Já no primeiro turno do PED constatávamos um fato impressionante na disputa pela nova direção do PT. Todos se propunham a mudar. Prova de que muita coisa vai mal no interior do partido. Mas, como em vários outros momentos de desgaste de uma maioria, a mudança é uma palavra-chave que esconde vários conteúdos. É preciso entender, pela comparação entre a prática partidária das forças internas representadas com as palavras dos textos, de que mudança se trata em cada caso. Pois sempre é possível que, depois de um processo eleitoral, os vitoriosos não façam mudança alguma, ou mudem para pior.
A alternativa da Mensagem continuará presente e ativa
Nós da Mensagem ao Partido nos propusemos a fazer mudanças no PT, que expressam nossas profundas convicções e nosso esforço para traduzi-las em nossa prática política. Por todo o Brasil, milhares de companheiros e companheiras foram à luta por estas idéias, defendendo generosamente suas convicções coletivas e socialistas, secundarizando perspectivas pessoais imediatas ou futuras.
A Mensagem ao Partido veio construindo uma convergência de forças internas do PT em torno de um programa de esquerda para superação da crise. É um processo ainda em curso e em ampliação. Crescemos bastante desde o lançamento da Mensagem, em Salvador, no mês de fevereiro de 2007.
Apresentamos ao 3º Congresso um programa atual de democratização do poder na sociedade brasileira e de construção de um outro Estado, que reconhece as transformações já iniciadas pelo governo Lula e que destaca a necessidade de serem aprofundadas para avançar na transição ao socialismo. O centro deste programa é a revolução democrática e a sua agenda (reforma política com constituinte exclusiva, sistema nacional de democracia participativa, democratização dos meios de comunicação de massa).
Este programa que apresentamos se vincula à retomada da identidade e da militância socialista do PT (através da crítica do processo de concentração do partido nas atividades, carreiras e cargos institucionais do Estado, que favorecem o surgimento de problemas éticos e que vai transformando a democracia interna num rito cada vez mais vazio de conteúdo ideológico). Este programa se vincula também à necessidade de uma coalizão de forças de esquerda (reconhecendo problemas comuns aos nossos vicejando nelas), e à perspectiva de construção de uma cultura socialista de massas no Brasil.
Nos apresentamos com chapa nacional ao PED e com uma plataforma de 13 pontos que resumiu as tarefas mais prementes desta fase da vida do PT. Seguimos à risca todas as regras definidas pela direção nacional para o PED, inclusive aquela que proibia o financiamento da campanha interna por pessoas jurídicas ou por pessoas físicas não filiadas ao PT. Não vinculamos a busca de apoios ao nosso candidato a presidente ou à nossa chapa a compromissos com candidaturas em 2008 ou 2010, muito menos com compromissos de financiar campanhas eleitorais. O nosso candidato a presidente, o companheiro José Eduardo Cardozo, nos representou de forma digna, combativa, qualificada e altiva. Deu-nos um exemplo de desprendimento e de dedicação.
Elegemos 14 dos 81 membros da nova Direção Nacional, centenas de outros nas direções estaduais e municipais. José Eduardo teve 57.694 mil votos entre os filiados que compareceram ao PED. Por pequena diferença não estamos no segundo turno para presidente nacional do partido. Agora, nos postos que conquistamos e em nossa atividade de militantes petistas, vamos continuar batalhando por estas idéias e práticas que defendemos.
No interior do partido vamos insistir na necessidade de mecanismos para que as decisões partidárias voltem a ser fruto de amplo debate, revitalizem os organismos de base e instrumentos coletivos, voltem a fazer do debate político ferramentas de formação socialista e de compreensão da realidade. Vamos continuar combatendo a crescente cultura eleitoreira no partido, sustentada por um exército de cabos eleitorais remunerados, que vai penetrando também as eleições internas e as prévias. Vamos resgatar a sustentação do partido na força de centenas de milhares de militantes convictos. Por isso, levaremos avante a luta por uma reforma política no país, mas também por uma reforma política interna que garanta a vitória nas disputas pela força das idéias e das lideranças, e não pelo controle dos aparelhos do partido, pelos aparatos parlamentares, pelo poder econômico, pelas promessas de favores, de financiamento de campanhas ou de atividades políticas, pela interferência dos governos na vida partidária, pelo voto de arrastão de filiados em massa. Rechaçamos esta lógica que introduz de fora para dentro do nosso partido elementos da política tradicional, historicamente recusados pelo PT, e que vão transformando o partido numa máquina eleitoral cada vez mais dependente do clientelismo, do dinheiro, e portanto, cada vez mais sujeito à corrupção. Pressionaremos para a imediata redação e aprovação de um Código de Ética no PT, e de mecanismos que façam valer suas normas na prática partidária e nos cargos públicos, para que elas não sejam letras mortas desrespeitadas. Lutaremos por um novo sistema de financiamento do partido, mais modesto, porém conforme com seus objetivos históricos.
Temos várias outras tarefas pela frente às quais nos dedicaremos: a defesa do governo Lula e do aprofundamento da transição para um modelo pós-neoliberal, um amplo movimento nacional pela reforma política, um sistema nacional de democracia participativa, a preparação do PT para expressivas vitórias nas próximas eleições municipais de 2008 e para a batalha de 2010, o reencontro ativo com os movimentos sociais, com a juventude, com as lutas agrárias e urbanas, com as lutas de mulheres, negros e outros setores discriminados, com a preservação da natureza, com a intelectualidade de esquerda, e a construção de um novo e criativo sistema de comunicação que passe por cima do atual monopólio da grande mídia.
As alternativas que foram ao segundo turno nacional
As duas candidaturas à presidência do PT que passaram ao segundo turno representam, em graus diferenciados, resistência e oposição a este programa de esquerda de superação da crise do PT, em boa parte expresso nas resoluções do 3º Congresso.
A candidatura Berzoini é sustentada por forças políticas que programaticamente vão se diferenciando, perdendo a homogeneidade que durante bom tempo caracterizou o antigo campo majoritário, que dirigiu o partido por mais de dez anos. A evolução dos acontecimentos mostrou que, enquanto principal força dirigente do PT, ela não conseguiu conduzir o partido para a realização simultânea de todos os aspectos que constituem sua essência: um partido de lutas políticas, sociais, culturais, ideológicas, simultaneamente a um partido exitoso em disputas eleitorais; uma forte presença da militância mobilizada, do debate de idéias e dos organismos de base ativos, convivendo com uma direção eficiente; um partido autônomo em relação a um governo muito mais amplo do que ele, e, ao mesmo tempo, seu principal suporte político. Este fracasso que acompanhou o período em que dirigiu o sucesso eleitoral do PT, além de estar no coração da crise do partido, está no centro da crise da corrente que hoje se chama Construindo um Novo Brasil.
O modelo do antigo campo majoritário de dirigir o PT se sustentou num tripé: transformação da estrutura partidária em máquina eleitoral; poder nas mãos de um pequeno grupo dirigente, garantido por uma maioria coesa em torno do principal objetivo estratégico – a conquista e o exercício da presidência da República; subordinação do partido ao governo, onde membros do pequeno grupo dirigente constituíam o núcleo central. Este modelo entrou em decadência na crise de 2005, com a falta de respostas claras para superação dos impasses, com o desaparecimento de sua antiga coesão, com o afastamento ou a apatia partidária de muitas de suas lideranças expressivas, com o seu enfraquecimento no núcleo central do governo.
A candidatura à reeleição de Berzoini veio suportada por forças que mais resistem a uma lógica de renovação política do PT. Foi uma reação conservadora a propostas renovadoras que começaram a surgir entre lideranças no interior da própria corrente, expressas pela candidatura abortada de Marco Aurélio Garcia à presidência. As lideranças minoritárias com mais afinidade com um programa de esquerda para o PT submeteram-se a uma unidade de sentido inercial sob o comando de uma maioria que resiste e se opõe a mudanças.
A candidatura de Jilmar Tatto surgiu sustentada por forças políticas heterogêneas. Bem menos conhecida no país do que a de Berzoini por sua inserção quase exclusivamente paulista, cresceu pelo apoio da corrente Movimento PT organizada principalmente em torno de parlamentares nos estados.
A candidatura de Tatto navega num discurso de oposição. Porém, a história do candidato e do núcleo das duas principais correntes paulistas que o sustentam, não é diferente do caminho que trilhou o antigo campo majoritário. Tanto que alguns quadros importantes se apressaram, após a proclamação dos resultados do primeiro turno, em propor a reconstituição daquele campo pela junção de Berzoini com Tatto.
O núcleo originário da candidatura Tatto trabalha com um forte pragmatismo eleitoral em torno de carreiras, de líderes e de grupos de interesse, num momento de horizonte estratégico baixo para o partido. Lançou mão intensamente da substituição de militantes por cabos eleitorais pagos (o mais emblemático dos exemplos se manifestou nas eleições paulistanas de 2004, quando milhares dos chamados “moranguinhos” foram contratados para fazer campanha no dia-a-dia no lugar da militância). Sua política adota e defende a filiação em massa no partido, e assim foi se fortalecendo nas eleições internas (onde pratica o transporte massivo dos filiados). Quando maioria e direção na cidade de São Paulo também centralizou o partido na mão de algumas pessoas e deixou de estimular os organismos de base , com o notório enfraquecimento dos diretórios zonais. Quando faziam parte do núcleo duro do governo Marta Suplicy na cidade de São Paulo, o partido não tinha autonomia, ao contrário, nele predominava a intensa força do governo, que levou estes agrupamentos a terem sólida maioria no diretório municipal. Nas relações com os outros partidos praticava então uma política de alianças amplíssima, chegando até a Paulo Maluf, como aconteceu no segundo turno das eleições de 2004 em São Paulo.
Seu núcleo originário e ativo pode ser caracterizado como de franca oposição a um programa de esquerda: defesa de programas econômicos neoliberais, resistência à proposta de reforma política, defesa de alianças amplíssimas, pragmatismo acentuado em detrimento da identidade socialista, construção de relações de clientela em prejuízo de um perfil militante socialista, incorporação de um padrão problemático em relação à ética pública.
Hoje, o núcleo desta candidatura, e o próprio candidato, representam as posições mais retrógradas e à direita do PT.
Seu poder de atração sobre outros setores que se apresentaram com programas de esquerda no primeiro turno do PED só pode se explicar pelo contra ao que está aí. Não será a primeira vez em que, nos processos políticos, a ilusão de mudança perturba a vista dos que querem mudança.
A posição da Mensagem diante das alternativas Berzoini e Tatto
A avaliação que temos do significado das candidaturas Berzoini e Tatto expressa os motivos de termos adotado a candidatura de José Eduardo Cardozo.
Não somos partidários simplesmente da mudança de dirigentes, pela simples mudança. Muito menos seremos partidários de substituições que aprofundem os elementos causadores de nossa crise, que ameaça transformar o PT num partido eleitoral dominado pela lógica fundada em carreiras individuais. Como a candidatura de Jilmar Tatto se nos afigura como uma mudança para pior, não temos razão para apoiá-la, por seu falso apelo oposicionista.
A candidatura Berzoini representa a tentativa de dar continuidade ao modelo partidário implementado pelo antigo campo majoritário, modelo esse que permitiu que se desenvolvesse um ambiente de perda de vitalidade ideológica e política e abriu espaço para alternativas, como a representada por Jilmar Tatto, que não só consideram “normal” como se, vencedoras, aprofundariam todos os aspectos negativos que vemos na prática do partido sob o comando do antigo campo majoritário.
Assim sendo, embora reconhecendo que, nenhuma das alternativas presentes no 2º turno representa a mudança necessária que propugnamos para o PT, a Mensagem, com base nesta análise, convoca a militância a participar ativamente do processo de 2º turno no PED, em todos os níveis, votando de acordo com a sua consciência no que entender como melhor para o PT. Essa posição da Mensagem reforça a necessidade de continuar organizando e fortalecendo um movimento de opinião permanente, amplo e plural para a defesa de um perfil democrático, socialista, ético e militante para o PT combinado com a defesa de um programa da revolução democrática.
Reafirmamos, como centralidade de nossos esforços nas novas direções partidárias e na nossa militância, a luta por um programa de esquerda para avançar na revolução democrática em curso e na superação da crise do PT, dispostos a nos somar com todos aqueles que, como nós, tiveram ou desenvolveram uma visão crítica sobre os processos vividos e renovaram as energias para refletir no cotidiano os objetivos estratégicos de nosso partido.
Plenária nacional da Mensagem ao Partido.
São Paulo, 8 de dezembro de 2007.