encerrando, às 19h10, nas escadarias do Teatro Municipal, local onde foi lançado, em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU).
Houve um breve momento de tensão com a interferência de grupos de direita que agendaram ato para o mesmo horário e local como forma de provocação. Mas a luta dos movimentos ligados às frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo prevaleceu.
Coordenador da Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras), Flávio Jorge, ressaltou que a luta contra a desigualdade, mote central da Marcha da Consciência Negra, não pode ser desvinculada do momento político do país.
“A população negra é 53% do país, são 190 milhões de brasileiros e a maioria entre os pobres, os principais atingidos por esse desmonte que está acontecendo no Brasil”, destacou.
Como a luta não se faz sem mística e cultura, houve congada e capoeira de Angola. E um palco armado na Paulista recebeu poetas negros e com deficiência para declamar poesias que falavam sobre racismo e o papel de coadjuvante que ainda ocupam.
Em outro espaço, com vestidos de noiva, negras carregavam cartazes em que apontavam o dedo para o padrão de beleza imposto do cabelo liso e do nariz fino, que rebaixa a auto-estima de milhares de jovens ao redor do mundo.
Contra a violência e o golpe
Ainda sobre o momento atual, o militante da Agenda Preta, Júnior Rocha, lembrou que os movimentos também protestavam contra a política de extermínio de jovens que a Polícia Militar pratica em São Paulo.
“Hoje estamos aqui na Paulista para denunciar o genocídio da juventude negra. Estamos juntos para barrar a violência policial e construir uma democracia, que ainda não chegou à comunidade negra e estamos lutando para que isso aconteça”, falou, lembrando que os cinco jovens assassinados por um Guarda Municipal em São Paulo é apenas uma mostra dos que acontece nos bairros distantes do centro.
Para o coordenador da Uneafro, Douglas Belchior, esse momento de convulsão social e disputa ideológica também abre janela de oportunidades para que o movimento negro se organize.
“Somos o maior alvo deste momento de retrocesso e percebemos isso, por um lado, com a retirada de direitos, e, pelo outro, pelo recrudescimento da violência contra nosso povo. Todos os dias temos chacinas, temos mortes pelas mãos da polícia, um braço armado que existe para nos matar e negar direitos. Hoje é mais um dia de pensar sobre isso e agir a partir dessa realidade”, disse.
Como outras lideranças, Júnior também apontou a necessidade de defender o que avançou até hoje no Brasil na luta pela igualdade.
“Estamos aqui para dizer não ao golpe e defender a manutenção das políticas de cotas e outras medidas de inclusão que deram oportunidade aos negros de concorrer em pé de igualdade.”
Liderança da zona leste da cidade de São Paulo e delegada estadual e municipal de políticas para as mulheres, Valquíria Torres Magalhães Rocha, acredita que vencer o golpe é vencer o racismo e o machismo.
“Em pleno século 21, nenhuma mulher merece ser violentada e espancada e não podemos aceitar o golpe, uma forma de escravidão. Todos os avanços que conseguimos em relação à mulher negra, vamos perder, se deixarmos o golpe prevalecer”, alertou.