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Por uma economia a serviço da vida

O mundo capitalista vem colocando, ao longo dos anos, a economia como um elemento intocável. Quase como um deus. Ela chega ao extremo de ser elevada a um patamar inalcançável onde todas as pessoas precisam se submeter aos seus fundamentos e valores. Até a própria política se torna, nesse contexto, submissa e refém dos conceitos e princípios econômicos neoliberais. Quem ousa mudar, politicamente, as diretrizes econômicas e monetárias de um país capitalista moderno?

Robson Leite

Pode-se até mudar os governos ou algo sutil na condução política dos mesmos, mas os dirigentes das políticas econômicas e os paradigmas advindos de suas gestões nos países capitalistas – como os presidentes e diretores dos Bancos Centrais – ficam, infelizmente, acima até dos Chefes de Estado e de suas diretrizes e estratégias governamentais.

Durante a crise mundial ocorrida no final de 2008, muitos foram os “socorros econômicos” – alguns bilhões de dólares – enviados aos bancos e às organizações financeiras “globais” com a desculpa de evitar uma “quebradeira generalizada do modelo econômico mundial vigente”. Segundo a ONU, durante o curto período que vai do final de 2008 ao início do segundo semestre de 2009 os bancos ganharam muito mais dinheiro do que todas as nações pobres do mundo em 50 anos. Um verdadeiro escândalo se olharmos para as metas do milênio que objetivam acabar com a fome e a miséria do mundo e o quanto de recursos financeiros que necessitamos para essa finalidade. Será que esse é o caminho de justiça e solidariedade que queremos deixar para as próximas gerações do nosso planeta?

Há muitos países no mundo onde crianças morrem pela falta de saneamento básico e outros onde as pessoas precisam viajar mais de 200 km para ter acesso a hospitais e médicos. Também existem países no mundo – inclusive no dito “primeiro mundo” – onde quem não tem dinheiro para pagar assistência médica de saúde simplesmente morre sem atendimento. Segundo as palavras dos seus próprios governantes, “é a lei do mercado”. Nesses lugares, a economia está, de maneira triste e lamentável, hierarquicamente acima da política e, conseqüentemente, da vida.

A economia dessas regiões baseia-se no fortalecimento dos interesses individuais e de uma falsa ética utilitária. O interesse individual, nesse contexto, constitui-se como elemento fundamental, pois sustenta o consumo e destrói todo e qualquer mecanismo que possa atrapalhar ou impedir a lógica do mercado. Sindicatos e associações de empregados, nessa ótica infeliz e cruel, são desarticulados e desmotivados a se organizar. Qual o empregado que, preocupado com sua “carreira do mundo capitalista”, se sujeitaria a participar ativamente de um sindicato ou associação de funcionários? A ética utilitária também é outra forma de sustentar e fortalecer esse modelo, pois o “direito de consumir” se confunde equivocadamente e propositalmente como “algo essencial à vida” nesse tipo de sociedade. Esse conceito fortalece, e muito, a estrutura consumista que destrói e mata pessoas em todo o mundo. Quem nunca foi tentado a comprar o que não precisa, muitas vezes com o dinheiro que não tem? O ter, nesse aspecto, se sobrepõe ao “ser-humano”, pois o consumismo desenfreado beneficia apenas alguns poucos gerando concentração de renda, pobreza e miséria.

Precisamos também lembrar que a pobreza não é uma fatalidade ou um fruto do acaso. Ela é conseqüência deste modelo perverso que visa concentrar a renda e os bens nas mãos de poucos e que busca, incansavelmente, impedir a conscientização da grande maioria das pessoas – que normalmente ficam com a menor parte das riquezas produzidas nesses países – sobre os seus males e as formas de combatê-la. É por isso que a Educação e os investimentos no fortalecimento das redes sociais de proteção aos pobres, por exemplo, não tem prioridade nos orçamentos públicos dos países ditos “capitalistas modernos”. A prioridade será sempre, segundo os princípios do “capitalismo neoliberal”, o pagamento dos juros das dívidas públicas através dos perversos superávits fiscais primários.

O Profeta Isaías disse sete séculos antes de Cristo que “a paz é fruto da justiça”. O erro da humanidade moderna foi manter essa afirmação dentro de um âmbito religioso quando, na verdade, se tratava de uma grande diretriz estratégica que deveria orientar todos os governos do mundo. Não há construção de uma paz verdadeira sem que ela seja edificada nos pilares da justiça. E essa justiça precisa encontrar referência em uma política econômica a serviço da dignidade da pessoa humana através da partilha e da solidariedade.

Precisamos fortalecer, cada vez mais, os movimentos que busquem a coletivização dos sonhos, como os sindicatos, as associações, os movimentos de bairros e os movimentos sociais. Há grupos, inclusive, que vivem uma nova experiência econômica baseada na produção de cooperativas auto-gestionadas onde todos partilham igualmente as riquezas produzidas sem a figura do “dono” ou do “patrão que fica com a maior parte”. São os grupos de “economia solidária”. Neles, a política jamais se submeterá à economia, pois ela – a economia – é meio de promoção da dignidade humana e não um “fim em si mesma”. Por isso que esses grupos de economia solidária precisam ser valorizados e respeitados principalmente no que tange as políticas públicas que priorizem as relações econômicas e sociais entre eles.

Esse é o desafio que temos. Está na hora de caminharmos rumo a um novo mundo possível. As pistas para as ações são essas que acabamos de refletir. Precisamos, sobretudo, de coragem para encarar esse novo e importante desafio. Dessa forma conseguiremos, finalmente, vislumbrar um novo horizonte de justiça e solidariedade para um novo tempo e uma nova história em nossa sociedade.

(*) Robson Leite é professor universitário, petroleiro, educador popular e escritor.

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