No dia 10 de dezembro, durante as 24 horas de ação feminista pelo mundo organizada pela Marcha Mundial das Mulheres, milhares de mulheres estiveram nas ruas de 33 países. No Brasil, o dia foi marcado pela luta, resistência e solidariedade às mulheres da chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte.
O lema foi a defesa da autonomia das mulheres e da soberania alimentar como parte da nossa luta por outro modelo de (re)produção e consumo, para o bem estar de todas e todos e em harmonia com a natureza.
Em 15 cidades de 10 estados pintamos as ruas de lilás, ecoamos nossas vozes ao som da batucada, para exigir que a terra em Apodi continue fortalecendo um projeto de mudança e rechaçamos o projeto de desapropriação dessas terras para serem entregues a cinco empresas do agronegócio.
A mobilização em Apodi
O ato em Apodi foi a principal atividade, no Brasil, das 24 horas de ação organizada pela MMM. Essa manifestação foi parte de um processo de luta – de mais de um ano – contra a desapropriação de uma área com cerca de 14 mil hectares (o equivalente a 14 mil campos de futebol) para a implementação de um projeto de fruticultura irrigada. Ali, habitam atualmente cerca de 800 famílias, divididas em cerca de 30 comunidades rurais. Esse projeto foi articulado pelo Ministério da Integração Nacional através do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), com investimentos provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e pretende transformar a região em um perímetro irrigado voltado para a produção de frutas por empresas do agronegócio.
Para a Marcha Mundial das Mulheres esse projeto é inviável, já que dados do próprio governo mostram que há no Nordeste cerca 140 mil hectares de terras em perímetro irrigados ociosos, sem funcionamento. De fato, esse projeto quer transformar um território no qual predomina a agricultura familiar e camponesa, que produz alimentos saudáveis, em uma área dominada pelas transnacionais da produção de frutas para exportação, com utilização de agrotóxicos em grande escala. A consequência disso será a concentração das terras, da água e da biodiversidade, e transformação de partes destes camponeses e camponesas em mão de obra barata em trabalho precarizado, características do agronegócio brasileiro.
No dia 10 de dezembro, lá estavam cerca de três mil mulheres de vários municípios do Rio Grande do Norte: Apodi, Caraúbas, Upanema, Governador Dix-Sept Rosado, Olho D’água dos Borges, Felipe Guerra, Açu, Carnaubas, São Rafael, Pendências, Tibau, Baraúnas, Trairí, Seridó, Campo Grande, Mossoró, Touros, de São Miguel do Gostoso e da capital do estado, Natal. Isso evidencia um amplo processo de organização estadual que garantiu a possibilidade dessa grande manifestação. Mas estavam também, entre outras, lideranças nacionais da MMM como Carmem Foro (secretaria nacional de mulheres da CONTAG), Rosane Silva (secretaria de Mulheres da CUT), Nalu Faria (Coordenação Nacional da MMM e da SOF).
A marcha foi organizada em alas de acordo com os eixos da Carta Mundial das Mulheres: Igualdade, Liberdade, Justiça, Paz e Solidariedade. A cada uma correspondia uma cor e um estandarte construído em mutirão, também parte do processo de auto-organização das mulheres. À frente das alas a batucada feminista entoando os gritos de luta e marcando o passo de todas as mulheres.
No centro da cidade, no seu principal cruzamento, se fez uma parada para o ato, no qual várias tomaram o microfone para expressar o posicionamento político da ação e marcar a disposição de seguir a luta até recuperar a soberania sobre seus territórios.
Na fala de Carmem Foro, se destaca a força da Marcha das Margaridas e afirma: “Este é o mesmo local onde o ex-presidente Lula anunciou em 2005 o conjunto de programas Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) Mulher e Pronaf Agricultura Familiar. Portanto, é uma contradição muito grande. É a expressão da disputa do modelo de produção agrícola. É outro programa contrapondo ao projeto de convivência com o semi-árido e de produções agroecológicas construído ao longo de vários anos pelas comunidades locais e reconhecido nacional e internacionalmente”.
Rosane Silva, da CUT, destacou a importância dessa mobilização, o seu caráter nacional e que mulheres da cidade e do campo estão unidas. De acordo com a dirigente da CUT, após a Marcha das Margaridas realizada no ano passado, a presidente Dilma suspendeu a assinatura do projeto, mas essa suspensão foi logo revista: “Infelizmente, não temos um canal de diálogo aberto. Há toda uma preocupação, um empenho nacional em buscar este diálogo com o governo. Nossa esperança é que com este ato expressivo e sua repercussão o governo convoque uma conversa com os atores envolvidos. É um processo incansável de luta até que sejam respeitados os direitos da população local com a suspensão permanente do projeto”.
Nalu Faria destacou a importância da organização internacional das mulheres para lutar contra o patriarcado e o capitalismo e ressaltou que “o que precisamos é ampliar a reforma agrária e nós sabemos que quando somos expulsas de nossas terras enfrentamos mais violência, prostituição e empregos precários. Aprendemos na prática a não separar nossas lutas e a luta por autonomia econômica segue junto com a luta por autonomia e soberania sobre nossos corpos, por uma vida sem violência e com direito a decidir sobre nossa sexualidade e nosso corpo”.
Foi emocionante a fala de Kika, Francisca Antonia de Lima Carvalho, vice-presidente do sindicato de Apodi sobre a luta das mulheres da região, o avanço da produção agroecológica e o significado da terra e da convivência com o semiárido para a construção de um modelo que responda a necessidade de mulheres e homens do campo. O ato terminou com o depoimento da Ika, Francisca Helena de Paiva, liderança da agrovila Palmares, em Apodi, contando a ação cotidiana das mulheres ali na chapada e suas ações para resistir a esse projeto que elas chamam de contra reforma agrária e de projeto de morte.
Logo em seguida, a marcha seguiu até o sindicato e depois para a chapada onde foi colocada uma placa que diz: “A Chapada do Apodi é território da agricultura familiar e camponesa. Aqui, já fazemos desenvolvimento”. O recado dado pela placa é um contraponto ao discurso do DNOCS que anuncia a chegada do desenvolvimento na cidade. No momento do hasteamento das bandeiras, que demarcou a reapropriação popular esse território – desapropriado pelo decreto federal – foi lido o estatuto das mulheres do Apodi. O documento determina que o Governo Federal deve considerar a chapada do Apodi como território da agricultura familiar camponesa, estabelece que a luta em defesa desse território é uma bandeira de todos aqueles e aquelas que defendem uma sociedade de igualdade. E que a Chapada continuará com sua beleza, com sua gente e com sua alegria.