Há um par de semanas, Chris Hughes, fundador do Facebook e um dos estudantes de Harvard que se lançou na aventura com Zuckerberg, publicou no New York Times um apelo para o desmantelamento da empresa. É um novo Leviatã, escreve ele, que controla mais de 80% de todas as redes sociais e se torna um perigo para o mundo. No mesmo sentido, Elizabeth Warren, candidata nas primárias para a escolha presidencial dos democratas, propôs dividir a empresa e foi nisso apoiada por um dos seus adversários mais extremistas, o republicano Ted Cruz. Segundo a sua proposta, o Facebook seria separado do Instagram, WhatsApp e Messenger, que passariam a ser empresas concorrentes. O mesmo deveria acontecer com a Google e a Amazon, segundo ela. O ponto positivo é que há algumas razões fortes para o fazer e nos Estados Unidos existem precedentes legais para essa divisão. O negativo é que só lá é que esta decisão pode ser tomada.
A tradição legal anti-monopólio
A primeira grande batalha legal contra os monopólios foi conduzida por um deputado republicano, John Sherman. Dizia ele na Câmara de Representantes que “se não aceitamos um rei como centro do poder político, não devemos aceitar um rei na produção, transporte e venda de qualquer das necessidades da vida. Se não nos submetemos a um imperador, não nos submeteremos a um autocrata do comércio com o poder de impedir a concorrência e fixar o preço de qualquer mercadoria”. A lei que propôs em 1890, conhecida como a Lei Sherman, foi a base para a decisão judicial de 1911 de desmantelamento da Standard Oil, o monopólio da indústria petrolífera criado por Rockefeller quarenta anos antes. A Standard detinha em 1904 90% produção e 85% das vendas dos produtos petrolíferos e o Supremo Tribunal considerou que se tratava de um perigo para a concorrência, impondo a sua divisão em 34 empresas (algumas delas reunificaram-se décadas mais tarde, na ExxonMobil e Chevron).
Em 1982, a ATT, que detinha o controlo da rede de comunicações telefónicas no país, aceitou a sua divisão, passando a limitar-se a chamadas de longa distância e autonomizando as empresas que geriam a comunicação local. Outros processos posteriores, contra a IBM e contra a Microsoft, foram mais difíceis, mas conduziram à imposição de regras que limitaram os poderes de monopólio.
O Leviatã Facebook
O Facebook, bem como outras formas de associação em redes sociais, nasceu de uma inovação tecnológica explorando potencialidades da internet e gerou um efeito de avalanche que torna a rede o lugar privilegiado de comunicação. A sua densidade acaba por impô-la como um substituto de outros modos de relacionamento social, com efeitos porventura ainda pouco identificados quanto à alteração dos comportamentos humanos. Mas o que é certo é que as redes sociais constituem um universo paralelo, que domina a atenção e conforma o modo de vida de muitas pessoas. Para uma percentagem crescente da população, a rede social elimina o recurso a outras formas de informação e constitui uma referência permanente de distração e de ocupação. A vida mudou mesmo. O virtual passou a ser a realidade. O controlo das redes sociais é por isso um imenso poder de mercado e de influência.
O caso da Cambridge Analytica, a empresa que utilizou ilegalmente 90 milhões de perfis do Facebook para tipificar mensagens eleitorais em diversas campanhas, só veio ilustrar a vulnerabilidade deste mundo novo. Como se provou, o rasto de informações que o utilizador vai deixando na rede social é instrumentalizável não só para definir um perfil de consumo, mas também para registar as preocupações, as teias de contactos e os ritmos da vida de cada qual. Quanto mais gente envolve e quanto mais iterações gera, maior a capacidade do Facebook de controlar este mundo. Apesar de a empresa ter aceite em 2011 um compromisso que a impedia de comunicar dados pessoais dos utilizadores sem a sua autorização, este caso demonstrou que nada limitava o seu abuso de poder dominante.
E só faltava uma moeda Facebook
O alerta é tanto mais justificado quanto o Facebook se prepara para lançar uma moeda digital, que se poderá chamar Libra ou FBCoin. Hoje, já há formas de envio de pagamentos, como no Messenger, mas que dependem de um cartão associado a conta bancária, mas Zuckerberg quer outra coisa, criar a sua própria moeda digital. Esta ideia de privatizar a emissão monetária e dar a empresas o controlo de sistemas de pagamentos tem crescido (a Signal e o Telegram também têm uma moeda digital) mas agora é a maior rede do mundo que quer este poder. É tempo de parar Zuckerberg.
Francisco Louçã é dirigente do Bloco de Esquerda de Portugal, artigo publicado originalmente na página do Facebook do autor