“Estupro não é sobre psicopatia, nem sobre sexualidade, é sobre poder e dominação.”
No dia 11 de julho deste ano, fomos surpreendidos com a noticia de um médico anestesista flagrado estuprando uma paciente durante seu parto, em um hospital na região metropolitana do Rio de Janeiro. Horas depois circula mais uma matéria com outro médico, suspeito de estupro contra pacientes, desta vez na cidade de Hidrolândia, no interior do Ceará. Uma mulher em trabalho de parto e uma no puerpério.
Casos como esses nos estarrecem, nos choca e muitas vezes nos deixam sem chão, mas a pior parte é saber que eles não são casos isolados. Eles são parte da reprodução das violências que nós mulheres sofremos cotidianamente e que muitas vezes ficam guardadas no mais íntimo de nós, como feridas que nunca saram e sempre sangram.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que no ano passado uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas, uma menina ou mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos, considerando apenas os casos que chegaram até as autoridades policiais. O número total de estupros de vítimas do gênero feminino no país em 2021 foi de 56.098.
Nessas horas eu me pergunto, por que a violação dos nossos corpos não causam comoção? Por que seguimos naturalizando tantas violências? Onde estão todos aqueles fervorosos cristãos que defendem a vida que não se juntam a nós nesse momento? Que não se levantam em defesa da vida dessas mulheres?
Não há comoção porque a violação dos nossos corpos é parte integrante desse sistema. Angela Davis ao falar sobre o estupro e a questão racial aponta que “na verdade, parece que homens da classe capitalista e seus parceiros de classe média são imunes aos processos judiciais porque cometem suas agressões sexuais com a mesma autoridade incontestada que legitima suas agressões diárias contra o trabalho e a dignidade de trabalhadoras e trabalhadores e assim homens da classe trabalhadora, seja qual for sua etnia, são motivados a estuprar pela crença de que sua masculinidade lhes concede o privilégio de dominar as mulheres.”.
Ou seja, estupro não é sobre psicopatia, nem sobre sexualidade, é sobre poder e dominação. Precisamos romper com as estruturas de poder que sustentam essa sociedade desigual, que naturaliza a violação dos nossos corpos. Precisamos romper com o machismo, o racismo, a lgbtfobia e o capitalismo.
Para concluir quero deixar uma passagem da Audre Lorde, do texto “Os usos da raiva”: “Toda mulher tem um arsenal de raiva bem abastecido que pode ser muito bem útil contra as opressões, pessoais e institucionais, que são a origem dessa raiva. Usada com precisão, ela pode se tornar uma poderosa fonte de energia a serviço do progresso e da mudança. E quando falo de mudança não me refiro a uma troca simples de papéis ou a uma redução temporária de tensões, nem a habilidades de sorrir ou se sentir bem. Estou falando de uma alteração radical na base dos pressupostos sobre os quais nossas vidas são construídas.”
Que a gente sinta raiva de todas essas violências e que essa raiva seja capaz de nos mobilizar para construir um movimento massivo, que ocupe as ruas, as redes, as florestas e as águas. Esse é um convite a todas vocês a construírem o movimento feminista, como proposta de transformação radical dessa sociedade e das nossas vidas!
Mariana Lacerda é Cientista Social e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Edição: Camila Garcia
via Brasil de Fato