Há um ano Lula foi preso.
Estive em São Bernardo naquele sábado, escutei o discurso histórico de Lula junto a milhares de pessoas perplexas pela expectativa da ausência física de Lula, pela impossibilidade de vê-lo em seu habitat natural: a rua, o sindicato, o carro de som, o palanque em que desde as greves do ABC no final dos anos 1970 seu gênio orienta os caminhos da ação política e das transformações possíveis em um país tão duramente desigual e conservador como o nosso.
Lula foi preso por uma decisão política.
A Operação Lava Jato constituída em 2014 – se teve em sua origem uma investigação a princípio insuspeita sobre lavagem de dinheiro e corrupção nos contratos da Petrobras – passou rapidamente a ser uma ação persecutória baseada no desrespeito aos preceitos constitucionais de garantia das liberdades e dos direitos civis.
Vimos vazamentos de informações sigilosas, utilização de prisões e conduções coercitivas para a formulação de acordos de delação premiada. Vimos conluio com setores da mídia em julgamentos sumários, em clara violação do princípio da presunção de inocência.
Vimos delatores – empresários e políticos – deixarem a prisão ao dizerem aquilo que os procuradores e juízes queriam ouvir. Vimos a espetacularização das ações policiais reforçarem o clima de justiçamento e o linchamento público de pessoas inocentes.
Vimos as manipulações de Moro e dos procuradores em diversas ocasiões ao longo destes anos. Talvez a mais evidente tenha sido a de deslocar de São Paulo para Curitiba o foro do julgamento de Lula no caso do triplex no Guarujá e do sítio de Atibaia, com a justificativa de que eles se relacionavam à investigação da Lava Jato na Petrobras. Moro manteve assim o poder de decisão sobre Lula. Depois, teve que reconhecer em sua sentença que essa ligação nunca se mostrou. Sim, o atual ministro da Justiça.
Como consequência Moro teve que condenar Lula por “ato de ofício indeterminado”, ou seja, sem que pudesse comprovar ligação entre a suposta corrupção passiva que beneficiaria a OAS e o recebimento do triplex em troca. Triplex este que, aliás, nunca foi utilizado por Lula ou sua família.
A prisão de Lula é juridicamente insustentável. E só se mantém porque um setor do Judiciário e do Ministério Público deixou de cumprir sua missão constitucional e passou a atuar politicamente na sociedade e no Estado brasileiro.
Lula teria direito a uma revisão justa de sua pena, não fosse Lula quem é.
A prisão de Lula poderia ser transformada em prisão domiciliar, não fosse Lula quem é.
Lula teria tido direito a velar seu irmão, não fosse Lula quem é.
Lula não teria sido constrangido (e sua família) com inédito esquema de segurança e impedimento de manifestações ao povo que foi vê-lo no velório de seu neto, não fosse Lula quem é.
Lula poderia dar entrevistas à mídia do mundo todo, não fosse Lula quem é.
Lula poderia ter concorrido às eleições e se tornado novamente presidente da República, em um governo democrático que não entregaria o patrimônio e a previdência pública ao mercado, não seria subserviente aos Estados Unidos ou a qualquer país do mundo, não vilipendiaria os direitos dos trabalhadores e dos mais pobres. Um governo que se centrasse em resolver os problemas da educação do país, sem perder-se em uma ridícula cruzada anti-comunista em pleno século XXI.
Mesmo se perdesse as eleições, Lula poderia estar correndo o país todo a nos ajudar a encontrar saídas para nossa crise que parece sem fim.
Por tudo isso, Lula é um preso político. E por isso toda pessoa democrata que se preze precisa se engajar na campanha por sua liberdade.
Wagner Romão é professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp e atual presidente da Associação de Docentes da Unicamp – ADunicamp.
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