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Resistir e construir uma nova cultura política

*Por Mario Magno

A semente ensina a não caber em si mesma. Há 18 anos, a Kizomba abraça a história das lutas de todos os povos pela construção da liberdade. Ao longo desses anos vimos nossa história sendo contada sobre nós, como somos, como vivemos, com o que sonhamos… Nos comprometemos com a construção do que idealizamos ser “uma nova cultura política”, por isso caminhamos ao lado daqueles e daquelas que desejam reinventar o modo de seduzir o movimento estudantil. Incorporamos a sabedoria das vozes de homens e mulheres de luta que ousaram se rebelar contra o domínio eurocêntrico, patriarcal, heteronormativo e imperialista. Por tanto, antes de mais nada, dedicamos nossos sonhos às vozes de Zumbi e Dandara, Che Guevara, Chico Mendes, Rosa Luxemburgo, Margarida Alves, do Quilombo dos Palmares e do povo Guarani-Kaiowá.

Anos sucessivos de hegemonia e ofensivas do neoliberalismo foram responsáveis por gerar dois movimentos antagônicos geracionais. O primeiro é exercido pelas estruturas dominantes, que impõem às novas gerações a necessidade de buscar na exploração da sua força de trabalho a expressão máxima de seus valores individuais, contribuindo assim com um dos pilares centrais de manutenção da sociedade de mercado. Essa pressão exerce grande influência e consequências sobre parte significativa das juventudes e é amparada por grupos e interesses econômicos que alimentam as desigualdades sociais de forma sistemática. O capitalismo como sistema excludente por essência, se estrutura a partir destas desigualdades que privilegiam uma minoria e massacram a maioria dos povos. A vigência deste sistema de desigualdades acaba gerando contradições profundas, incapazes de serem superadas dentro do capitalismo, e que sofrem contestações duríssimas ao longo da história.

O segundo movimento é conferido por aqueles e aquelas que manifestam resistência às ofensivas sistemáticas do neoliberalismo que impõe a retirada de direitos e conquistas da classe trabalhadora como resposta às crises cíclicas do capitalismo. É crescente vivenciar o protagonismo das juventudes nos movimentos de resistência à retirada de direitos, de questionamento da governança e do sistema político vigente. Sendo uma boa parcela desses sujeitos oriundos da democratização dos bens e serviços, onde protagonizam negros e negras, mulheres, LGBT´s, povos das periferias, do campo, quilombolas e indígenas que resistem aos desmandos do neoliberalismo. Precisamos entender, disputar e fortalecer esses movimentos, na mesma medida que precisamos ter a capacidade de atualizar nosso programa e construí-lo à muitas mãos, mentes e corações. Para isso, é exigido uma nova cultura de movimento, fundadas em novas práticas, novos valores, que não estão deslocados da nossa tradição histórica.

A conjuntura que vivenciamos aponta para a necessidade de consolidar a Kizomba como uma das principais frentes de juventude da América Latina, capaz de desenvolver formulações atuais, com foco nos desafios colocados, que torne possível o diálogo permanente com os núcleos de base, a coletivização das decisões e a coesão das ações políticas. É chegada a hora de compor uma nova melodia, à altura destes novos dias, que exigem de nós muita unidade, solidariedade, serenidade e responsabilidade. Chegamos num momento onde não é suficiente demarcar de onde vimos, quantos somos e para onde vamos. É preciso construir caminhos capazes de motivar cada vez mais consciências a seguirem o percurso conosco. Nosso tempo já é outro e qualquer intervenção nesse campo obedece hoje a outras determinações. Nós somos o que fazemos de nós. E os frutos que colhermos serão resultados do que cultivamos.

Assim, é vital que estejamos comprometidos e comprometidas cotidianamente com a construção de uma organização política de esquerda, que represente a busca constante pelo novo, não apenas no sentido de tempo, mas nos valores, nas bandeiras e nas referências que carregamos com ela. A crise de representatividade tem afastado as novas gerações da luta política. Precisamos incidir com ousadia, buscando sempre compreender nossos limites e possibilidades, a promoção da crença na disputa política não como problema, mas como saída possível para superarmos essa crise. O exercício de construir um projeto coletivo exige um esforço de convencimento dos sujeitos para que sintam pertencimento e parte do mesmo. Um processo colaborativo é necessário para reinventar as formas de abordagem, de organicidade e de envolvimento com a juventude brasileira.

Uma cultura política de novo tipo tem que ser presente, descentralizada, horizontal, que entra no fluxo dos movimentos da sociedade, sobretudo das juventudes, abrindo espaço para o ativismo incorporado ao corpo programático de uma organização revolucionária antenada com seu tempo.

A UNE é um dos maiores instrumentos de diálogo com as juventudes brasileiras, mas precisa ser fortalecida e referenciada entre este setor. A UNE é dos principais símbolos de resistência à velha cultura política imposta em tempos de golpe! A Kizomba deverá manter sua presença decisiva na construção da União Nacional dos Estudantes. O 55° Congresso da UNE é um momento de acumularmos forças, atualizar nossas formulações, recompor nosso trabalho de base ao longo de dois anos, disputarmos e apontarmos coletivamente os rumos a serem tomados no próximo período.

Alguns desafios demandarão nossas atenções em especial. Dentre eles: reforçar e fortalecer nosso campo de alianças (dentro e fora da UNE) em torno da agenda democrática e socialista, ao mesmo tempo que preservar nossa identidade, nossas bandeiras históricas que celebram a diversidade atual do movimento estudantil, como o feminismo, a promoção da igualdade racial, a luta contra a LGBTfobia e em defesa do meio ambiente. E não poderemos perder como centro do nosso compromisso com a UNE, a construção dos Fóruns políticos, a retomada dos conselhos de entidades de base, o fortalecimento e financiamento dos encontros temáticos como o ENUNE, EME e ENELGBT, a ocupação dos conselhos e fóruns extintos/esvaziados pelo MEC.

O segundo desafio é atualizar e difundir nosso programa político de forma envolvente e bastante mobilizada. Isso aponta a necessidade de retomarmos com maior intensidade os espaços de encontros, de elaboração e formação política. Aprofundar e reestruturar nossa capacidade de comunicação, deliberação, coletivização das tarefas e dos espaços.

Por fim, devemos ampliar nossa capacidade mobilizadora na mesma medida que adequamos nossos princípios e valores da Kizomba à prática organizativa cotidiana. De todos, este talvez seja o maior desafio. É preciso exercitar a paixão revolucionária, seja internamente, na construção de um movimento estudantil forte e combativo, seja na relação entre este e a sociedade ou na sociedade entre si. Exercitar nossa identidade por meio da cultura, da autoafirmação da nossa diversidade (que pode libertar, mas também aprisiona, se não vier acompanhada do fortalecimento do sujeito coletivo, do protagonismo e empoderamento dos agentes sociais). Estamos unidos e unidas, como coletivo, por meio deste encontro de diversidade de pensamentos, etnias, sonhos e histórias. Buscaremos alcançar novos patamares de entendimento, de diálogo e de companheirismo. Buscar aquilo que melhor permita o encontro do comum!

Viva a Kizomba, Viva a UNE, Viva a Democracia Socialista!

Nós que acreditamos na Liberdade não podemos descansar até que ela seja alcançada! ” Ella Baker

*Mario Magno é graduando em Humanidades na UNILAB (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) e membro da Coordenação Nacional da Juventude da Democracia Socialista – PT

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