Publicada originalmente na Agência Carta Maior. Se preferir, clique aqui e leia no local original.
Em entrevista à Carta Maior, o deputado Raul Pont (PT-RS), defende punição para envolvidos em irregularidades e necessidade de reconstrução programática do partido. “O PT e sua militância acabam sendo os principais atingidos e não alguns dirigentes, que devem ser avaliados e penalizados por sua conduta”, defende. E acrescenta: “A identidade política não é algo que você compre no armazém da esquina. Ela é resultado da consciência popular, do imaginário popular que vai se consolidando e se identificando com um projeto, com um partido, ao longo de décadas.
Marco Aurélio Weissheimer
PORTO ALEGRE – Secretário-Geral licenciado do PT, atualmente disputando a reeleição a uma vaga na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, o deputado Raul Pont avalia que os recentes acontecimentos envolvendo a tentativa de compra de um dossiê contra o ex-ministro da Saúde, José Serra (PSDB), atingem mais diretamente o partido. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Pont defende punição para os dirigentes envolvidos em irregularidades e reafirma a necessidade de uma refundação do PT, a partir de um programa e de um projeto de longo prazo para o país. “O partido foi o principal atingido e não dois ou três dirigentes, que devem ser avaliados, criticados e penalizados por seu comportamento. Essas coisas são corrosivas e desfiguram um projeto político”, afirma Pont.
“O que temos que fazer”, defende o ex-prefeito de Porto Alegre, “é pensar neste processo de reconstrução do PT, pensar o partido para o futuro, com uma preparação muito melhor dos nossos quadros, com formação política, militância nos movimentos sociais, preocupação permanente com a educação para a luta política e social dos nossos jovens e da estrutura partidária como um todo”. “Talvez a idéia que melhor concentre isso seja a proposta de refundação, que defendemos durante o Processo de Eleição Direita e durante o encontro nacional do PT. Precisamos refundar realmente este partido”, propõe.
Carta Maior: Qual sua avaliação sobre os acontecimentos políticos dos últimos dias na campanha eleitoral, em especial o caso do dossiê contra o candidato tucano José Serra, com a participação de petistas no episódio?
Raul Pont: Pelo que se recolheu do conjunto das informações até agora, tudo indica que nós continuamos pagando um preço semelhante ao pago no ano passado. A ausência de um projeto programático estratégico mais claro, o enfraquecimento da identidade do partido nestes últimos tempos, cada vez mais leva a que filiados ou até dirigentes partidários, pessoas com experiência, percam referência e acabem apelando para uma concepção imediatista, uma concepção clássica na política, de que sempre podemos justificar nossas ações pelos nossos objetivos finais. Acho que ficar refém do Congresso Nacional, cair em alianças contraditórias do ponto de vista programático e, agora, tentar fazer disputa política traficando informações, revela exatamente que o partido está sem um rumo claro e uma estratégia bem definida.
Se somos um partido transformador que quer mudar as instituições do país, não podemos ficar presos e reféns dessas práticas que são tipicamente dos partidos da ordem, dos partidos que são predominantes no Brasil. Partidos que sempre praticaram e continuam praticando essas coisas. Claro que para eles a própria mídia não dá grande destaque. Como já ouvi de vários jornalistas, não há nenhuma novidade nestes casos, pois eles não esperam outra coisa destes partidos: fisiologismo, corrupção, patrimonialismo, aparelhamento do Congresso ou dos ministérios para fazer negócios, etc. De nós, falam estes jornalistas, eles esperavam outra coisa, uma outra visão, uma outra orientação, uma outra perspectiva. E é isso justamente que marcou nossa trajetória nas primeiras décadas. Nós não tínhamos, nos nossos primeiros governos municipais, nas nossas práticas parlamentares, esse tipo de prática. Era exatamente o contrário.
Nos parlamentos, nossa característica sempre foi a de sermos os grandes lutadores contra privilégios, contra verbas assistenciais manipuladas pelos deputados. Sempre combatemos a figura da emenda parlamentar. Quando fomos governo, nunca fizemos dessas emendas moeda de troca. Uma coisa é você ter um parlamento com maior ou menor poder de influência ou de construção orçamentária a partir da prerrogativa que o Legislativo tem, de ser a instituição competente para votar o orçamento. Outra coisa é se render a essa lógica, quando se está no Executivo. Esses recentes acontecimentos mostram que o partido carece de uma concepção, de um projeto que coíba naturalmente seus militantes do exercício de determinadas práticas. O partido foi se esgarçando, foi se institucionalizando, e alguns setores foram admitindo e tornando banais essas práticas. A conseqüência disso é que hoje somos vítimas dessas práticas. É o que está acontecendo hoje.
Não tem lógica, não tem cabimento esse último acontecimento. As tais informações que estariam no tal dossiê poderiam perfeitamente, com um pouco de trabalho, ser acessadas via CPI no Congresso ou através de um acompanhamento das investigações junto à Polícia Federal e outros órgãos públicos. Não haveria crime nisso, faz parte da disputa política em qualquer democracia. Agora, traficar informações com bandido? É evidente que isso acaba se transformando em um instrumento com possibilidade enorme desse tiro sair pela culatra, de virar algo contra as pessoas que o praticam, que foi o que aconteceu. Conseguiram transformar algo que já era quase de conhecimento público e que poderia ter incidido em uma disputa regional – pelo esclarecimento dos eleitores de quem é quem no ninho dos tucanos, de quem era quem no momento em que essa quadrilha operava com maior desenvoltura no ministério da Saúde, durante o governo Fernando Henrique Cardoso – em algo em que nós nos tornamos os principais prejudicados.
CM: Quem são exatamente os maiores prejudicados neste processo todo?
RP: Não são meia-dúzia de dirigentes. Mais uma vez, a mídia utilizou todo o seu poder para atingir o partido. É só avaliar o tratamento que foi dado aqui no Rio Grande do Sul, na Zero Hora, em outros jornais, na televisão, no rádio. O partido foi o principal atingido e não dois ou três dirigentes que devem ser avaliados, criticados e penalizados por seu comportamento. Essas coisas são corrosivas. Não tem jeito.
Não tem como achar que você faz essas coisas uma vez e depois é borrão e nota nova. Não é assim. Essas coisas desfiguram um projeto político. E agora estamos vivendo mais um acontecimento desses que também pode ter um prejuízo muito grande, principalmente para o PT, em seus resultados regionais. É aí que nós podemos pagar o preço mais alto. Provavelmente, a própria candidatura presidencial, pela relação direta que ela estabelece com a população e pelas políticas públicas que o governo vem desenvolvendo, consiga uma segunda vitória e uma reeleição do projeto. O preço que vai pagar o partido, o preço que vai pagar a vanguarda social que sempre nos acompanhou, esse é o problema. E isso a gente recolhe diariamente na campanha. Todos os dias estamos conversando com as pessoas e ouvindo isso. Não só em relação a esse episódio, mas também em relação aos anteriores.
É isso o que a gente vê. As campanhas em Porto Alegre sempre foram campanhas onde o nosso out-door era a janela dos apartamentos, era a janela das casas, o portão das pessoas que espontaneamente nos ajudavam nas campanhas, assumiam como eleitores. Nós tivemos vitórias enormes aqui desse jeito. O Lula nunca perdeu aqui. O Olívio, em 1998, tirou uma diferença em Porto Alegre de 200 mil votos. Como é possível que em cinco ou seis anos isso mude tão rapidamente, senão pelo enfraquecimento de nossa identidade política? A identidade política não é algo que você compre no armazém da esquina. Ela é resultado da consciência popular, do imaginário popular que vai consolidando e se identificando com um projeto, com um partido, ao longo de décadas, porque começa a ver nele um defensor de seus interesses. Isso nós construímos nos 15, 20 primeiros anos. E agora sofremos algumas importantes derrotas políticas para o partido.
CM: Qual o efeito dessas derrotas para o partido, especificamente?
RP: Você só pode medir a dimensão do que isso significa quando você enfrenta uma campanha eleitoral massiva, quando milhões de pessoas estão envolvidas. O que vemos hoje é que esses milhões, ao menos em relação ao partido, diminuíram. Podemos até manter um resultado semelhante aos anteriores. O partido certamente vai sobreviver a isso, mas o custo que pagamos e vamos continuar pagando por um tempo ainda é brutal. Nunca se sabe qual é o novo sobressalto. Nunca se sabe qual é a nova quebra que um ou outro dirigente pratica ali na frente. Até porque o partido meio que absolveu dirigentes envolvidos em irregularidades. Desde a crise de 2005 até hoje, o Diretório, por maioria, sempre se recusou a levar a fundo essa avaliação e fazer um corte efetivo para que as pessoas mantivessem uma relação de identidade sólida conosco.
Já pagamos um preço altíssimo por essas aventuras, por esses erros cometidos. Essa política não é só uma política onde meia-dúzia de pessoas se rendem à contravenção. Ela é muito mais profunda e tem um viés que é programático mesmo. Conhecendo os dirigentes que se envolveram nisso, penso que talvez eles estivessem convencidos de que estavam fazendo o grande lance, a grande jogada para virar a campanha e derrotar o adversário. Afinal, é isso o que importa para eles. Essa é uma visão equivocada. A gente pode até perder uma eleição. Uma derrota eleitoral faz parte do processo democrático e deve ser vista como algo natural, pois depende de um conjunto de variáveis. Quantas vezes já vimos na história do Brasil que um plano econômico, um acontecimento circunstancial, pode abalar e alterar comportamento de milhões de pessoas. Nós mesmo já passamos por isso.
Agora, uma derrota eleitoral é uma derrota eleitoral. Nós estamos sofrendo derrotas políticas, onde a maior ameaça é perder referência. Nós estamos sendo chamados nas ruas de mensaleiros, mensalistas e corruptos. Isso depois de uma trajetória inicial que quebrava e rompia com toda essa tradição. Para não falar da perda de referência junto à juventude. Nós éramos uma referência oposta a essas práticas típicas dos demais partidos. Isso era o mais forte. Não foi uma nem duas vezes que, cobrando de jornalistas ou radialistas o tratamento diferenciado, extremamente duro, dado ao PT, em comparação ao dado a outros partidos, ouvi sempre a mesma resposta (que também é equivocada): a cobrança é dura porque nós éramos diferentes. Então, os críticos têm todo o direito de nos cobrar em dobro. Os outros, diziam, nós já sabíamos que eram corruptos. A esperança era o PT. Esse sentimento não tem preço, esse sentimento foi quebrado pelas políticas e comportamentos adotados por alguns dirigentes. Eles têm que ser punidos por isso, talvez até afastados do partido. Não tem explicação a adoção desse tipo de comportamento entre nós.
CM: Considerando esse cenário, o que deve ser feito nesta reta final da campanha?
RP: Conversei com outros dirigentes do partido sempre cobrando a necessidade de nós, o mais rápido possível, organizarmos uma reunião do Diretório Nacional para fazer uma avaliação desse processo. Precisamos dar uma resposta partidária ao conjunto da base do partido, dos setores que estão próximos da gente, de toda uma vanguarda social que continua, apesar de tudo, nos tendo como referência. Acho que vamos eleger uma bancada razoável em todo o país. Mas o problema não é esse. O problema é perder a identidade. Isso é o que não pode. Se vamos ter competência para reconstruí-la, se o partido vai ter capacidade de se recuperar em um segundo mandato, soterrando esses erros e retomando uma relação de esperança e transformação, o tempo e a nossa ação é que vão dizer.
Entendemos que, neste momento, o que precisamos fazer é continuar dedicados às nossas campanhas, reeleger o presidente Lula, procurar levar para o segundo turno o maior número possível de estados e manter os estados que governamos. Não é fora de propósito a idéia de que é possível manter a mesma bancada. Possivelmente, no país, percamos um pouco, mas nos estados temos condições de eleger boas bancadas. E o que temos que fazer, fundamentalmente, é pensar neste processo de reconstrução do PT, pensar o partido para o futuro, com uma preparação muito melhor dos nossos quadros, com formação política, militância nos movimentos sociais, preocupação permanente com a educação para a luta política e social dos nossos jovens e da estrutura partidária como um todo. Talvez a idéia que melhor concentre isso é a proposta de refundação, que defendemos durante o Processo de Eleição Direita e durante o encontro nacional do PT. Precisamos refundar realmente esse partido. E essa refundação passa fundamentalmente por um programa e por um projeto de longo prazo.
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