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Petrobras na encruzilhada entre o curto e o longo prazo | Euzébio Jorge Silveira de Sousa e Rafael Rodrigues da Costa

Análise de dividendos e investimentos, impactos ambientais e impactos econômicos da Petrobras.

Rio de Janeiro – Edifício sede da Petrobras no Centro do Rio. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Este texto aborda a questão, ancorado em três aspectos cruciais: análise de dividendos e investimentos; impactos ambientais da atividade da empresa; e impactos econômicos.

OS DIVIDENDOS PAGOS REFERENTES AO EXERCÍCIO DE 2023 FORAM ADEQUADOS?

O primeiro ponto a ser abordado refere-se ao questionamento da legitimidade do valor distribuído aos acionistas em relação às operações de 2023, considerando o descontentamento do mercado financeiro e a expressiva queda nas ações da Petrobras entre 8 e 11 de março de 2024. As manchetes dos jornais, ao anunciarem queda do lucro líquido da Petrobras de 33,8% em relação ao exercício anterior, acabam por ofuscar o fato de que o lucro de 2023 foi o segundo maior já registrado pela companhia.

Ademais, a redução do lucro líquido deveu-se à queda do preço do petróleo no último ano, não a uma redução na atividade da empresa. Em 2023, a Petrobras bateu recorde na produção total própria no pré-sal, registrando um aumento de 10% em relação a 2022. Além disso, os investimentos em Exploração & Produção cresceram 47,9%, enquanto aqueles em Refino, Transporte e Comercialização aumentaram 30,6% no mesmo período.

É imprescindível observar que, a partir de 2021, a Petrobras passou a adotar uma política de distribuição de dividendos substancialmente diferente de seu histórico e até mesmo das práticas do setor em todo o mundo. Basta observar que os dividendos distribuídos em 2021 superam a soma do que foi pago aos acionistas entre 2010 e 2020. Outra forma de perceber a mudança nas políticas de distribuição de lucros é examinar a relação entre os dividendos pagos e o investimento líquido da empresa. Essa informação é relevante para identificar o horizonte estratégico da atuação da companhia, já que investimentos mais expressivos no presente indicam maiores lucros e produção futura.

A despeito dessa realidade, durante os governos Temer e Bolsonaro, foi inaugurada a “política de retorno máximo ao acionista”, como afirmou o ex-presidente da companhia, Roberto Castello Branco, em sua posse em janeiro de 2019. Desde então, a Petrobras passou a adotar uma política de distribuição de dividendos substancialmente diferente de seu histórico e das práticas do setor em todo o mundo. Ao privilegiar a distribuição de dividendos para os acionistas, Temer e Bolsonaro acabaram por optar por uma estratégia que comprometia os investimentos líquidos da companhia no longo prazo.

Até 2020, a proporção entre os dividendos pagos sobre os investimentos líquidos nunca havia ultrapassado os 27%. Em 2021, essa razão aumentou para 829,94%, indicando predomínio de uma estratégia de curto prazo, que levou a empresa a ampliar os pagamentos aos acionistas e reduzir os investimentos. Esse comportamento foi reproduzido em 2022, quando a razão foi de 778,17%. Em 2023, a razão dividendos/investimentos diminuiu, mas permaneceu excessivamente elevada (232,63%).

Tabela 1 – Dividendos Pagos & Investimento Líquido da Petrobrás, em Bilhões US$

Ao comparar as políticas de distribuição de dividendos com outras empresas do setor, é possível identificar a discrepância da política de remuneração dos acionistas praticada pela Petrobras. Enquanto grandes empresas petrolíferas mundiais, como Exxon Mobil, Shell, Total, BP e Chevron, pagaram dividendos em 2023 que não ultrapassaram 80% do investimento líquido, a Petrobras distribuiu dividendos correspondentes a 233% do investimento líquido, em um momento em que a empresa registra um dos maiores lucros líquidos de sua história. A Petrobras pagou em 2023 dividendos não apenas generosos, mas superiores aos sustentáveis para um setor com tantos desafios.

É inegável que o governo brasileiro detém a maior fatia de ações individuais da companhia, com uma participação de 28,67% no total. Ao considerar outros órgãos estatais, essa participação governamental alcança 36,61%. No entanto, ao analisar a composição global do quadro acionário, os investidores estrangeiros atualmente possuem a maior porção do capital social da empresa, com 47,51%, em comparação com os 14,96% detidos por investidores brasileiros. Essa distribuição sugere que um aumento na distribuição de lucros pode reduzir os impactos positivos do crescimento da empresa na economia nacional.

Tabela 2 – Resultados consolidados da Petrobras e grandes petrolíferas de 2023, em Bilhões US$

Tabela 3 – Principais Indicadores Petrobrás – 2022 e 2023

Fonte: Petrobras.[3]

Tabela 4 – Investimentos Petrobras

FONTE: PETROBRAS[4].

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E ECOLÓGICA E O PAPEL DA PETROBRAS

Uma das razões para a redução do lucro da Petrobras entre 2022 e 2023 foi a queda nos preços do petróleo, o que impactou negativamente o valor das ações da empresa e o potencial de lucro a ser distribuído. Entretanto, é crucial considerar os impactos sociais, ambientais e econômicos globais associados a essa redução nos preços do petróleo. Ambientalmente, a diminuição desses preços desestimula a expansão da produção de combustíveis fósseis, pois torna inviáveis produções em instalações com custos mais elevados. Ao mesmo tempo, a diminuição nos preços dos combustíveis fósseis dificulta a consolidação de bases energéticas menos intensivas em carbono. Portanto, é de suma importância que empresas de economias mistas em setores estratégicos, como a Petrobras, também assumam a responsabilidade de cumprir seu papel na descarbonização do planeta.

A Petrobras tem a capacidade de produzir mais de 3,6 milhões de barris de petróleo e 157,99 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. Essa produção desempenha um papel determinante no desenvolvimento econômico, na geração de empregos e renda e no equilíbrio de nossa balança de pagamentos. No entanto, contribui para o aquecimento global, além de serem ganhos assentados em recursos finitos. Assim, mesmo que seja mais lucrativo no curto prazo para a Petrobras ampliar investimentos em combustíveis fósseis, a empresa deve utilizar seu potencial inovador, suas cadeias produtivas e seu capital para transitar para outras fontes energéticas, garantindo sua existência a longo prazo e contribuindo para uma economia de baixo carbono.

Comprometida com sua função social, a Petrobras assumiu compromissos com a sustentabilidade e o desenvolvimento de combustíveis mais limpos, impulsionando a produção e a eficiência em diversas áreas. A empresa anunciou que as plataformas P-32 e P-33 serão submetidas a um processo de reciclagem alinhado às melhores práticas de ASG (Ambiental, Social e Governança). Isso significa que a empresa está preocupada com o ciclo de vida completo de seus ativos, buscando minimizar o impacto ambiental e social de sua desativação. A Petrobras está expandindo as vendas de diesel R, um tipo de diesel renovável que contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a companhia está conduzindo um novo teste de bunker + bio, um combustível marítimo mais sustentável. Recentemente, ela lançou o asfalto Cap Pro W, um asfalto com menor emissão de gases de efeito estufa. Todas essas iniciativas evidenciam o compromisso da Petrobras em tornar-se uma empresa mais sustentável e responsável.

É evidente que haverá pressões advindas de seu caráter e empresa de capital misto e, a depender do desfecho das disputas entre grupos de interesses, a empresa será mais ou menos capaz de honrar integralmente os compromissos ambientais assumidos. Além das pressões internas, também há que se destacar o substantivo espaço que a empresa ocupa na economia nacional, em setor estratégico para o desenvolvimento.

A PETROBRAS E A DINÂMICA ECONÔMICA

Outro elemento de grande relevância sobre a estratégia de atuação da Petrobras são os impactos econômicos derivados de seus investimentos diretos e indiretos, receita tributária e estabilidade de preços. O efeito multiplicador dos investimentos diretos e indiretos da Petrobras desempenha um papel crucial na economia brasileira. Ativam extensa cadeia e abrangem pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura.

Só em 2023, a receita de vendas da Petrobras foi de R$ 511,9 bilhões, o que equivale a 4,7% do PIB do Brasil no ano. Segundo a LCA Consultores, para cada R$ 1 investido pela Petrobras, R$ 3 são adicionados à economia, o que reforça a importância da elevação dos investimentos da Petrobras em 2023, somando R$ 12,6 bilhões, cifra 28,7% maior que a realizada em 2022. Mesmo com o crescimento, a empresa continua com níveis de investimentos substancialmente inferiores aos verificados antes da Lava Jato e inferiores aos desafios de desenvolvimento sustentável almejados pelo país.

As extensas cadeias produtivas associadas aos investimentos da Petrobras constituem um componente vital para o fortalecimento da economia. A empresa frequentemente trabalha em parceria com fornecedores e empreiteiras locais, gerando impactos indiretos que se propagam por diferentes setores. A empresa envolve em suas operações mais de 2 mil fornecedores, entre os quais mais de 80% são pequenas e médias empresas. Em 2022, o contrato com fornecedores movimentou R$ 239 bilhões, empregando mais de 100 mil trabalhadores. Isso reforça o impacto da Petrobras nos mais distintos agentes envolvidos na cadeia produtiva de petróleo e gás. Essa colaboração não apenas promove o crescimento de pequenas e médias empresas, mas também favorece o desenvolvimento regional, atenuando disparidades socioeconômicas e promovendo uma distribuição mais equitativa dos benefícios econômicos.

Os investimentos da companhia não se limitam à criação de empregos e estímulo à produção. Eles também têm impactos econômicos significativos, influenciando positivamente a arrecadação de impostos e tributos. Em 2023, a Petrobras pagou R$ 240,2 bilhões em tributos, configurando-se como uma das principais contribuintes para a receita do país. Também desempenha um papel vital no financiamento de políticas públicas, infraestrutura e serviços essenciais, promovendo um ambiente econômico mais robusto e sustentável. Assim, é possível constatar que os tributos pagos pela empresa, ainda que impactem o potencial de lucro a ser distribuído aos acionistas, contribuem para o desenvolvimento nacional, tanto na geração de emprego e renda como no financiamento de políticas públicas.

A contribuição da empresa para o desenvolvimento econômico e social sustentável não pode ser negligenciada, uma vez que a empresa prospecta, processa e comercializa um recurso finito, que deve deixar um legado positivo para as gerações futuras. Isso, sem falar no fato de que se trata de um setor com elevadas barreiras à entrada, baixa concorrência e que comercializa um bem essencial para o funcionamento da economia. Se não for adequadamente regulado e tributado, produzirá distorções que penalizam o desenvolvimento do país e seu povo.

No âmbito dos preços de combustíveis, a Petrobras exerce influência direta na estabilidade econômica. A empresa, como líder do setor de petróleo e gás, toma decisões sobre a precificação de combustíveis que impactam toda a economia. Ao buscar um equilíbrio entre a viabilidade financeira da empresa e preços justos para os consumidores, contribui para a estabilidade dos preços no mercado interno. O preço dos combustíveis tem implicações diretas nos índices de inflação e impactam a produção e comercialização de todos os bens. Ao adotar medidas que consideram a manutenção de preços justos e previsíveis, a empresa contribui para a estabilidade macroeconômica, promovendo um ambiente mais favorável para investimentos, estabilidade dos preços e crescimento sustentável do país.

Em síntese, os investimentos diretos e indiretos da Petrobras não só impulsionam a economia brasileira, mas também têm profundos impactos na estabilidade de preços, arrecadação tributária, desenvolvimento regional e controle da inflação. Não é surpreendente que alguns acionistas da empresa, incluindo fundos de investimento, corretoras de valores e outros agentes do mercado financeiro, no Brasil e no exterior, busquem aumentar a parcela dos lucros distribuídos na forma de dividendos, defendendo pragmaticamente seus próprios interesses privados.

Entretanto, é crucial evitar que essa perspectiva individual se sobreponha aos interesses nacionais de curto e longo prazo. Transformar a empresa em simples geradora de dividendos para um seleto e reduzido grupo de acionistas não pode ter precedência sobre questões fundamentais, como o nível de atividade econômica do país, a estabilidade dos preços, os índices de emprego e renda, a capacidade de arrecadação tributária e realização de políticas públicas redistributivas, além da habilidade de mitigar disparidades regionais. Além disso, a promoção de mudanças na matriz energética para uma economia com baixas emissões de carbono e o fomento ao desenvolvimento sustentável devem ser prioritários. Portanto, é essencial que o rumo da Petrobras seja debatido amplamente por toda a sociedade brasileira.

Euzébio Jorge Silveira de Sousa é professor de Economia na FESPSP e Strong Business School, pós-doutorando na UFRGS e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp.

Rafael Rodrigues da Costa é coordenador executivo da Cátedra Celso Furtado – FESPSP, pesquisador visitante na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Via Le Monde diplomatique Brasil,

[1] COUTINHO, Felipe. Direção da Petrobrás mantém investimentos baixos e dividendos insustentavelmente altos em 2023. Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), 8 mar. 2024.

[2] COUTINHO, Felipe. Direção da Petrobrás mantém investimentos baixos e dividendos insustentavelmente altos em 2023. Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), 8 mar. 2024.

[3] PETROBRAS. Desempenho financeiro da Petrobras no 4T23. Rio de Janeiro, 07 de março de 2024. Disponível em: https://www.investidorpetrobras.com.br.

[4] PETROBRAS. Desempenho financeiro da Petrobras no 4T23. Rio de Janeiro, 7 mar. 2024. Disponível em: https://www.investidorpetrobras.com.br.

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