O município de Pintadas, no semi-árido baiano, tem se tornado referência de luta e engajamento social. Não é por menos. A experiência de parceria da Prefeitura com o movimento social organizado, por meio da Rede Pintadas, mudou a dinâmica política da cidade, e já deu à prefeita Neusa Cadore dois prêmios nacionais. Nessa entrevista, ela descreve o cerco político por parte do governo do estado, fala do envolvimento efetivo da população no debate das prioridades para o município e explica a política de cisternas, usada para resolver a questão do abastecimento.
Pintadas tece sua história na Bahia
Entrevista Neusa Cadore
Por Daniella Rocha
Pintadas está encravada na região do semi-árido, na Bahia, possui apenas 19 anos de emancipação, mas uma história de luta e engajamento social que se tornou referência para o estado. O município pobre e boicotado pelo governo da Bahia buscou mecanismos para sobreviver social e economicamente, costurando uma rede de solidariedade que se estende para além do Brasil. À frente da prefeitura há oito anos, a petista Neusa Cadore, 49 anos, já recebeu dois prêmios nacionais pelo trabalho de parceria que realiza junto ao movimento social organizado. Nesta entrevista, Neusa conta como Pintadas conseguiu superar os desafios e enfrentar o carlismo, e a missão de Valcyr Rios, candidato do PT, em dar continuidade à política participativa e cidadã que existe no município.
A escassez de água é um dos maiores problemas do semi-árido e por isso usada como moeda de troca nas eleições. Como a administração conseguiu superar esse modelo clientelista e como está o abastecimento hoje no município?
Em 97, assim que assumimos a prefeitura, iniciamos um processo de discussão com a população com o objetivo de levantar as prioridades. Na zona rural, fizemos sete assembléias e o abastecimento de água foi colocado como a ação mais importante a ser desenvolvida. A política adotada foi a construção de cisternas domiciliares para água de beber e a perfuração de poços artesianos com água para uso doméstico e animal. Uma cisterna custa cerca de R$ 1 mil e Pintadas tem 1.500 famílias morando na zona rural. Mesmo com a dificuldade de recursos, o governo municipal buscou diversas parcerias com Itália, França, Bélgica e Áustria, além de ONGs nacionais e de convênios com o governo federal.
Assim, Pintadas, até dezembro deste ano, terá 100% das casas com cisternas, além de 10 poços já instalados. Ter alcançado esta situação é muito importante, primeiro porque foi a prioridade escolhida por unanimidade em todas as assembléias; segundo porque ter acesso à água é sinônimo de autonomia e liberdade frente ao clientelismo eleitoreiro que é prática comum das oligarquias locais.
A cidade sofre um cerco político grande do grupo liderado por ACM. Em que medida isso prejudica a gestão?
O governo do estado sustenta a oposição em Pintadas, liberando recursos que não são fiscalizados e ignorando nossos pleitos e demandas. Aliás, nós tivemos dificuldades tanto na esfera estadual como na federal. Só agora com o presidente Lula é que Pintadas está podendo celebrar convênios.
E como está sendo a relação com este governo?
Ele abriu novas perspectivas, principalmente nas áreas de infra-estrutura e desenvolvimento econômico. Neste ano, Pintadas está recebendo mais de R$ 600 mil para eletrificação rural. Convênios com o Ministério do Desenvolvimento Agrário estão trazendo implementos importantes para o desenvolvimento da agricultura familiar. São mais de R$ 2 milhões quando se somam todos os convênios. É uma outra história. Nos primeiros quatros anos, recebemos apenas R$ 400.000 do governo FHC.
Como a gestão conseguiu garantir a participação popular na definição das prioridades em um município sem recursos para investimento?
Pintadas tem uma população que criou vários instrumentos de luta, que resistiu e aprendeu a acreditar em si mesma, estimulada pela sua história e por suas conquistas. Eleger um manda to popular foi uma decisão contra um modelo de fazer política longe do povo e de seus anseios. Governar com participação é uma conseqüência lógica deste progresso. Como o orçamento municipal é enxuto e as verbas são carimbadas, com percentuais próprios para saúde e educação, no nosso caso não sobram recursos para investimentos. Assim, não realizamos o orçamento participativo, mas discutimos com a população as prioridades, e o governo municipal, juntamente com as 11 entidades da Rede Pintadas, se empenha na captação de recursos.
O PT parte para sua terceira eleição no município. Dá para falar que Pintadas consolidou um modo petista de governar?
Sim, o resultado desta terceira eleição deve consolidar o novo jeito de fazer política que vem se construindo no município. Renovar pela terceira vez um mandato petista será um acontecimento com impacto muito forte em toda nossa região e em toda a Bahia. Vamos provar que estamos derrotando o carlismo, que o povo está reconhecendo e defendendo um projeto de governo que ACM contra-ataca, mas não consegue dominar. Olhamos esta eleição com otimismo e sem baixar a guarda. O desafio maior para Valcyr e para o PT é continuar fortalecendo essa nossa nova cultura política, ampliando os espaços de participação.
A administração mantém um índice de aprovação popular de 70%. O que foi feito nesses oito anos de governo para garantir este percentual?
Recebemos um município endividado, com a máquina desorganizada. No segundo ano, as matrículas escolares aumentaram em 100% porque garantimos abertura de vagas, transporte escolar e construção de 32 salas de aula. Aos profissionais da educação foram oferecidas capacitação e formação permanente, e isso mudou os indicadores. Evasão e repetência, que em 1996 chegaram a 55%, foram reduzidas a 19%, ainda no nosso primeiro mandato. Na área da saúde, passamos a garantir plantão 24 horas no Hospital Municipal, que foi reequipado. Hoje já temos equipes do Programa Saúde da Família e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde cobrindo 100% do município. Na área de saneamento, foi construída rede de esgoto para mais de 500 famílias.
Todas estas realizações são importantes, mas o mais importante é o novo jeito de fazer política através da participação popular, em assembléias, conferências municipais e congresso popular.