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Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio?

1029651Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio? (1)

Por Elaine D’Avila Coelho e Marilane Oliveira Teixeira * 

Desde que surgiram as leis de proteção ao trabalho, institucionalizadas quando o Brasil passou a adotar um modelo econômico industrial, a partir da década de 1930, supúnhamos que algumas relações estivessem abolidas do mundo do trabalho, por mais que houvesse avanços e recuos, como é a história da humanidade.

Na verdade, a exploração do homem pelo homem foi abolida desde a Revolução Francesa, em 1848, quando a França baixou o Decreto que dizia, no art. 2º:

Considerando que a exploração dos operários pelos subempreiteiros operários ditos marchandeurs, é essencialmente injusta, vexatória e contrária ao princípio da fraternidade, o Governo Provisório da França decreta: a exploração dos operários pelos subempreiteiros ou marchandeurs é abolida. 

Por mais que alguns setores da sociedade defendam que a regulamentação da terceirização é necessária para “proteger” os empregados que se submetem a tais condições, na prática, da forma que se apresenta, caso aprovado o Projeto de Lei 4330 em discussão no Congresso Nacional, representará um retrocesso nas relações de trabalho, tornando lícito o que é ilícito, viabilizando, portanto, a mais completa reforma da legislação trabalhista, muito mais profunda do que aquela que propunha a alteração do art. 618, da CLT, de forma a permitir que o negociado prevalecesse sobre o legislado e que, graças às mobilizações sindicais e sociais, foi retirada da pauta do Congresso Nacional.

Nosso propósito, neste artigo, é pontuar as questões que fazem da terceirização e do projeto que está em discussão um retrocesso do ponto de vista trabalhista e dos direitos fundamentais dos trabalhadores, consagrados pela Constituição Brasileira, estabelecendo, portanto, uma relação de comércio com a mão de obra e “coisificando” os trabalhadores.

O grande jurista, Evaristo de Moraes, já ensinava que

[…] os abusos do intermediário entre a oferta e a procura são, em matéria de trabalho, mais nocivos que em qualquer outra parte, porque o seu benefício afeta uma renda de caráter alimentar: o salário. Eis porque o operário os persegue com seu ódio […]. 

“[…] a maior queixa contra o marchandage vem precisamente disto: o lucro do intermediário nada mais é do que uma retirada antecipada sobre o salário […]”. 

1) Antecedentes 

1.1) As Primeiras Referências Legais sobre o Trabalho Terceirizado

 

As primeiras leis regulando a terceirização em algumas atividades específicas datam da década de 1960.

A CLT, de 1943, não tratou da terceirização, o que pode ser justificado pelo contexto econômico da época, caracterizado pela incipiente industrialização.

Salvo algumas poucas hipóteses, não se tem notícias sobre a existência de qualquer legislação específica ou jurisprudência desta época regulando o trabalho terceirizado, já que toda a construção jurídica estava voltada para a relação direta entre empregado-empregador, através do clássico conceito de trabalho subordinado, regulamentado nos artigos 2º e 3º, da CLT.

Somente no fim da década de 1960 é que surgiu uma referência normativa da terceirização, época em que já era utilizada nas atividades de limpeza, conservação e de vigilância. A primeira delas surgiu com os Decretos-Leis nºs 1.212 e 1.216 de 1966, que permitiram a contratação de serviço de vigilância bancária através de empresa prestadora de serviços.

Na Administração Pública, também, foram criadas as condições para a contratação de mão de obra para exercer atividades executivas ou de apoio, através de empresa interposta, mediante a regulamentação da descentralização das atividades da Administração Federal, através do Decreto-Lei nº 100/67. A justificativa para a edição do referido Decreto foi a seguinte: para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material das tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, a execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Em 22 de maio de 1968, foi aprovado o Decreto nº 62.756, que regulamentava o funcionamento das agências de intermediação de mão de obra. No ano seguinte, foi aprovado o Decreto-Lei nº 1.034, de 21 de outubro de 1969, que permitia às instituições bancárias, caixas econômicas e cooperativas de crédito contratar empresas especializadas em serviço de vigilância, através da prestação de serviços permanentes. O referido Decreto estipulava os critérios e as condições em que tal prestação de serviços poderia ocorrer.

Posteriormente, foi aprovada a lei nº 5.645, de 1970, que trouxe o rol exemplificativo das atividades que poderiam ser objeto de contrato de execução indireta com a Administração, contendo as seguintes atividades: transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas. Referidas atividades eram todas de apoio, relacionadas as atividades-meio da Administração, embora essa terminologia ainda não estivesse difundida nesta época.

Devido ao forte crescimento da locação da mão de obra no Brasil, surgiu em 1974, a primeira regulamentação da figura jurídica assemelhada a terceirização, com a aprovação da lei nº 6.019/74, sobre o trabalho temporário. Pela primeira vez a relação de trabalho entre empregado-empregador ganhava contornos de uma relação trilateral, com a inclusão da empresa fornecedora da mão de obra, sem que fosse específica de uma determinada atividade, embora em caráter transitório e segundo determinados critérios legais.

De fato, a lei nº 6.019, em seu preâmbulo, já determinava que o trabalho temporário “é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo de serviços”. Obrigava que a empresa fornecedora fosse registrada no Ministério do Trabalho, onde deveria apresentar um rol de informações e documentos sobre a sua existência, determinava a forma escrita para o contrato entre a empresa tomadora e a fornecedora, no qual deveria constar os motivos da demanda temporária e as modalidades de remuneração pelo serviço. Fixava ainda o prazo de 90 dias para a duração do contrato, com a possibilidade de prorrogação por mais 90 dias pelo Ministério do Trabalho. Sobre os direitos dos trabalhadores contratados a lei estabeleceu que haveria direito a “remuneração equivalente” a dos empregados da tomadora, expressão que levou a entendimentos de que seriam os mesmos direitos e benefícios, devido a abrangência jurídica do conceito de “remuneração”. Esta modalidade de trabalho temporário, cuja regulação permanece até os dias atuais, é a única que permite que a pessoalidade e a subordinação direta sejam exercidas perante o tomador do serviço, o que não ocorre nos demais casos em que a terceirização, em tese, seria permitida.

Posteriormente, em 1983, foi aprovada a lei nº 7.102/83, sobre o trabalho de vigilância bancária, sendo a primeira legislação que autorizou a terceirização em caráter permanente, embora inicialmente, apenas para a categoria profissional dos vigilantes bancários. Tal restrição foi excluída com a lei nº 8.863/94, que ampliou o âmbito de sua aplicação para empresas de vigilância patrimonial, não apenas bancária, mas de quaisquer instituições, públicas ou privadas, inclusive de pessoa física e, também, de transporte de cargas.

Nos anos posteriores não encontramos registro de novas legislações, embora a terceirização, cada vez mais, tenha sido adotada pelas empresas privadas durante os anos de 1980 e 1990, especialmente no setor bancário, nos serviços de vigilância, limpeza, conservação e digitação. Em função desta generalização do fenômeno da terceirização no mercado de trabalho, os Tribunais Trabalhistas começaram a emitir decisões, gerando as Súmulas das jurisprudências, sendo a primeira delas o Enunciado 256, de 1986, revisado posteriormente pelo Enunciado 331, de 1993, ambos do TST.

Outra importante alteração legal ocorreu com a aprovação da lei nº 9.711/98, que alterou o art. 31, da lei nº 8.212/91, e que repassou à empresa contratante do serviço, mediante cessão de mão de obra ou empreitada, a responsabilidade pela retenção dos débitos previdenciários, o que antes era incumbência da empresa prestadora de serviços. Portanto, a partir de 1º de fevereiro de 1999, as empresas tomadoras ficaram obrigadas a reter 11% sobre o valor total dos serviços prestados e recolher para o INSS, em nome da empresa contratada. Com isso, foi eliminada qualquer discussão acerca da responsabilidade solidária ou subsidiária pelo recolhimento de tais contribuições. A doutrina menciona que o alto índice de sonegação e a condenação solidária das empresas tomadoras e prestadoras contribuíram para o advento desta lei.

1.2) A Jurisprudência do TST 

 

Atualmente, não há no Brasil uma legislação completa e de aplicação geral sobre a terceirização permanente nas empresas. Sequer para normatizar esse fenômeno de forma a impedir as fraudes que têm sido perpetradas. A única regulamentação geral é a Súmula 331, do TST, mas que também não tem sido suficiente para evitar a precarização das relações laborais.

Cabe lembrar que a origem da Súmula 331 foi o Enunciado 256, de 1986, que permitia a contratação por empresa interposta apenas no caso do trabalho temporário e de vigilância. Certamente, devido as pressões pela flexibilização do mercado de trabalho, desde a década de 90 vinha sendo questionado o referido enunciado porque impedia a generalização da terceirização, até que no ano de 1993 foi requerida a sua revisão ocasião em que foi aprovada a Súmula 331, pelo TST.

As decisões jurisprudenciais que levaram a aprovação do Enunciado 256 apresentavam a figura da solidariedade entre a empresa tomadora e a prestadora de serviço, por violação ao art. 2º, parágrafo 2º, da CLT e da lei nº 6.019, de 1974, art. 10, cujo fundamento residia em que não era permitido o trabalho temporário nas atividades permanentes das empresas, mas apenas para atender contingências ocasionais ou necessidades transitórias.

De fato, conforme se depreende das decisões do TST da época, era comum o inconformismo dos juízes com a terceirização, como se pode verificar do Acórdão do TST, nº 2.179/80 – RR nº 189/79, cujo relator foi o Ministro Marcelo Pimentel, que definiu a locação da mão de obra como um eufemismo para ajustar o “aluguel de empregados, conhecido e condenado internacionalmente como marchandagem ou exploração do trabalho alheio, a mais condenada forma de comércio e que de forma um pouco mais amena representa a semi-escravidão”.

Esse posicionamento começou a mudar ainda na década de 1990 e foi concretizado com a edição da Súmula 331, em 1993, a qual permitiu a terceirização das atividades permanentes das empresas, ainda que dentro de certos limites e desde que atendidos determinados critérios. Assim, pouco a pouco, vimos sendo abandonadas as contundentes críticas do TST sobre a terceirização.

Como se sabe, a Súmula 331 permite a contratação por empresa interposta nos casos do trabalho temporário; dos serviços de vigilância; de conservação e limpeza e dos serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, e aplica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços. Quanto a Administração Pública, a Súmula definiu que a contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (Art. 37, II, da Constituição da República).

Nossas críticas a mencionada Súmula, em resumo, residem no fato de que não define o conceito de atividade-meio e atividade-fim, que são indeterminados, causando que o próprio Judiciário Trabalhista encontre dificuldades para julgar o enquadramento de determinadas atividades profissionais e econômicas. Também não define o que seria a especialização nas atividades de prestação de serviços: o que é trabalhador especializado? É qualificação técnico-profissional ou experiência profissional? Outra lacuna é que a Súmula não diferencia as formas de subordinação na terceirização, visto que nas atuais relações laborais existem outras formas diferenciadas do clássico conceito de subordinação jurídica. Outra relevante questão é aquela que diz respeito a ausência de garantias de direitos iguais entre os empregados da tomadora e os terceirizados, o que consiste na violação direta da Constituição Federal. Mencionamos ainda, a questão da representação sindical dos terceirizados, que não segue a atividade preponderante da empresa e causa uma extrema fragmentação destes trabalhadores. Por fim, a responsabilidade prevista na referida Súmula não é solidária e sim subsidiária, o que não inibe as fraudes e ilícitos cometidos pelas empresas.

A consequência disso tudo é que, na ânsia do lucro fácil, as empresas terceirizam sem qualquer freio toda e qualquer atividade, pulverizando a execução da produção para diversas empresas de prestação de serviços, que, por sua vez, contratam empregados com direitos e benefícios rebaixados, os quais passam a conviver com os empregados das empresas tomadoras de serviços em condições de profundas desigualdades. Ao término de tais contratos, como se não bastassem as condições precárias enfrentadas durante a sua vigência, estes empregados, considerados por muitos como sendo de “segunda categoria”, também passam a enfrentar a falta de pagamento de suas verbas rescisórias, fato que vem ocorrendo em larga escala, também, nos serviços públicos, quando as empresas prestadoras de serviços simplesmente desaparecem, deixando os trabalhadores jogados à sua própria sorte.

Neste contexto, a terceirização passou a ser identificada como um fenômeno precarizante, pois implantada não com o intuito de aumentar a qualidade dos produtos ou serviços produzidos, mas como uma estratégia para diminuir os custos do trabalho com a redução dos direitos trabalhistas. Por isso a identificamos como um verdadeiro processo de desregulamentação dos direitos trabalhistas, do qual o patrimônio jurídico dos trabalhadores é excluído e se desenvolve paralelamente ao Direito do Trabalho, que vai sendo deixado de lado sob a justificativa de ser muito “rígido”, “inflexível”, não ser “moderno”, nem acompanhar a evolução das relações de trabalho.

2) Motivações econômicas para terceirizar 

 

A prática de contratar serviços de terceiros para a execução de parte das atividades econômicas é uma característica de determinados processos produtivos. Entretanto, nos anos de 1990 essa modalidade de contratação circunscrita a certas atividades econômicas se generaliza para o conjunto da economia, seja na indústria, comércio e serviços ou ainda na área rural e no setor público. No setor público se manifesta através de cooperativas de trabalho, organizações sociais, ONG´s e OSCIP´s.

Esse processo deve ser compreendido dentro das modificações mais gerais nos padrões de produção e organização do trabalho que se intensificam no Brasil na década de 1990, mas que se iniciam nos países desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970 como resposta a crise de acumulação do capital.

Os países desenvolvidos atravessaram um longo período de dinamismo econômico e social no pós-guerra, esse modelo estava pautado por uma forte articulação entre políticas de estado e modelo de produção. Dessa forma, a produção em massa típica dessa etapa do capitalismo se apoiava em um mercado de consumo forte e uma classe trabalhadora estruturada e organizada do ponto de vista sindical.

Uma conjunção de fatores são os responsáveis pelo esgotamento desse longo ciclo de crescimento virtuoso. A queda das taxas de lucro e as ameaças à hegemonia do dólar associadas a crescente participação dos circuitos financeiros estão na origem da crise de rentabilidade dos anos de 1970.

Dessa forma a articulação entre o sistema financeiro e produtivo direcionou os novos investimentos produtivos e tecnológicos, aprofundando dessa forma a divisão internacional do trabalho. Os países desenvolvidos se especializaram cada vez mais no desenvolvimento de novas tecnologias, limitando os países menos desenvolvidos a condição de exportadores de matérias-primas ou produtores de bens de baixo valor agregado.

Por outro lado, a gestão do processo de produção se concentrou nas mãos de grandes grupos econômicos e a disputa dos países periféricos por recursos se acirrou em um contexto de grande concorrência internacional. Desta forma, as economias locais foram submetidas às diretrizes mundiais de gestão, a reorganização da produção e a redução de custos se intensificaram como condição essencial para alcançar maiores níveis de competitividade em um cenário de grandes instabilidades.

No Brasil com a abertura econômica e financeira do inicio dos anos de 1990 e frente à concorrência acirrada advinda da abertura comercial as empresas se adaptam a esse novo contexto com a introdução de mudanças nos processos de organização do trabalho e de gestão. A atuação em todas as etapas da cadeia de produção era uma característica das empresas, que controlavam desta forma, desde a matéria-prima até o produto final. Com a intensificação da competição e o quadro de instabilidade econômica as organizações focam suas ações em novas estratégias empresariais, desta forma, a terceirização deve ser vista como parte dessas novas formas de organização do processo de produção.

Esse novo modelo de empresa supera o esquema de organização do trabalho industrial clássico, que objetivava potencializar o fator humano nas empresas para alcançar metas de produtividade. Ao deslocar parte do processo produtivo para fora das plantas industriais ou

contratar serviços para a execução de parte das atividades econômicas as organizações estão empenhadas em desenvolver estratégias visando à redução de custos, especialmente em setores cuja presença da força de trabalho é significativa e representa um percentual elevado dos custos totais.

Além disso, as conquistas sindicais contribuíram para elevar os padrões salariais e os benefícios de setores mais estruturados da classe trabalhadora, os resultados das convenções coletivas se estendem para o conjunto dos trabalhadores independentemente da posição que ocupam ou da função que exercem no local de trabalho. Esse padrão se torna insustentável para o capital que na ânsia de manter suas margens de lucro e ampliar a exploração sobre o trabalho externaliza parte do processo produtivo, seja em áreas de apoio ou nas atividades principais da empresa, segmentando os trabalhadores em duas classes: os de primeira e os de segunda categoria.

O desenvolvimento do capitalismo desordena continuamente a organização das empresas. A força de trabalho é deslocada na medida em que certas qualificações se tornam desnecessárias. As empresas investem em estruturas que privilegiam empregos dominados por alta qualificação e alta produtividade e terceirizam as ocupações pouco qualificadas e de baixa produtividade e com isso excluem parcela dos trabalhadores da distribuição do crescimento da renda nacional (Rubery, 1978).

Nesse sentido, as motivações econômicas e a busca por maior competividade e redução de custos estão no centro das iniciativas de terceirização. Nos anos de 1990 foi disfarçado pelo discurso neoliberal de que a prática estimularia a geração de postos de trabalho, o que não se confirmou, pois ao final dessa década o desemprego havia evoluído 70% (Quadros, 2003). Na atualidade o discurso empresarial se volta para a busca de competitividade uma vez que já não é possível atribuí-lo como fator de criação de empregos, esse sim resultante do dinamismo econômico. Agora a prática é estimulada dentro de um contexto determinista, trata-se de uma tendência e quem não compartilha dessa modernidade é retrógrado e corporativista.

O setor de confecções é vastamente utilizado como exemplo de “modernidade”, a organização em rede permite que todos possam usufruir de seus resultados. A cadeia de produção da indústria têxtil é, sem dúvida, das mais perversas. Os métodos de trabalho lembram o século XIX, o trabalho a domicilio é fartamente utilizado pelas empresas sem oferecer nenhum direito ou garantia a essas trabalhadoras cujas jornadas oscilam entre 12 e 16 horas diárias. O volume de acidentes de trabalho registrados entre os trabalhadores efetivos e os terceirizados em empresas do setor elétrico e de petróleo é alarmante. Somente na Petrobras entre 1995 e 2008 morreram 257 trabalhadores, destes 81% eram trabalhadores terceirizados.

O problema é intrínseco a forma de contratação das prestadoras de serviços, no caso do setor público, mas certamente também se aplica ao setor privado. A contratação não visa à qualidade ou especialização dos serviços oferecidos, mas se direciona àquelas que oferecem os melhores preços ou apresentam a melhor oferta. Com isso teremos prestadoras oferecendo serviços com pouca qualificação e preparação para atuarem em determinadas áreas potencialmente geradoras de graves acidentes de trabalho. As prestadoras de serviços para realizar as suas ganâncias contratam trabalhadores nas piores condições, além de não oferecer treinamento adequado. O resultado são as mortes e mutilações provocadas pelos acidentes de trabalho e que são de longe o efeito mais perverso da terceirização e tudo isso sem responsabilizar as tomadoras dos serviços, as grandes beneficiadas.

3) Análise do Projeto de Lei 4330/04 – Um breve histórico 

 

Em 1998 o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei (PL) 4302 que tratava do trabalho temporário e da prestação de serviços e teve como relator o Deputado Sandro Mabel. O projeto visava legalizar a locação da mão de obra, de qualquer natureza, por prazo indeterminado, pois ampliaria o prazo de 90 dias previsto na lei para 180 dias, que poderia ser prorrogado mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Mencionado projeto fortaleceria a terceirização, pois permitiria esse tipo de contrato em qualquer atividade, fim ou meio, o “sonho das empresas”.

O projeto foi retirado pelo governo Lula em 2003 através da mensagem n.389/2003, depois de forte pressão e reação dos sindicatos e dos movimentos sociais.

Em 2004 Sandro Mabel apresentou o PL 4330, excluindo dispositivos que tratavam do trabalho temporário e focalizando na prestação de serviços terceirizados. O projeto, desde a sua origem, transforma a relação de emprego em relação comercial, isenta os empregadores de qualquer responsabilidade para com os direitos dos trabalhadores e derruba uma das poucas proteções impostas à terceirização, que é a Súmula 331 do TST, que impede a terceirização da atividade-fim da empresa. Admite a possibilidade de quarteirização e impõe barreiras a qualquer possibilidade de caracterização de vínculo empregatício com as empresas contratantes, anistia as empresas de qualquer responsabilidade por terceirizações irregulares anteriores à lei, institucionalizando e legitimando a precarização do trabalho e os graves problemas por ela gerados.

O PL recebeu pareceres favoráveis da CDEIC (Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio) e CTASP (Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público). Em 2011 foi criada a Comissão Especial na Câmara dos Deputados para analisar o projeto, nessa ocasião o Deputado Roberto Santiago assumiu a relatoria e apresentou em novembro de 2011 o substitutivo. O projeto manteve a sua essência ao permitir a terceirização em todas as etapas do processo produtivo e não reconhecer a responsabilidade solidária da tomadora de serviços. Substitui o conceito de atividade fim e meio por empresa especializada, permite sucessivas contratações do trabalhador por diferentes empresas prestadoras de serviços a terceiros e mantem a responsabilidade subsidiária nos aspectos relacionados à saúde e segurança, bem como em relação ao inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte do prestador de serviços.

Em sentido contrário, a CUT, através do Deputado Vicentinho apresentou o PL 1621/2007, proibindo a terceirização na atividade fim e estabelecendo a responsabilidade solidária, o acesso a informação e a representação sindical. O projeto sequer foi apreciado.

As ideias gerais que estão sendo solidificadas no Congresso Nacional refletem a própria correlação de forças lá existente, afinal, o que esperar de um Congresso onde os empresários são a grande maioria, representando cerca de 80% dos congressistas?

Após várias tentativas de colocar em votação o projeto 4330 as centrais sindicais em conjunto com o governo, empresários e legislativo constituíram a comissão quadripartite com o objetivo de construir uma proposta que contemplasse todos os interesses, tarefa bastante difícil uma vez que o projeto estava cada vez mais distante dos propósitos que definem uma regulamentação protetora do trabalho. Os avanços foram pontuais e não alteraram a essência da proposta.

3.1) Análise do Projeto de Lei 

Em síntese, dentre os aspectos mais importantes desta última proposta, destacamos o seguinte:

– estende a terceirização para todas as atividades, inclusive de profissionais liberais e o produtor rural, e introduz os conceitos de qualificação técnica, capacidade econômica e objeto social único, exceto se recaírem na mesma área de especialização, quando poderá ter mais de um objeto (arts. 2º e 4º);

– a qualificação técnica poderá ser comprovada pela demonstração da aptidão para o desempenho da atividade, ou pela indicação das instalações, aparelhamento e do pessoal técnico disponíveis pela contratada para a realização do serviço ou pela indicação da qualificação dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos (art. 6º);

– a exigência de especialização não se aplica as atividades realizadas por correspondentes contratados por instituições financeiras e bancárias (art. 18);

– permite a quarteirização (art. 3º, parágrafo único);

– estabelece garantia no valor de 4% do valor do contrato, limitada a 50% de um mês de faturamento e a empresa contratada poderá optar pela caução em dinheiro, seguro-garantia ou fiança bancária, que serão liberados somente após a quitação das dívidas trabalhistas e previdenciárias relativas aos empregados da Contratada (arts. 5º e 7º);

– obrigatoriedade da fiscalização das obrigações trabalhistas pela contratante, bem como a interrupção do pagamento dos serviços e a retenção das verbas quando constatado o inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela contratada (art. 5º);

– permite contratos para “serviços continuados”, ou seja, aqueles que podem se estender continuamente (art. 8º) e permite sucessivas contratações do trabalhador por diferentes empresas prestadoras de serviços, de forma consecutiva (art. 13º); nesse caso está garantido o mesmo patamar salarial e trabalhista anterior;

– estabelece a responsabilidade subsidiária se comprovar a fiscalização do pagamento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela contratada e solidária caso não comprove (art. 14);

– permite a representação sindical pelo sindicato da categoria da contratante quando a contratada pertencer a mesma categoria econômica (art. 10); ou quando forem categorias econômicas diferentes e houver mais de um sindicato, poderá haver negociação conjunta (art. 10, parágrafo único);

– assegura as mesmas condições dos empregados da contratante relativas a: alimentação; transporte; atendimento médico ou ambulatorial; treinamento; condições sanitárias e medidas de proteção a saúde e segurança (art. 11);

– comunicação pela contratante dos acidentes de trabalho ocorridos em suas dependências ao sindicato da categoria e à contratada (art. 12, parágrafo único);

A proposta em debate não deve ser analisada somente em seus aspectos supostamente “progressistas”, como por exemplo, o fornecimento do mesmo refeitório, transporte, ambulatório e condições de saúde e segurança fornecidos aos empregados da tomadora, pois embora importantes, não se referem as questões essenciais que estão subjacentes ao processo de terceirização. Além disso, estes “progressos” que constam na proposta, em muitos casos, já vêm sendo concedidos pelo Judiciário Trabalhista, que não tem admitido, regra geral, à luz da legislação constitucional, a discriminação e o desrespeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Assim, eventual regulamentação sobre a terceirização só terá justificativa se enfrentar os problemas considerando o diagnóstico já organizado a partir das ações judiciais em trâmite no Judiciário e das pesquisas e estatísticas que demonstram a lastimável situação a que estão

submetidos os trabalhadores terceirizados. De acordo com este diagnóstico, identificamos cinco questões essenciais que passamos a expor.

4) As Cinco Inconstitucionalidades do Projeto de Lei sobre a Terceirização 

 

1o – A Terceirização é contrária a Ordem Constitucional – Desrespeito aos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores 

Em que pesem as motivações econômicas das empresas para terceirizar, o questionamento que deve ser feito, à princípio, é se esta prática encontra respaldo no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, ou seja, se é possível uma norma legal infraconstitucional que autorize a regulação do trabalho nas empresas privadas e no serviço público, estabelecendo, no mesmo espaço produtivo, duas categorias diferentes de direitos trabalhistas.

Qualquer iniciativa neste sentido será absolutamente inconstitucional, pois mesmo considerando o poder de gestão que têm as empresas no seu espaço de produção, não há a possibilidade de opção entre dois ordenamentos, um “com mais direitos” e outro com “menos direitos”, em relação a força de trabalho. Por outro lado, nem mesmo a negociação coletiva poderá autorizar a existência de duas categorias de trabalhadores com direitos diferentes.

De fato, a Constituição Federal brasileira garante que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, nos termos dos incisos II, III, IV, do art. 1º, da CF/88. Os objetivos fundamentais do Estado de Direito constam do art. 3º da CRB/88, dos quais destacamos os incisos: I, que assegura a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o III, que assegura a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e o IV, que proíbe a discriminação.

Referidos fundamentos e objetivos são reconhecidos pela ordem econômica, no art. 170, da CRB/88, que, também, é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cuja finalidade é assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Os princípios da ordem econômica estão arrolados neste artigo e indicam a opção do sistema constitucional pelo equilíbrio na relação entre as classes que interagem no sistema capitalista, pois apesar de reconhecer a propriedade privada (II) e a livre concorrência (IV) e de reconhecer a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica (parágrafo único), também dá à propriedade uma função social (III) e um objetivo, que é a busca do pleno emprego (VIII) e a defesa do meio ambiente e do consumidor (V e VI). Portanto, o preceito constitucional que regula a ordem econômica capitalista assegura que a mesma é fundada, também, na valorização do trabalho humano, e que tem como fim “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Desta forma, para efetivar a justiça social e assegurar a todos existência digna, que são os fundamentos da ordem econômica, é necessário dar ao capitalismo uma feição social através da valorização do trabalho, pois é mediante essa via que as pessoas terão acesso aos bens materiais necessários à vida com dignidade. Portanto, vida digna, justiça social e trabalho aparecem como um todo indissociável.

Não é por outro motivo que a “ordem social brasileira tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social”, conforme o art. 193, da Carta Constitucional, da mesma forma que a ordem econômica.

Por isso, a Constituição brasileira, ao adotar a igualdade como um direito fundamental, foi coerente com os fundamentos e objetivos da República e com os princípios da ordem econômica e social. O princípio da igualdade, aliado ao princípio da dignidade da pessoa

humana, consistem no fim a que se destinam todas as normas, cuja proteção deve estar voltada para a pessoa, o ser humano, e são estruturantes do sistema jurídico brasileiro e essenciais na análise da efetividade dos direitos fundamentais, especialmente, quanto às regras de igualdade material, dispostas na Constituição.

Portanto, o tratamento equânime às pessoas é dever dos que fazem as leis e dos que as aplicam. Conforme afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”. (4)

Portanto, qualquer conduta humana que acarrete tratamento diferenciado aos trabalhadores, discriminando pessoas e situações não desiguais, ofende o preceito constitucional da isonomia.

São exemplos de regras de igualdade material encontradas na Constituição, os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, dispostos nos artigos 7º e 8º, e os incisos XXX, XXXI e XXXII, do art. 7º, da CR/88, que proíbem discriminações, vedando o primeiro, as diferenças salariais, de exercício de funções e de critérios por motivo de sexo, cor, idade ou estado civil; o segundo, vedando qualquer discriminação ao portador de deficiência e o terceiro proibindo a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.

De fato, o reconhecimento dos direitos e a aplicação efetiva das normas constitucionais almejam justamente alcançar um mínimo de equilíbrio entre as partes, diminuindo a desigualdade inerente ao próprio sistema capitalista, contendo excessos e eliminando injustiças. A busca pela cidadania e a dignidade da pessoa humana, que são fundamentos da República, impõem que assim o seja, caso contrário, não há como garantir a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que são, dentre outros, os objetivos fundamentais da República e da ordem econômica.

Ademais, o reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores é um imperativo da cidadania, pois as relações que se estabelecem nos locais de trabalho fazem parte da sociedade civil, onde o homem também é detentor de direitos e garantias.

E assim não poderia deixar de ser, pois o reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores, também, é amparado pelo inciso II, do art. 1º, da CRB/88, que menciona a “cidadania” como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. De fato, a vinculação da democracia com a cidadania demonstra que para a ordem jurídica esta última tem um sentido mais amplo, não apenas vinculado aos direitos civis e políticos, mas, também, vinculado à titularidade dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Desta forma, não há como se conceber que a cidadania não esteja, também, ligada ao indivíduo profissional, que ocupa um lugar no processo produtivo da sociedade.

Como afirma Sayonara Grillo, “ter uma profissão, uma carteira profissional e ser sindicalizado foram os primeiros atributos do cidadão brasileiro”. (5) Entretanto, a autora enfatiza que as concepções hegemônicas de democracia sempre colocaram o trabalho em polo distinto do da cidadania, e que mesmo com as reivindicações de gestão democrática das empresas, os trabalhadores ficaram restritos a um conceito limitado de cidadania na empresa, inseridos numa espécie de “projeto de democracia industrial”, limitada pelo espaço da fábrica. Portanto, para que o trabalhador seja um cidadão, é preciso que seja dotado de direitos que lhe outorguem uma condição de paridade no espaço de produção de bens e serviços, ou seja, ser cidadão, também, nas relações de trabalho o que implica no reconhecimento e efetividade dos direitos fundamentais.

Na terceirização, os trabalhadores perdem em direitos e benefícios e isso viola o princípio da igualdade e os direitos e garantias fundamentais constitucionais, que visam dar efetividade ao princípio fundante do Estado Democrático de Direito, que é a dignidade da pessoa humana.

Mas não é apenas isso. O Brasil possui uma legislação protetiva, que assegura direitos individuais e coletivos aos trabalhadores, e, por outro lado, possui, também, regras antidiscriminatórias, de natureza fundamental, autoaplicáveis às relações laborais.

Desta forma, a redução ou a eliminação dos direitos trabalhistas, como ocorre em grande parte dos processos de terceirização, merece ser vista como contrária à ordem constitucional. E aqui não se fala apenas da terceirização ilícita, quando é óbvia a violação legal, mas, também, da terceirização lícita, pois ainda que realizada de acordo com os parâmetros permitidos pela jurisprudência, só poderá ser considerada legal se não excluir os trabalhadores terceirizados da incidência dos direitos fundamentais.

2o – A Representação Sindical na Terceirização e a Violação dos Direitos Coletivos de Organização Sindical e de Negociação Coletiva

Importantes direitos fundamentais dos trabalhadores são diretamente violados no processo de terceirização, sendo os mais importantes o direito de organização sindical (art. 8º da CFR) e o direito de greve (art. 9 da CFR), que são instrumentos de autodefesa que acabam sendo inviabilizados, não porque não exista sindicato dos empregados terceirizados mas porque se discute a natureza e a efetividade deste tipo de organização.

A natureza de um “sindicato de terceirizados” é desprovida do liame de homogeneidade que deve preceder a existência de um sindicato. Condições de vida similares? Mesma atividade econômica? São critérios desprezados nessa representação, tão fluída e incapaz de formar um vínculo que abale a estrutura empresarial.

De fato, o trabalhador terceirizado acaba sendo alijado destes instrumentos que a ordem constitucional reconhece como capazes de municiá-lo, para garantir novos direitos ou a efetividade dos direitos individuais que lhe seriam atribuídos, não fosse a sua condição de terceirizado. Lembremos que o direito de sindicalização e o direito efetivo de negociação coletiva, fazem parte dos quatro princípios fundamentais da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, aprovada na 86ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1998, em Genebra.

Eis aqui um grande problema em relação aos trabalhadores vinculados às empresas prestadoras de serviços terceirizados. Afinal, esses trabalhadores constituem uma categoria profissional? E podem constituir um sindicato de acordo com os parâmetros exigidos pela lei brasileira? Existem laços reais de solidariedade entre os mesmos que lhes possibilitem fundar um sindicato? Há homogeneidade de interesses?

Esclarecemos que não se trata aqui de defender a execrável estrutura sindical oficial, cujo conceito de categoria profissional e econômica é essencial. Pelo contrário, a estrutura sindical oficial é um dos maiores problemas e é responsável, também, pelo crescimento desmesurado da terceirização no Brasil. Mas, ainda que fosse em regime de total liberdade sindical, cremos que os terceirizados não se organizariam de acordo com a sua precária condição, onde inexistem vínculos permanentes com os demais trabalhadores terceirizados, onde é da prática empresarial a rotatividade das empresas prestadoras de serviços, apostando na invisibilidade dos empregados. Uma confirmação deste fato é que a pauta principal dos

Sindicatos dos empregados terceirizados tem sido, no máximo, a equiparação com os empregados da tomadora.

Por isso, concordamos com o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado que enfrenta essa questão magistralmente, afirmando que a representação e atuação sindical dos trabalhadores terceirizados, é tão ou mais significativa do que o problema da discriminação remuneratória e da responsabilidade trabalhista. Destaca que: […] a terceirização desorganiza perversamente a atuação sindical e praticamente suprime qualquer possibilidade eficaz de ação, atuação e representação coletivas dos trabalhadores terceirizados. A noção de ser coletivo obreiro, basilar o Direito do Trabalho e a seu segmento juscoletivo, é inviável no contexto de pulverização da força de trabalho provocada pelo processo terceirizante.

E mais: […] “a idéia de formação de um sindicato de trabalhadores terceirizados, os quais servem a dezenas de diferentes tomadores de serviços, integrantes estes de segmentos econômicos extremamente díspares, é simplesmente um contrassenso. Sindicato é unidade, é agregação de seres com interesses comuns, convergentes, unívocos. Entretanto, se o sindicato constitui-se de trabalhadores com diferentes formações profissionais, distintos interesses profissionais, materiais e culturais, diversificadas vinculações com tomadores de serviços – os quais, por sua vez, têm natureza absolutamente desigual – tal entidade, não se harmoniza, em qualquer ponto nuclear, com a idéia matriz e essencial de sindicato. Toda a formação profissional, seus interesses profissionais, materiais e culturais, toda a vinculação laborativa essencial do trabalhador terceirizado, tudo se encontra direcionado à empresa tomadora de serviços, e não a mera intermediária da mão-de-obra. A real categoria profissional desse obreiro é aquela em que ele efetivamente se integra em seu cotidiano de labor”. (6)

3o – Violação dos Direitos Individuais Fundamentais na Terceirização 

Sem ignorar que alguns direitos básicos trabalhistas estão garantidos na relação de vínculo de emprego que se forma entre o trabalhador terceirizado e a empresa prestadora de serviços, podemos afirmar que existem outros direitos individuais protegidos constitucionalmente, em especial alguns dos incisos do art. 7º, da CRB/88, que são violados na relação que se forma na terceirização. O primeiro deles, o inciso XI, que trata da participação dos trabalhadores nos lucros e resultados, e o outro, o inciso XXVI, que trata do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Ambos, embora figurem no rol dos direitos individuais, estão relacionados ao direito coletivo de trabalho e por meio deles é possível buscar a melhoria da condição social dos trabalhadores. Sua efetividade está condicionada a eficácia da ação sindical, por meio da negociação coletiva. Nesse aspecto, entendemos que a negociação coletiva envolvendo os terceirizados não é eficaz, devido a própria falta de homogeneidade e pulverização dos interesses envolvidos e da ausência do vínculo necessário a organização sindical representativa, requisitos esses que são responsáveis pelo êxito da negociação coletiva.

Por outro lado, também mencionamos os incisos que proíbem a discriminação no trabalho, como o inciso XXX, que prevê a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e o inciso XXXII, que prevê a proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre profissionais respectivos. Ambos possuem um caráter de proteção do trabalhador, garantindo a isonomia salarial e a não discriminação e se configuram em regras de igualdade material, que dão concreção ao princípio da igualdade.

Portanto, há a violação do mencionado inciso XXXII, no aspecto da isonomia salarial no caso da terceirização, onde identificamos a convivência entre trabalhadores no mesmo local

de trabalho, desenvolvendo atividades permanentes, submetidos às mesmas condições ambientais, mas recebendo salários e demais direitos de forma desigual. É que a terceirização, mesmo que considerada lícita pela ordem jurídica, não é compatível com as normas isonômicas, porque é da sua essência a criação de condições de trabalho desiguais. No dizer de Maurício Godinho Delgado, a própria fórmula da terceirização já impõe um padrão diferenciado de contratação da força de trabalho, geralmente inferior ao padrão empregatício clássico, o que não é tolerado pela ordem jurídica vigente.

4o – A Isonomia e o Salário Equitativo – Violação das regras de igualdade material 

A realidade configurada pela terceirização, sem dúvida, viola o princípio do salário equitativo.

O Tratado de Versalhes foi o primeiro a consagrar o salário equitativo, no art. 127, números 7 e 8, juntamente com outros princípios e regulamentações sobre condições de trabalho. O art. 7º apresentou o seguinte teor: “O princípio de salário igual, sem distinção de sexos, para trabalhos de igual valor” e o 8º: “As regras que em cada país se imponham, em relação às condições de trabalho, deverão assegurar um tratamento econômico equitativo a todos os operários que residam legalmente no referido país”.7

Posteriormente, a mencionada norma ficou consagrada no plano internacional mediante a Resolução nº 12, da 3ª Conferência de Trabalho dos Estados da América, membros da OIT, com o seguinte teor: “A un trabajo de igual valor deberia corresponder un salario igual, sin distinción de raza, color, credo, sexo o nacionalidad”.

Sobre a terceirização, além das normas mencionadas, existe outra norma voltada para a proteção do salário equitativo, que é a lei nº 6.019/74, art. 12, “a”, que prevê ao trabalhador temporário a “remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional”. Esta é uma regra de salário equitativo, segundo a qual todas as parcelas de caráter salarial, aplicadas aos empregados da tomadora são igualmente devidas aos trabalhadores temporários, tais como, salário, 13º salário, jornada máxima de 44 horas, adicional noturno, adicional de horas extras, adicional de insalubridade e de periculosidade, dentre outras de cunho salarial.

Segundo Maurício Godinho Delgado, a jurisprudência ainda não se firmou sobre a aplicação do salário equitativo aos demais casos de terceirização permanente, como ocorre no caso do temporário, o que, a nosso ver, é um contrassenso, pois se existe uma regra de isonomia remuneratória para o trabalhador temporário exatamente pela condição excepcional em que o trabalho é exercido, com muito mais razão deveria haver para aquele trabalhador que, também se submete a tais condições, só que de forma permanente, como ocorre na terceirização.

O mencionado autor enfatiza três argumentos para justificar sua posição em defesa do que chama de “comunicabilidade entre o padrão remuneratório da empresa tomadora e o da prestadora”: o primeiro é o que se baseia em outros países com “ordens jurídicas mais igualitárias e avançadas”8; o segundo, é que não se pode concordar com fórmulas de gestão que levem à discriminação e ao aviltamento da força de trabalho, contrariando a própria essência do

Direito do Trabalho; e o terceiro, porque existem preceitos constitucionais e infraconstitucionais que favorecem a aplicação do salário equitativo mesmo na terceirização lícita, já que na ilícita a consequência é a formação do vínculo diretamente com a tomadora e o pagamento dos mesmos direitos.

Todavia, entendemos que a comunicabilidade de direitos não deve se restringir apenas à remuneração e demais parcelas de caráter salarial, mas a todos os direitos e benefícios pagos aos empregados da tomadora, convencionais ou normativos, aplicados aos empregados da mesma, por força dos arts. 5º, caput, incisos I e XLI, e 7º, incisos VI, X, XXXII, da Constituição Federal, além do art. 12, letra “a” da lei nº 6.019/74 e art. 3º, parágrafo único, da CLT.

Destacamos o julgado do TRT, da 3ª região, que reconheceu o tratamento igualitário entre os terceirizados e os efetivos da empresa tomadora, não apenas concernente aos salários, mas sobre toda a relação trabalhista: “TERCEIRIZAÇÃO. DIREITOS DOS TRABALHADORES TERCEIRIZADOS. A prestadora dos serviços, contratando mão-de-obra para oferecê-la a outra empresa, obriga-se a conceder a estes trabalhadores as mesmas vantagens asseguradas pela tomadora a seus empregados. É que se os trabalhadores temporários, por força do artigo 12, “a”, da Lei 6.019/74, fazem jus à remuneração equivalente à paga aos empregados da mesma categoria profissional da empresa tomadora de seus serviços, com maior razão os trabalhadores contratados de forma permanente por empresa interposta para a prestação de serviços essenciais à atividade da empresa cliente terão direito a todas as vantagens asseguradas à categoria dos empregados da mesma, vez que a terceirização, ainda que lícita, não pode servir de instrumento de redução dos custos de mão-de-obra se implicar afronta ao princípio constitucional da isonomia. Se o trabalhador temporário tem a proteção assegurada por preceito legal expresso, não se pode conceber, do ponto de vista lógico e jurídico, que trabalhadores que prestam serviços de forma permanente à tomadora tenham menos direitos. Nas palavras de Carlos Maximiliano, tais considerações ‘levam a aplicar uma norma aos casos não previstos, nos quais se encontra o motivo, a razão fundamental da hipótese expressa, porém mais forte, em mais alto grau de eficácia’ (in Hermenêutica e Aplicação das Leis, Ed. Coimbra, 1978, 9ª edição, 1984, pág. 246) (TRT – 3ª Região – RO 4.527/00- 2ª Turma – Relator: Des. José Roberto Freire Pimenta – Publicação 06/09/2000).”

Dado a importância deste princípio, no plano internacional, a garantia de tratamento isonômico também consta na Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, aprovada na 86ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1998, em Genebra.9 O princípio da não discriminação está regulado pela OIT, pela Convenção nº 100, sobre “Salário Igual para Trabalho de Igual Valor entre Homem e Mulher”, ratificada pelo Brasil em 25/04/1957, e que proíbe a discriminação entre a mão de obra masculina e feminina, em matéria de remuneração e demais vantagens, pagas direta ou indiretamente pelo empregador. Também a esse respeito, destacamos a Convenção nº 111 da OIT, sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, ratificada pelo Brasil em 26/11/1965, e que proíbe atos de discriminação, os quais, conforme definido no art. 1º, letra “a”, da mencionada Convenção, importam em

[…] toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que teria por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão. 

Assim, não se vislumbra a possibilidade de ser aprovado um Projeto de Lei que desconsidere estes importantes princípios constitucionais, ou que, ao contrário, aprove um regramento totalmente colidente com a Constituição.

5o – A Opção pela Responsabilidade Subsidiária ao Invés da Solidária 

Muito se discute sobre se a responsabilidade na terceirização do trabalho deveria ser solidária ou subsidiária. Essa questão é muito importante porque ela define quem será o responsável por indenizar, prioritariamente, as ações praticadas em afronta ao Direito.

Na responsabilidade solidária, tanto a empresa prestadora de serviços quanto a tomadora estão vinculadas no cumprimento da obrigação, ambas figuram no polo passivo da ação trabalhista. É considerada uma responsabilidade direta e imediata.

A responsabilidade subsidiária é indireta e não é imediata, pois exige que o devedor principal não tenha capacidade econômico-financeira para fazer o pagamento.

Estas definições, por si só, já nos colocam o dilema de um trabalhador terceirizado que presta serviços por curtos períodos a diversos empregadores, embora possa permanecer por longos períodos numa mesma tomadora de serviços. O reduzido tempo do contrato de prestação de serviços já se configura no primeiro impeditivo para que este trabalhador procure a Justiça do Trabalho para exigir os seus direitos. Afinal, chamará, no polo passivo, todos os empregadores com os quais manteve contratos? Quais serão as suas testemunhas? Apenas estas duas questões já tornam inviáveis eventuais ações trabalhistas.

Na legislação trabalhista, a lei do trabalho temporário só admite a responsabilidade solidária no caso de falência da empresa principal.

Formulação correta era a do revogado Enunciado 256, do TST, que estabelecia a responsabilidade solidária de todas as empresas e pessoas envolvidas na terceirização, no caso de fraude na contratação da mão de obra. A Súmula 331 alterou essa posição, passando a dispor que haverá responsabilidade subsidiária na terceirização lícita, que ocorrerá quando ambas as empresas, tomadora e prestadora, passarão a responder no polo passivo da ação, mas os bens patrimoniais da tomadora somente responderão pelas dívidas caso a prestadora não os tenha ou não sejam em valor suficiente para cumprir a obrigação, é o chamado “benefício de ordem”. Para tanto, deverá ficar comprovado que a empresa tomadora escolheu mal a empresa prestadora (culpa in elegendo) ou que não fiscalizou corretamente o cumprimento das obrigações trabalhistas ou previdenciárias (culpa in vigilando).

A dificuldade, como se vê, está na comprovação, pelo trabalhador, de todas essas situações, o que representa uma obrigação desproporcional para quem já foi vilipendiado nos seus direitos.

Cabe destacar que existem correntes doutrinárias, minoritárias, que defendem que a responsabilidade será sempre solidária, ainda que a terceirização seja lícita. Na verdade é a jurisprudência que tem fixado parâmetros mais claros a esse respeito.

O Projeto de Lei 4330/04, ao optar pela responsabilidade subsidiária, ao invés da solidária, que seria adotada apenas no caso da empresa não fiscalizar o cumprimento da legislação do trabalho, também perde uma oportunidade de punir aqueles que têm adotado a terceirização como um instrumento de fraude e eliminação de direitos trabalhistas. A eficácia da responsabilização contra as fraudes na terceirização, por certo, depende da execução das obrigações trabalhistas, e não deveria caber ao trabalhador este ônus, mas da prestadora e da tomadora, que auferiram os lucros e, portanto, devem responder pelo risco do negócio.

A ideia de que deve haver o exaurimento das vias capazes de buscar os bens da prestadora, para só depois, exigir os bens da tomadora, submete o trabalhador as consequências nefastas da falta de efetividade dos processos de execução trabalhista. O primeiro deles o fator tempo, pois todos sabem a demora em findar um processo trabalhista ou falimentar, além das conhecidas fraudes para esconder patrimônio do devedor, o que pode retardar um processo de execução durante muitos anos.

Ressaltamos, ainda, conforme já expusemos, que a Constituição Federal, ao garantir o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, dentre outras tantas normas que zelam pelos direitos dos trabalhadores, também reforça a tese favorável a responsabilização solidária do tomador de serviços.

Diante disso, sendo esta a diretriz aprovada na nova lei sobre a terceirização, teremos, certamente um enorme retrocesso jurídico em relação a construção jurisprudencial e doutrinária que vem se formando a respeito da responsabilidade solidária, aumentando a inefetividade do processo de execução.

4) A Especialização da Atividades não resolve o problema 

O problema não é necessariamente o processo de organização da produção de bens e serviços por uma ou diversas empresas, mas a lógica e o sentido que a terceirização adquiriu no Brasil nas últimas décadas. Teoricamente é possível admitir em alguns setores que haja a necessidade de recorrer a serviços mais especializados, como por exemplo, o transporte de valores no sistema bancário ou serviços de caráter temporário, a exemplo da construção civil. Ela expressa a especialização do serviço e não meramente uma forma de reduzir direitos. Nesta perspectiva, a terceirização é realizada considerando o patamar de direitos existentes na mesma categoria. Da mesma forma em relação à experiência do consórcio modular na indústria automotiva em que a terceirização pode atingir a atividade-fim. No entanto, independente da categoria respectiva dos trabalhadores na produção, deve ser assegurado o mesmo patamar de direitos, por meio de uma norma coletiva única e como membros de uma mesma base de representação.

No entanto, na maioria dos casos, a terceirização constituiu-se em uma forma de desregulamentação das relações de trabalho, ao permitir um rebaixamento nos salários, nas condições de trabalho, na segurança do trabalho, ao ampliar a liberdade da empresa na determinação das condições de contratação e remuneração do trabalho, além de promover uma segmentação da representação sindical.

Diferentemente do discurso empresarial, a terceirização tem se associado às atividades e áreas que exigem menor qualificação e, dessa forma, os instrumentos normativos como convenções e acordos coletivos das empresas tomadoras de serviços não se aplicam aos prestadores de serviços. O piso salarial de um trabalhador da área de asseio e conservação atividade tradicionalmente terceirizada pelas empresas tomadoras de serviços corresponde a 71% do piso salarial de um trabalhador químico na cidade de São Paulo.

Além disso, também se identifica, a exemplo da Petrobras que contrata serviços para serem executados em suas dependências, que as funções do trabalhador admitido na forma de concurso, não se diferenciam daquele trabalhador contratado na forma de prestação de serviços, entretanto, os salários correspondem a 50% do trabalhador efetivo. Se a comparação se estender aos benefícios o fosso é ainda maior. Se a contratação de serviços objetiva a especialização então porque idênticas ocupações são executadas por efetivos e terceirizados?

O conceito de empresa especializada não tem sustentação econômica. A empresa é reconhecida pela atividade principal, mesmo que possa executar atividades secundárias e auxiliares, entretanto, o que define o seu enquadramento na CNAE (Classificação Nacional por Atividade econômica) é a atividade principal, ou seja, aquela atividade que gera maior valor

adicionado. “A atividade principal é definida a partir da contribuição para a geração do maior valor adicionado, ou seja, o valor adicionado mais alto é a atividade principal.”

Desta forma, toda empresa necessariamente tem objeto social único uma vez que não pode pertencer a distintas atividades econômicas, o seu objeto social sempre vai se referir à atividade principal, aquela que agrega maior valor10. Desta forma não é critério para definir especialização a existência de um único objeto social, como consta do PL 4330.

A noção de especialização aparece na classificação das atividades econômicas como “ serviço de fornecimento de mão-de-obra por empresas especializadas na gestão de recursos humanos a empresas clientes”. Esse conceito de especialização se distingue de duas outras formas de terceirização: o fornecimento de mão-de-obra contratada sob a forma de contrato temporário e a intermediação entre as empresas que demandam a mão-de-obra com especialização e os respectivos profissionais, caracterizadas como agências.

Ou seja, o conceito de especialização aparece quando está associado à mão-de-obra ou recursos humanos e não necessariamente a empresa, porque por principio toda a empresa que atua em determinada atividade econômica detém conhecimento, senão como se poderiam distinguir empresas especializadas das não especializadas? Se pelo conhecimento técnico então estaremos nos referindo basicamente ao fornecimento de mão-de-obra.

O próprio parecer do relator do PL 4330 recorre a experiência e capacitação técnica dos seus empregados como um quesito para definir especialização. Ora, ao determinar que um critério fundamental para definir a especialização seja o conhecimento técnico dos profissionais o projeto admite que o objetivo principal seja o fornecimento de recursos humanos ou de mão-de-obra e não a prestação de serviços.

Quando a CNAE se refere a terceirização de parte do processo de produção ou do processo produtivo completo, fará referência a contratação de terceiros para execução de uma parte do processo de produção. Nesse caso a contratada pode ser classificada na mesma unidade da contratante ou em uma classificação específica do serviço contratado. Em nenhum momento se faz referência à especialização.

Em conclusão, consideramos que o Projeto de Lei 4330 é inaceitável por incorporar todas as formas de precarização do trabalho, aprofundando as desigualdades e a discriminação entre os trabalhadores. As conquistas desses últimos anos como a redução da pobreza e da desigualdade e a ampliação do número de trabalhadores que passaram a ter acesso a um conjunto de direitos através da formalização de seus vínculos de emprego não podem ser solapadas por uma prática precarizadora das relações de trabalho e fragmentadora da organização dos trabalhadores.

Diante da gravidade da situação, vários movimentos vêm debatendo este projeto, especialmente desde 2011, quando um amplo movimento intitulado “Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização”, formado por Associações de Magistrados e de Procuradores do Trabalho, Centrais Sindicais, Associações de Advogados do Trabalho e Acadêmicos se constituiu e tem mantido forte atuação em defesa do óbvio, ou seja, de uma regulamentação protetora do trabalho.

Recentemente, com muita satisfação, tomamos conhecimento da nota de 19 Ministros do TST se posicionando contra o Projeto de Lei 4330, bem como de Procuradores do Trabalho, ambas não admitindo o retrocesso social que representa a ideia inserida no referido projeto.

Defender o óbvio. Às vezes é necessário para que a história não se repita como tragédia.

 

* Elaine D’Avila Coelho é Advogada Trabalhista e Sindical e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP.
Marilane Oliveira Teixeira Economista, doutoranda do IE/Unicamp e assessora sindical

 

(1) Frase de Bertolt Brecht

 

Fontes de referência

ARTUR, Karen. O TST frente a terceirização. São Carlos: Edufscar, 2007.

CCJC. Projeto Lei n. 4330 de 2004. Complementação de Parecer. Autor. Deputado Sandro Mabel. Relator Deputado Artur Oliveira Maia. Agosto/2013.

CATHARINO, José Martins. Tratado jurídico do salário. Ed. fac-similada. São Paulo: LTr, 1997.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 443.

LEONARDO DA SILVA, Sayonara Grillo Coutinho. Democracia e Trabalho: Os Caminhos de uma Complexa Relação na História da Cidadania, in Direitos Sociais Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie, Coordenadores Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Samento, Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2008, pág. 984.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ED. São Paulo: Malheiros, 2005.

OIT. Princípios e direitos fundamentais no trabalho. Declaração e normas da OIT. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, ACTRAV, 2000.

QUADROS, Waldir. Classes sociais e desemprego no Brasil dos anos 1990. Economia e Sociedade, Campinas. V12 n.1 (20) p. 103-135, jan-jun 2003, São Paulo.

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RUBERY, Jill. Labour Market Structure, Industrial Organization, and Low Pay. Cambridge Journal of Economics, 1978.

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