A partir de uma declaração do mais recente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, o debate sobre a política de drogas voltou à discussão no plano do Judiciário (1). Apesar de levantado recentemente pela legalização da venda e cultivo de maconha pelo Uruguai, a última vez que o tema esteve inserido no plano jurídico foi exatamente pela mesma Corte, quando foram consideradas constitucionais as marchas da maconha. Ocorre que sempre que o debate retorna à sociedade, logo é silenciado pelo conservadorismo e moralismo que não apenas se mantém contra a descriminalização do uso dos entorpecentes, como são contrários até a própria discussão. Isso é o que se considera a criminalização do debate.
Se o medo de uma possível derrota – com possibilidade de retrocesso – ao nosso campo nos inibe a impor alguns temas na pauta do dia, deve se entender que não discuti-los já é uma derrota completa. Criar tabus é uma das formas mais poderosas de se manter o “status quo”, de engessar as estruturas para impossibilitar qualquer avanço. A lógica não é muito difícil, basta entender que um tema que não pode ser discutido socialmente, criticado ou aplaudido, somente terá uma opinião fechada que deve ser reproduzida de geração a geração, sem qualquer alteração.
Tal prática perniciosa, por exemplo, é a responsável pela morte de milhares de mulheres todos os dias, pois além do aborto ser ilegal, discuti-lo é moralmente proibido, o que impossibilita pensar políticas públicas de atenção a essa situação. Não muito diferente é a política de drogas, tornar tabu o tema só serve para garantir desigualdade e preconceito racial.
Retornando ao Luís Barroso, este declarou o seguinte durante uma sessão do STF: “A minha constatação pior é que jovens, negros e pobres, entram nos presídios por possuírem quantidades não tão significativas de maconhas e saem de presídios escolados do crime”. Isso não ocorre por acaso. Com a proibição de venda e cultivo de drogas como a maconha, sua comercialização ilegal tem que se dar em locais que despertem pouca atenção do poder policial, obviamente não há nada melhor do que comunidades onde há pouca ou quase nenhuma existência do poder público. Locais no qual em sua maioria moram pobres e negros/as.
Os dados são alarmantes, segundo Timothy Ireland, representante da área educacional da Unesco no Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa escolaridade são 73,83% do total da população carcerária (2). Há que se trazer também os dados do Ministério da Justiça que revelam que os crimes contra o patrimônio (roubo, furto, etc) e tráfico de drogas representam quase 70% de todas as prisões (3). Os mesmos estudos revelam que houve aumento de 10% da população carcerária no último ano, o que significa o terceiro maior aumento no mundo, garantindo a quarta colocação para o Brasil em número de presidiários. Enquanto isso, na Suécia, uma política de aplicação de penas lenientes aos crimes associados a drogas fez com que quatro presídios fossem fechados por falta de presos, eis que a adoção de políticas para reabilitação se acompanhou a diminuição da ocorrência de outros crimes como roubo e furto (4).
Ocorre que a Lei 11.343/2006, a lei de entorpecentes, criminalizou infinitas condutas, tornando-a muito ampla e abarcando quase tudo que fosse possível, com o óbvio aumento de pena. Até mesmo ao usuário que tem privilégios legais, é passível de ser acusado pelo artigo referente ao tráfico. O que vai definir muitas vezes se o sujeito abordado vai ser enquadrado como usuário ou traficante não é propriamente a quantidade – também será -, mas sim o local onde foi encontrado e, provavelmente, a própria pessoa com sua escolaridade, roupas e a cor de sua pele. Disto posso falar das minhas experiências pessoas enquanto assessor de Desembargador lotado em Câmara Criminal.
Não se deve cair também no senso comum de que aumentar a pena diminuí a quantidade de crime. O primeiro dado a confirmar isso está exatamente acima, demonstrando como a população carceraria tem aumentado mesmo após o implemento da referida lei, segundo porque isso nunca foi observado na história brasileira (5). Inclusive os EUA nos ensinam muito bem quanto a esse pensamento. Mesmo após o surgimento do movimento Law and Order nos anos 90, que visava o aumento das penas e punições e teve muito sucesso em diversos estados, o que se observa no país norte-americano é a maior população carcerária do mundo. Com o aumento da privatização dos presídios, vê-se uma verdadeira fonte de riqueza em que os donos se associam com o legislativo para criar novos tipos penais e aumentar as punições, pois os presidiários são obrigados a trabalhar ao custo tão baixo, que se assemelha quase ao trabalho escravo (6).
Há muito mais para se discutir sobre o assunto, desde confirmar até a destruir sensos comuns. O mundo vem se permitindo experimentar outras atitudes em relação ao uso de drogas que devemos observar com toda atenção para se entender o que dá certo e o que não dá. Mas acima de tudo, não podemos esconder o debate e deixar que as pessoas não pensem no assunto, apenas repetindo o que ouviram ao longo de suas vidas, acreditando ser imoral questionar os ditos. O que precisamos é falar sobre isso!
* Thiago Sete é estudante de Direito da UFRJ.
(1) http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/12/no-stf-barroso-defende-debate-sobre-descriminalizacao-da-maconha.html
(2) http://www.pco.org.br/negros/negros-sao-maioria-nas-prisoes-brasileiras/zeoi,s.html
(3) https://www.facebook.com/photo.php?fbid=508234625891173&set=a.185632014818104.42156.185129231535049&type=1&theater
(4) http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/11/1370700-suecia-fecha-quatro-prisoes-porque-populacao-carceraria-despenca.shtml
(5) http://www.portaleducacao.com.br/direito/artigos/43845/sancoes-mais-duras-reduzem-a-taxa-de-criminalidade
(6) http://revistaforum.com.br/blog/2013/12/sonho-americano-conheca-10-fatos-chocantes-sobre-os-eua/