A leitura dos últimos acontecimentos pode permitir várias abordagens, diversos vieses. Do nosso ponto de vista, essa ampla mobilização da juventude e de outros setores sociais que ocorre em nosso País não é motivo de temor ou preocupação, pois quanto mais a cidadania assumir diretamente a sua participação, mais estamos caminhando na construção de uma sociedade profundamente democrática.
Os governos têm a obrigação de tratar esses movimentos como movimentos sociais e, portanto, como expressão da soberania popular. Não é possível tratá-los como caso de polícia, com aparatos policiais na repressão aos movimentos. São expressões legítimas, e o papel dos governos e dos partidos é fazer a leitura correta do que ocasiona essas mobilizações. São muito difusas, diversas e não cabem nesse figurino simplista que certos partidos tentam dar, de oposição ao governo A ou B.
As principais mobilizações estão ocorrendo em prol do passe livre, no caso de São Paulo. Aqui em Porto Alegre é o movimento amplo da juventude com relação ao custo da passagem, ao custo do transporte coletivo e defesa de torná-lo público.
Essa é uma reivindicação que cabe aos governos responderem. Cabe a reivindicação ser encaminhada e atendida do ponto de vista das possibilidades governamentais, da alteração de alíquotas tributárias, da diminuição da taxa de lucro dos empresários, de mudança na regulação do transporte. Temos vários caminhos e possibilidades. Esse é o papel também do Parlamento.
Mas as pessoas estão nas ruas também contra a intolerância de iniciativas legislativas, como é caso do estatuto do nascituro e a iniciativa votada no dia 18/6 na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, de uma flagrante intolerância e de caráter medieval em relação ao homossexualismo e ao tratamento da homossexualidade como doença.
Essas coisas revoltam a população e setores organizados, que em redes sociais se manifestam, assim como têm-se manifestado contra o mau uso do dinheiro público, em gastos exagerados em relação à Copa do Mundo ou a outras obras públicas.
É positivo que a sociedade tenha essa participação e essa cobrança. E o papel dos partidos políticos da esquerda é o de abertura e sintonia com esses movimentos. É importante compreendermos isso na sua diversidade e na sua extensão, e combatermos todo e qualquer preconceito que ocorra no seu interior, como, por exemplo, as manifestações dentro do movimento contra partidos e contra a política, como se todos os partidos fossem iguais, como se a política fosse toda ela reduzida a uma única posição, a uma única visão de mundo, a uma única proposta em relação às alternativas e aos desafios que se apresentam para qualquer governo.
É fundamental reafirmar a posição não só da nossa bancada, mas do nosso partido de dialogar, ouvir, onde somos governo, para que possamos encontrar soluções mais rápidas e melhores para setores cada vez mais amplos da sociedade.
Foi assim que o governo federal construiu as suas políticas de habitação popular; de garantia do ganho real do salário mínimo acima da inflação; de ampliação das vagas universitárias e nas escolas técnicas federais. É assim que estamos atendendo a um conjunto de demandas e reivindicações do nosso povo. Queremos, no diálogo, no debate, na discussão, continuar atendendo e incorporando esse processo rico à construção e sustentação da nossa democracia.
Temos uma democracia meramente representativa, extremamente formal e marcada por um sistema eleitoral onde predomina o poder econômico. Ela não passa de um simulacro de efetiva soberania popular. Precisamos compreender que a melhor maneira de fazer isso é estimularmos e criarmos mecanismos de participação direta da população. Quanto maior for o número de canais de participação direta – na votação dos orçamentos, nos conselhos municipais, nas conferências, nos congressos – mais estaremos caminhando nessa direção.
A mudança do nosso sistema político também é imprescindível para fazer avançar nossa democracia. Muitas vezes, já trouxemos números, dados que demonstram que há uma coincidência enorme entre os eleitos e as campanhas mais caras. Consequentemente, podemos dizer que caminhamos para um processo eleitoral em que predomina efetivamente o poder econômico.
Portanto, os governos e os partidos que têm sintonia e preocupação popular devem estar abertos para ouvir o clamor desses movimentos e lutar – como estamos fazendo –, por uma lei de iniciativa popular para que possamos fazer uma reforma política eleitoral no Brasil que nos permita melhorar esse sistema de representação.
Não são só reivindicações ambientais, reivindicações por uma melhor qualidade de vida nas cidades. Principalmente na capital paulista, quem vive no quotidiano o inferno de ter que se deslocar numa cidade que não anda, de ter que depender de transportes coletivos extremamente precários, lotados, sofrendo constrangimentos e perdendo tempo diariamente nesse processo, chega a um grau de estresse, de esgotamento em que a cidade, ao invés de ser local de uma vida racional, permissiva ao lazer, à cultura, à recreação, passa a ser um verdadeiro castigo.
Compete efetivamente ao sistema político-administrativo encontrar alternativas para essas questões. As pessoas, por outro lado, estão com uma ojeriza, um preconceito em relação à política exatamente pela criminalização que a política sofre por parte dos grandes meios de comunicação e da direita antidemocrática. É visível, também, que os movimentos sociais tomam consciência disso e dirigem suas críticas a esse oligopólio da informação. Isso tem que ser dito, e é claro que não serão os jornais e as televisões desses grupos que irão fazê-lo. Estes são os principais responsáveis pela desinformação do povo, são os responsáveis pelo estímulo à violência, ao escândalo, ao sensacionalismo, sem ajudar as pessoas a compreender os processos históricos a selecionar as opiniões e o contraditório numa construção da cidadania.
As manifestações têm sido duras em relação ao sistema político administrativo em que vivemos como a essas formas de informação que criminalizam e criam preconceito contra os partidos e, consequentemente, contra a política como um todo. Nossa tarefa é conscientizar e explicar como isso ocorre.
Estamos para votar um projeto de lei já completamente superado pela votação que fizemos do Fundo de Previdência do Estado. Entretanto, o objetivo da lei que tramita nesta Casa a esse respeito é viabilizar a tentativa de passar uma emenda que comprometa de novo o poder público, o Estado, com uma previdência própria para os parlamentares.
É justamente esse tipo de privilégio que cria uma visão negativa, uma visão que leva a sociedade a achar que as pessoas estão no exercício da função pública para melhorar de vida, para se locupletarem, para estabelecer vantagens pessoais. Isso também temos de combater e fazer o enfrentamento político em cada Parlamento.
Queremos, portanto, reafirmar o sentido positivo das mobilizações. A soberania popular se expressa de forma direta, e queremos que ela seja permanente, no sentido de ter os canais da democracia participativa, do orçamento, dos conselhos municipais, estaduais, das conferências, dos plebiscitos. Essas são as formas concretas com que o poder público tem de responder e que tem de colocar à disposição da população para que ela possa canalizar os seus anseios, as suas críticas de forma muito mais positiva e eficiente em relação ao Estado.
* Raul Pont é Deputado Estadual (PT-RS) e membro da Coordenação Nacional da DS.