Ser livre em 1968 é participar.
Escrito num muro da faculdade de medicina. Paris, maio de 1968.
Na década de sessenta se observa um período de revolução dos esquemas de pensamento no mundo. Principalmente no que se refere à população jovem, protagonista em todos os conflitos que se geraram nestes anos. Também no calor dos processos de descolonização, na Revolução Cubana, na Guerra da Argélia e, sobretudo, na Guerra do Vietnã os elementos mobilizadores e formadores de uma nova militância de esquerda.
AMON COSTA
Uma das principais causas para as novas inquietudes juvenis foram os movimentos de contracultura, nos quais encontraram um espaço de expressão e convivência os jovens de um âmbito mais artístico, da música, poesia, artes plásticas e de um estilo de vida oposto ao do consumismo. A flexibilização de costumes e a ruptura com tradições mudaram valores rapidamente, especialmente nas relações sexuais e nas relações de gênero.
Em termos gerais um novo horizonte questionava as linhas ideológicas do progresso, dando lugar a uma série de dúvidas e questionamentos de caráter filosófico e existencialista. A década de sessenta se observa como um período de revolução dos esquemas de pensamento no mundo. Principalmente no que se refere a população jovem, protagonista em todos os conflitos que se geraram nestes anos.
No mundo, as principais lutas e manifestações foram organizadas por estudantes, seguidas por trabalhadores e outros setores da sociedade. Os estudantes reivindicavam inicialmente o controle de seus cursos na universidade, das matérias estudadas, dos métodos de ensino e nos procedimentos das universidades em sua totalidade. Os estudantes não visavam um simples reformismo das estruturas acadêmicas, mas sim acreditavam na construção de outra universidade.
O ano de 68 foi especial por diversos aspectos, um dos anos mais importantes historicamente no século XX. Mesmo o mundo ainda não se encontrando globalizado, em 1968, algo de especial aconteceu para que França, Estados Unidos, México, Brasil, Uruguai, Japão, Itália, Espanha, Inglaterra e Alemanha vivessem situações muito parecidas. O sentimento de rebeldia ocorreu no mundo inteiro, ao redor de questões distintas e teve em comum o desejo de rebelarem-se, uma sensação de alienação sob qualquer forma. Nos países onde havia comunismo, rebelou-se contra o comunismo, onde imperava o capitalismo, voltou-se contra ele. A arma natural da revolta de 1968 não era o fuzil ou a resolução política, mas o muro pichado, o cartaz improvisado e o microfone.
Vários foram os motivos históricos que forjaram o ano de 1968, um dos grandes exemplos foram os movimentos pelos diretos civis nos Estados Unidos, constituindo-se em novas e originais manifestações de resistência e militância, outro exemplo é a guerra do Vietnã. Esta guerra não foi a única do mundo bi-polar, mas desta vez, era travada por uma nação com um poder global sem precedentes. No auge da luta asiática, as forças militares americanas matavam toda semana o mesmo número de pessoas que morreram no 11 de setembro de 2001.
O mundo começava a ganhar dinamismo comunicativo, a televisão reduzia cada vez mais a distancia e aguçava o poder imaginativo das pessoas, estudantes de Columbia em Nova York, e estudantes de Paris descobrindo, a distancia, dando-se conta que suas experiências eram semelhantes, as táticas em Praga pareciam com Paris, que inspirava a Cidade do México, que se espelhava em Nova York. Com novos instrumentos, com os satélites de comunicação o mundo assistia os acontecimentos importantes e distantes uns dos outros no mesmo dia.
E em Porto Alegre não era diferente, uma das cidades historicamente revoltosa e contestadora, ainda mais com o decreto 228 da Ditadura Militar que caiu como uma bomba social. O decreto acabava com as eleições diretas para entidades estudantis e impedia que os estudantes universitários se organizassem de forma mais aberta. Toda direção do DCE da UFRGS, por exemplo, foi afastada e foram indicados interventores para administrar o Diretório. No mesmo mês houve a primeira eleição para o DCE-LIVRE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constituindo uma entidade estudantil completamente autônoma das estruturas que estavam sob intervenção. Nesta eleição constituiu-se na universidade uma frente ampla que reunia todas as correntes de esquerda que atuavam no movimento estudantil. “(…) a gente manteve o voto direto como a forma de manter as nossas entidades, garantir que a democracia no DCE existisse, mas também para fazer a disputa de denúncia para sociedade, que a ditadura não convivia nem com eleições de estudantes.” (Raul Pont- Presidente DCE- Livre da UFRGS em 1968. Em entrevista-Porto Alegre Maio de 2006).
Nos 68 de barricadas nas ruas de Paris, de estudante assassinado no Rio de Janeiro, de passeata cem mil pessoas, da Faculdade de Filosofia da UFRGS em Porto Alegre ocupada por mais de mil estudantes, todos de alguma de alguma maneira, mais ou menos intensa, formavam uma grande onda de transformação que atingiu corações e mentes. Mesmo com seus limites e fraquezas, mesmo com derrotas na França, de De Gaulle e no Brasil calado da sexta-feira 13 de Costa e Silva e seu AI-5, uma geração foi atingida, seus efeitos e conseqüências são sentidos, percebidos e sonhados até hoje.
Amon Costa, é Professor de História e militante da Democracia Socialista no Rio Grande do Sul