Seguramente todos que leem este texto acompanharam, nos últimos dias, a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Esta reflexão, porém, não é sobre ele, mas, antes disso, sobre seu adversário, o presidente sainte Donald Trump.
Na noite de anteontem (5/11), as pessoas que acompanhavam pela TV o resultado das apurações estadunidenses assistiram a uma cena inusual, pelo menos aqui no Brasil. O pronunciamento nacional do presidente dos Estados Unidos, candidato à reeleição, foi interrompido por várias emissoras (NBC, MSBC, ABC e CBS), porque começou a difundir barbaridades contra os fatos, a atentar contra a democracia do país, mentindo sobre supostas fraudes no processo eleitoral, com o objetivo descarado de criar um clima de convulsão social via apelo direcionado aos seus embrutecidos apoiadores, acostumados ao tumulto.
Muito interessante o episódio, porque aqui pelo Brasil há os que estufam o peito para dizer que a liberdade de expressão é um direito intocável, absoluto, o direito de todos os direitos, segundo alguns, normalmente citando-se os EUA como paradigma de proteção.
Pois bem! Nos Estados Unidos, o direito à liberdade de expressão é um bem sem dúvida alguma tutelado de modo reforçado. Porém, quando ele é utilizado para trapacear a coletividade, sabotar as bases democráticas necessárias a existência da própria liberdade de expressão, ele é tolhido. Foi o que aconteceu na noite da última quinta. Cortaram sumariamente a palavra do todo poderoso presidente do país, porque ele irrompeu contra a ideia de que as liberdades fundamentais são absolutas enquanto sistema, não individualmente. Ele usou sua palavra para atacar a democracia norte-americana, por consequência, a sociedade norte-americana, aproveitando-se da regra da liberdade de expressão para difundir a mentira e o ódio. Para isso, as emissoras de TV sequer esperaram endosso judicial, por si só, interromperam o mandatário candidato, desmoralizando-o publicamente perante seus concidadãos e o mundo inteiro.
A verdade é que em qualquer país minimamente decente o direito à liberdade de expressão jamais será interpretado como licença absoluta para proferir a estupidez, “freedom of speech is not a license to be stupid”, como é comum dizer nos Estados Unidos.
Ótima lição para os incautos brasileiros, sendo relevante recordar que, há quinze dias, o ministro das relações exteriores do país realizou discurso para turma de formandos do Itamaraty, sob olhar de aprovação do presidente, em que, no conjunto de impróprios articulados, manifestou: “Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano, por exemplo, os Presidentes Bolsonaro e Trump foram praticamente os únicos a falar em liberdade. Naquela organização que teria sido, que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu. Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”. Fundamental que o chanceler entendesse o sentido que se dá à palavra liberdade nos Estados Unidos, talvez não se orgulhasse das opções que levaram o Brasil a ser um pária internacional.