A Democracia Socialista apresenta Raul Pont como candidato à presidência nacional do PT. Essa iniciativa busca contribuir para unificar a esquerda partidária e expressar a melhor síntese possível das elaborações críticas dentro dos marcos simultâneos da defesa do PT como partido socialista e democrático e do seu programa, construído nos seus encontros, como referência para a ação governamental e para alianças.
Nessa entrevista, Raul enfatiza uma plataforma política que preza o fortalecimento do partido, sua autonomia frente ao governo e a luta pelas bandeiras históricas, com destaque para a democracia participativa e uma nova política econômica.
Qual o seu balanço do PT hoje?
O principal problema do partido hoje é sua perda de identidade e de nitidez política, que foi o que nos fez, ao longo de duas décadas, o maior partido do país em representação política legislativa individual e nos levou à conquista da Presidência da República. Essa perda decorre de algumas razões evidentes, como o rebaixamento programático após a vitória eleitoral e a subordinação do partido a uma lógica de governo.
A maioria da direção partidária, ao não manter a necessária autonomia em relação ao governo, subordina o PT a uma condição de refém de uma ampla frente política que vai além do centro. Outra grave conseqüência dessa governabilidade via alianças no Congresso é que abdicamos de criar os necessários mecanismos de democracia participativa, sem os quais um partido como o nosso se esvai e entra em crise.
Essa estratégia até agora só colheu derrotas e vem paralisando o governo e desmobilizando o partido. Acredito que dá para mudar. O Partido quer retomar seu programa e seus compromissos. Isso começa com a participação popular e com o protagonismo do partido frente ao governo. Esse é o caminho mais seguro para vencermos em 2006.
É viável uma alternativa baseada na participação popular?
É claro que é viável. Não se trata aqui de especulações ou sonhos, mas de experiências vividas. O mais rico das nossas administrações municipais e algumas estaduais foi governar na adversidade, sem maioria nos legislativos. E provamos que isso é possível, sem abdicar de alianças e sem desconsiderar o parlamento.
Apostamos firmemente na governabilidade que nos dá a democracia direta, com a participação da população através de instrumentos de decisão sobre as políticas públicas, tais como o Orçamento Participativo, os conselhos setoriais, os congressos e fóruns de decisão. Neles, o Executivo devolve à população a soberania popular de decidir o gasto público. Nada impede ter essa ousadia e essas iniciativas no presidencialismo.
Por outro lado, não há justificativa plausível para a atual política de juros e a condução econômica do país. Centenas de economistas do campo popular e socialista reafirmam isso. Se o problema é a inflação, por que não há o mesmo rigor com os preços das tarifas e bens de uso público como telefonia e energia elétrica? A telefonia, por exemplo, já reajustou suas tarifas em mais de 4.000%. Meia dúzia de oligopólios controlam as grandes cadeias de distribuição de gêneros de primeira necessidade, e os medicamentos e os serviços tornaram insuportável a vida para mais de 85% dos brasileiros que vivem nas áreas urbanas. Isso tudo é tão inflacionário quanto os juros, que no Brasil são agiotagem escancarada.
Qual o papel do partido?
Vamos equilibrar essas questões. Vamos garantir que o Partido cumpra o seu papel de defesa do governo sem perder sua capacidade crítica, sem perder a relação ou se afastar dos movimentos sociais. Deles nascemos e deles sempre retiramos nossa força e capacidade de crescimento.
Não perder a identidade é também não perder a ética e rigor nas relações de governo e nas alianças. Não pode haver política de alianças que nos torne pragmáticos e relativistas frente a tudo aquilo que sempre combatemos, que nos torne complacentes ou omissos frente à corrupção, ao tráfico de influências ou ao enriquecimento ilícito.
Manter nossa identidade é retomar e ter ousadia de fazer avançar um programa que pense um país grande, que cresça e distribua renda e que produza o verdadeiro enfrentamento à desigualdade social. Isso significa jornada de 40 horas, emprego em larga escala, recuperação acelerada do poder de compra dos trabalhadores e dos aposentados e prioridade para a pequena e média produção no campo e na cidade. Significa, também, romper com a ideologia neoliberal e sacudir esse discurso surrado do mercado todo poderoso e do Estado reparador de “falhas” do mercado. Nós sabemos que isso é falso e não tem nenhuma base na nossa histórica econômica.
Todos nossos ciclos de crescimento econômico duradouros tiveram a presença e o papel indutor do Estado e a clara consciência de que o Estado nacional não desapareceu. Essa referência é cada vez mais necessária se quisermos romper com a dominação imperial e construir a unidade dos iguais entre os subdesenvolvidos da América do Sul e do Caribe e com as demais nações oprimidas do mundo. Essas são as idéias que permitem recuperar identidade e mostrarmos ao país que a caminhada é dura, difícil, mas que é possível vencer de novo em 2006 com os 53 milhões que acreditaram e confiaram em nós em 2002. Aí, seguramente, não estavam os “aliados” do centro-direita, muito menos os inimigos encastelados no PSDB e PFL.
Você tem comentado muito sobre a necessidade de reforma política. Qual a sua importância?
Esse é um bom exemplo sobre o que falávamos sobre iniciativa política. É uma questão urgente e imperiosa para uma verdadeira democracia. Sobre ela, inclusive, penso que temos uma boa coesão partidária. Afinal, nós já vivemos na carne e sabemos que não dá para ter um presidencialismo que permita à esquerda vencer as eleições e não governar. É um absurdo ter 53 milhões de votos e não eleger nem 20% da Câmara Federal. E isso é resultado do anacrônico voto nominal, de um sistema partidário permissivo, fisiológico e sem ética – mais de 190 deputados já mudaram de partido em dois anos e meio de mandato –, da falta de proporcionalidade idêntica para todo o país na representação da cidadania na Câmara Federal, entre outras questões.
O presidente José Genoíno disse à imprensa que “nem os aliados concordam com a reforma” e que o governo já recuava de suas pretensões. Isso é mais uma prova de que essas alianças não nos interessam, são contra nós. Ganharíamos muito mais fazendo uma grande campanha de esclarecimento público, de educação para a cidadania, de por que a reforma é necessária, organizando um grande movimento para pressionar o Congresso, do que ficando reféns daquilo que os “aliados” gostam ou não gostam.
Tenho certeza que estariam conosco as forças populares, os sindicatos, as igrejas progressistas e a opinião pública que clama por ética na política. Mesmo que não alcançássemos uma vitória expressiva ou até não aprovássemos o necessário, a experiência vivida, as forças acumuladas e a nitidez para toda a sociedade de “quem era quem” no processo já seriam um grande ganho e um avanço para nossos embates.
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