Democracia Socialista

Porto Alegre: nenhuma derrota é definitiva

Perspectivas políticas a partir da derrota eleitoral.

Após 16 anos de experiência exitosa da Administração Popular, a oposição venceu a eleição no segundo turno em Porto Alegre. Conseguiu ganhar sem apresentar seu próprio projeto, mas falando em continuidade das políticas públicas praticadas no nosso governo, como o Orçamento Participativo, os programas sociais (creches, família cidadã, programas sócio-educativos), transporte público, grandes obras (Projeto Entrada da Cidade, Sócio-ambiental), Programa Saúde da Família. Até a defesa do FSM foi incorporada no seu “programa de governo”.

 

Não fomos derrotados, portanto, por um projeto que se confrontava de maneira frontal com o governo, e sim por um que reconhecia a qualidade do que fizemos.

 

Antipetismo

Esse transformismo político assumiu o tema da mudança, incorporando o preconceito e a discriminação contra o PT construído nos últimos anos pela campanha ferrenha e sistemática da grande mídia. Esta política de dupla face – o antipetismo combinado com a manobra transformista – permitiu à direita neoliberal ocultar seu caráter autoritário, apropriar-se do “argumento democrático” traduzido no lema da alternância no governo e escamotear seu projeto político, conseguindo assim hegemonizar parcelas do eleitorado, particularmente setores médios que em outras oportunidades estiveram conosco.

 

A questão estadual

A disputa sobre o significado e a herança do governo Olívio/Rossetto constituiu-se em tema de grande relevância. A versão, repetida à exaustão pela mídia burguesa, de que o legado da Frente Popular no governo do Rio Grande do Sul foi uma situação de caos e descontrole serviu para construir uma sólida blindagem ao governo Rigotto, justificando para largos setores da população a inação e as políticas anti-populares do atual governo, bem como protegendo-o das críticas da oposição popular.

 

O governo Rigotto e o bloco que o sustenta garantiram pesado apoio ao candidato da oposição. As políticas de renúncia fiscal, que tanto afetam as contas do Estado, atingiram também Porto Alegre. Da mesma forma, o baixo crescimento do país na última década diminuiu ou tornou estagnadas as receitas públicas diante de uma forte pressão de aumento dos gastos. A queda das transferências, principalmente do ICMS, levou ao comprometimento da política salarial dos servidores, que durante 14 anos tiveram reajuste bimestral de salário, com repercussões eleitorais negativas.

 

O desgaste das várias reorganizações administrativas ocorridas na administração municipal, com visível perda de ritmo e continuidade nas Secretarias, e o tema da renúncia de Tarso Genro em 2002 reapareceram com força novamente e foram explorados, mais uma vez, pelos adversários.

 

A questão nacional

Lula ganhou em Porto Alegre todas as eleições que disputou para presidente, e é natural que se construísse uma grande expectativa com o nosso governo federal. Ainda que explicássemos que o ritmo de mudanças tenha sido limitado pela herança deixada por FHC e que as vitórias do PT, inclusive em Porto Alegre, iriam contribuir para acelerar essas mudanças, pesaram em vários setores próximos ao PT situações de conflito e de pouca mobilização. Isso se deu em particular no setor sindical público e se estendeu para camadas médias assalariadas.

 

A disputa realizada em Porto Alegre evidenciou que para enfrentar essa situação não basta um balanço positivo de nossas realizações nos governos. É preciso mais: um vigoroso projeto de transformação e de esperança, um projeto de futuro, que recupere nossas melhores tradições e que atualize nossa proposta de mudança do Brasil.

 

Apontamos criticamente uma perda de identidade partidária justamente nesse ponto crucial. Isso tem a ver com a nossa experiência regional, mas sobretudo com a experiência maior que estamos realizando no plano nacional. Esse elemento nacional de balanço deve ser destacado e alvo de um esforço consciente do Partido para que possamos reconquistar hegemonia política e cultural na sociedade.

 

 

A questão das alianças

Outro elemento relevante no debate da avaliação eleitoral refere-se à política de alianças adotada. Nesta eleição, realizamos a ampliação possível. Conseguimos construir a Frente com  PCdoB, PCB, PMN, PTN, PL e PSL no primeiro turno.

 

A não participação do PSB ocorreu por posição partidária em ter chapa própria. Durante longo tempo, sinalizamos, publicamente e em reuniões com o PSB, nossa proposta de chapa comum na Frente Popular. No segundo turno, PSB e PSC também vieram conosco.

 

Uma política de alianças depende de uma identidade programática comum. Os partidos que conosco não compuseram já estão há dois anos no governo Rigotto. Exemplo disto é o PTB cujos compromissos com governo Rigotto bem como o antipetismo de suas bancadas na Câmara e na Assembléia Legislativa acabaram pesando mais que os laços com o Governo Lula, levando a que desistisse de ter candidatura própria na capital e indicasse o vice-prefeito na chapa do ex-senador.

 

A composição de uma aliança mais ampla, além da Frente Popular, era impossível pelas diferenças programáticas e a postura oposicionista ao governo municipal desses partidos.

 

Recuperando a história das disputas eleitorais na capital, é fácil perceber que nunca tivemos uma postura de isolamento na sociedade e na disputa política. Em 1996, aliados ao PCB, vencemos no primeiro turno. Em 2000, na eleição de Tarso Genro, contamos com a Frente Popular e o PSB no primeiro turno. O PDT dividiu-se no governo Olívio Dutra e, além dos que se mantiveram conosco, houve novas cisões no trabalhismo.

 

Identidade partidária

Este conjunto de fatores aponta para o tema crítico da identidade partidária que já assinalamos. Tanto por razões regionais, entre as quais se destaca a derrota de 2002 para o governo estadual na forma em que se deu e com grande impacto na cidade de Porto Alegre, como por razões nacionais, em que se destaca a limitação das mudanças desenvolvidas, podemos dizer que o nosso projeto de mudança democrática e popular vem sofrendo abalos e recuos. Temos de recuperar seu conteúdo democrático, republicano e socialista. Temos de recuperar nossa capacidade de realizar, mais do que grandes obras administrativas em favor dos pobres (o que, por certo continua fundamental), grandes mudanças políticas. E isso remete tanto ao plano regional como ao nacional.

 

É preciso (re)construir um projeto para o estado e para as nossas cidades, a partir do que já realizamos mas tendo em conta fundamentalmente as novas condições da disputa política. Não menos fundamental é a reflexão no plano nacional. Não podemos despolitizar nosso balanço e deixar de ver que a experiência política mais importante que está em curso é a do governo Lula. Nosso Partido tem estado aquém dessa experiência e com isso seu projeto de futuro, seu programa de mudança histórica para o Brasil e sua prática (e coerência) política vêm sofrendo reduções sucessivas.

 

É preciso retomar nossas reformas estruturais de caráter popular e democrático, construir políticas públicas significativas e que possam se converter em símbolos reais da mudança, revigorar nosso programa e nossa prática política. Isso significa retomar nossa capacidade de disputar a hegemonia política e cultural.