A sociedade capitalista é marcada por uma relação bastante desigual entre capital e trabalho, dada a prevalência do poder econômico. A partir da luta política dos trabalhadores e das trabalhadoras foi-se construindo um sistema de regulação pública do trabalho, através da introdução de direitos e de um sistema de proteção social e, por outro lado, pelo reconhecimento dos sindicatos e de seu poder de contratação coletiva.
Entretanto, esses direitos são permanentemente questionados pelo capital através das inúmeras tentativas de reduzir ou flexibilizar direitos e de deslegitimar a representação sindical.
Nesse sentido, a sobrevida das dimensões corporativas, herdadas da Era Vargas, foi instrumentalizada à serviço de uma maior acumulação capitalista nos anos da ditadura militar e levada a um grau de barbarismo nos anos de chumbo do neoliberalismo.
Nos anos Lula, a classe trabalhadora constituiu novas dimensões de capacidade de organização e protagonismo político. Mas no Brasil do século XXI ainda lutamos contra o trabalho escravo e infantil, a alta rotatividade. A proteção da vida dos (as) trabalhadores (as) ainda é insuficiente (com intensificação dos acidentes e adoecimentos provocados pelo trabalho). A valorização do salário mínimo é importante, porém insuficiente em meio à enorme flexibilização das formas de contratação e remuneração do trabalho.
O mercado de trabalho ainda é promotor do aprofundamento das desigualdades para mulheres, negros e jovens. O tempo de vida social é cada vez mais ocupado pelo tempo de trabalho ao exercermos majoritariamente jornadas superiores à legalmente permitida e a democracia ainda não chegou aos locais de trabalho, com forte liberdade empresarial para utilizar a força de trabalho da forma mais adequada às suas necessidades de acumulação capitalista.
É imperativo que dimensionemos nossas potencialidades para propor uma nova relação entre a classe trabalhadora e o Estado, ou seja, com as suas instituições públicas garantidoras de direitos sociais e promotoras de políticas públicas. Esta nova relação busca superar as dimensões corporativas e mercantis que ainda estruturam, em grande medida, os direitos e as instituições das políticas sociais no Brasil.
Trata-se de superar o corporativismo herdeiro do getulismo e a mercantilização dos direitos sociais, mais recentemente aprofundada pelo neoliberalismo nos anos 1990.
A CUT nasceu crítica à estrutura oficial, organizando sua palavra de ordem original em defesa da liberdade e autonomia sindical. Desde a sua fundação, defende um sindicato organizado pela base, democrático, autônomo em relação ao Estado, com trabalhadores livres para definirem suas formas de organização sindical e de autossustentação financeira.
Assim, chegamos a uma proposta de Sistema Democrático de Relações de Trabalho – SDRT –nos anos 1990. Trata-se de uma plataforma por liberdade e autonomia sindical que propõe o pluralismo na organização, por meio do qual os (as) trabalhadores (as) possam optar livremente por entidades sindicais que melhor representem seus interesses de classe. Propõe que os sindicatos sejam organizados por ramo de atividade e não pela fragmentação imposta pela categoria profissional. Em substituição ao imposto sindical, propõe a taxa negocial, acordada em assembleia de base, que fortalece o sentimento republicano de cidadania participativa.
É neste contexto que também deve se inserir a OLT. Ela deve gozar de ampla liberdade – inclusive perante o Estado, o sindicato e o empregador -, deve ser autônoma, primar pela democracia, ser fonte construtora de consciência política, fomentar a participação cidadã. A OLT deve ser o espaço de organização de uma nova gestão do trabalho, espaço para avançar nos direitos e inibir práticas discriminatórias e o poder discricionário das empresas.
Por fim, o desejo de construção de relações de trabalho democráticas passa, obrigatoriamente, pela transparência das negociações. No Brasil, não possuímos quaisquer mecanismos que assegurem aos (as) trabalhadores (as) meios de ter acesso às informações dos empregadores que possam impactar nas relações de trabalho. Assim, as entidades efetuam as negociações às escuras, sem qualquer diálogo transparente e democrático e sem nenhum poder de interferir nas definições empresariais e alterar as prioridades.
Sem mecanismos para tornar mais transparentes e democráticas as negociações, a OLT acaba perdendo sentido, de acordo com a perspectiva de possibilitar o empoderamento dos (as) trabalhadores (as) no âmbito das relações de trabalho.
O “Acordo Coletivo Especial” – ACE
O momento – tanto econômico, quanto político – é de ampliação de direitos. O tema da valorização do trabalho precisa ser resgatado como central na agenda do Governo. Do ponto de vista das relações de trabalho, precisamos enterrar definitivamente o entulho criado no governo FHC e inaugurar uma nova era do ponto de vista das relações de trabalho em que o tema dos direitos faça parte dessa agenda.
Nossa luta deve ser por igualar direitos e avançar em nossa proposta de um Sistema Democrático de Relações de Trabalho, formulado desde a década de 1990.
Resgatar nossa formulação sobre negociação e representação sindical, organização no local de trabalho e sustentação financeira das entidades. A estrutura em que se apoia a construção do Direito em nosso país considera as negociações e acordos coletivos como instrumentos de consolidação e avanço dos direitos dos trabalhadores, portanto, não podem ser visto como espaços de flexibilização ou redução de direitos. Da mesma forma, a organização por local de trabalho não deve ser tratada como barganha em mesa de negociação, mas como um direito dos (as) trabalhadores (as) no seu local de trabalho, deve ser parte de uma concepção democrática.
Nesse sentido, a proposta de “Acordo Coletivo Especial”, apresentada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, responde a uma realidade específica e não dialoga com a realidade do conjunto do movimento sindical em que os índices de rotatividade são altíssimos e os níveis de sindicalização não ultrapassam 26%.
Compartilhamos de uma concepção de OLT em que os (as) trabalhadores (as) se organizam de forma autônoma em seus locais de trabalho.. É necessário aprofundar a reflexão sobre a organização no local de trabalho e pensar, inclusive, como esse processo ocorre em diferentes categorias. É fundamental atualizar o debate da OLT a partir da diversidade e complexidade e não de um modelo padrão.
A nossa proposta, deve centralizar o debate no modelo de organização que queremos e que considere todos os aspectos e a diversidade da classe trabalhadora com um olhar para as mulheres e raça. É necessário fazer um debate sobre as reformas estruturantes que mudem a correlação de forças em nossa sociedade. O debate da reforma sindical passa por isso. Devemos também considerar que qualquer negociação coletiva deve respeitar os direitos já conquistados pelos (as) trabalhadores (as), estejam eles previstos na Constituição, na CLT, em leis ou em outras normas coletivas.
O combate à rotatividade de mão-de-obra
No final de 2012, foi apresentada uma proposta para que se estendesse a multa em 10% – além dos 40% já definidos em lei – sobre o saldo de FGTS, no caso de demissões imotivadas, com o argumento de se frear a alta rotatividade de mão-de-obra, que caracteriza o mercado de trabalho brasileiro.
O acréscimo de 10% foi definido em Lei de 2001, logo após FHC denunciar a Convenção 158 da OIT que havia sido ratificada pelo Brasil. O término, supostamente, se daria até a reconstituição do patrimônio do FGTS, corroído em virtude dos sucessivos e fracassados planos econômicos neoliberais das décadas de 80/90.
Os empresários passaram a defender a ideia de que tal acréscimo não mais se justificaria e deveria ser extinto, apesar da Lei não falar o tempo exato de sua extinção.
A proposta apresentada pelas Centrais, sem qualquer debate profundo, prevê a criação de um fundo que seria constituído com o acréscimo de 10% da multa sobre o saldo de FGTS. Tal fundo seria acessado pelas empresas, para evitar crises, caso essas atendessem os requisitos de número máximo de índice de rotatividade.
O primeiro problema com relação ao projeto é de ordem ideológica. Historicamente, a luta dos (as) trabalhadores (as) defende a ideia de que recursos públicos sejam destinados à políticas públicas que visem melhorar as condições de vida da classe trabalhadora.
Porém, nesse projeto o que se vê é exatamente o contrário. São os recursos públicos sendo utilizados pelo capital, privativamente. A lógica do projeto é extremamente perversa e corrói a tentativa de construção e aprofundamento da solidariedade de classe. Isso porque a demissão de um (a) trabalhador (a) custearia a manutenção do emprego de outro (a). Tal ideia configura a competição de classe que sustenta a competição do capital. É a lógica competitiva do capital sendo transferida para o trabalho, cuja ação coletiva depende, exclusivamente, da ideia de solidariedade.
Outro problema profundo do projeto é que tais recursos não se destinariam a frear a rotatividade da mão-de-obra devido à simples lógica de organização do trabalho nos diversos setores econômicos.
Nos termos do projeto, os setores que utilizarão tais recursos públicos para precarizar a mão-de-obra – uma vez que eles se destinariam justamente para suspensões de contratos de trabalho, contratações a termo, etc – seriam aqueles setores que empregam trabalhadores com custo mais elevado – tanto de formação, quanto salarial -, transformando a medida em simples forma de diminuir tais custos. Os setores mais atingidos pela alta rotatividade não se enquadrariam nos índices exigidos no projeto, o que inviabiliza a utilização de tais recursos, retirando toda a lógica sustentada no projeto.
Para nós, as medidas realmente eficazes para frear a alta rotatividade, que caracteriza o mercado de trabalho brasileiro, seriam a ratificação da Convenção 158, que faz parte de um dos pontos essenciais para se democratizar as relações de trabalho no Brasil, instituindo um diálogo necessário entre trabalhadores (as) e empregadores para que o despotismo e a regra de que ao capital tudo cabe decidir possa enfim chegar ao fim, bem como uma reformulação profunda e estruturante da dinâmica produtiva, de modo que o Brasil passa a ser também produtor de tecnologia própria.
Os 101 pontos da CNI
A Confederação Nacional da Indústria – CNI apresentou ao Governo e ao Congresso Nacional 101 propostas de alteração das relações de trabalho, que integram a pauta do capital desde duas décadas atrás. Apesar de buscar apresentar novas justificativas, o projeto é antigo e tenta finalizar a profunda reforma flexibilizatória iniciada por FHC. Se nos anos neoliberais tais medidas implicaram o aprofundamento da crise econômica e a elevação das taxas de desemprego, no momento atual elas não possuem qualquer fundamento lógico, uma vez que mesmo com o PIB abaixo do idealizado, a distribuição de renda, propiciada por diversas políticas públicas do Governo, assegurou o crescimento econômico, a diminuição da taxa de desemprego para o índice mais baixo da história e a inserção social e econômica de grande parte da população brasileira.
O elemento central das propostas da CNI é a possibilidade de extensão indefinida das jornadas, pulverizando-se direitos de descanso dos trabalhadores como férias, repouso semanal, intervalos, limites de horas extras, como medida para aumentar a taxa de lucro, por meio do aprofundamento da exploração do trabalho.
Em síntese, as medidas propostas estão direcionadas no sentido de flexibilizar três aspectos centrais da regulação do trabalho: formas de dispensa e contratação, jornadas de trabalho e as diversas formas estabilidade.
As inovações tecnológicas justificam a redução da jornada, permitindo maior integração social dos (as) trabalhadores (as), tempo para estudo e descanso, sem que isso implique em flexibilização de direitos historicamente conquistados.
Sendo assim, massificar a campanha pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, a ratificação da Convenção 158 e outros pontos da Plataforma para a Classe Trabalhadora são as medidas mais imediatas para combater a volta da agenda neoliberal.
O trabalho como centro de um novo modelo de desenvolvimento
Neste contexto, a CSD tem agido para recolocar como eixo organizador da ação da CUT a defesa da Plataforma da Classe Trabalhadora, sendo a valorização do trabalho o centro de um novo modelo de desenvolvimento.
Para esta ação, se faz necessário que a CUT esteja mobilizada para barrar a influência empresarial no Governo (em franco crescimento) e para que este retome o diálogo com o movimento sindical, a CUT em especial.
Nos últimos 10 anos, assistimos a uma tentativa de retomada do papel indutor do Estado na economia brasileira, sendo este o responsável pela execução de políticas sociais, especialmente aquelas de redistribuição de renda, por exemplo, a política de valorização do salário mínimo (nesse caso, uma reivindicação do movimento sindical, conquista por meio de grandes marchas em Brasília e forte negociação com o Governo Lula).
De 2003 a 2011, geramos 15 milhões de postos de trabalho sem flexibilização de direitos. No entanto, tivemos bloqueadas as possibilidades de avançar em reformas historicamente reivindicadas pelo movimento sindical CUTista, como, as reformas sindical, política e tributária e a democratização dos meios de comunicação.
Atualmente, vivemos uma realidade de baixa taxa de desemprego. Entretanto, as taxas de rotatividade seguem altíssimas, independente do “aquecimento”, ou não, da economia. A rotatividade contribui para aumentar as inseguranças no mundo do trabalho e se expressa nos baixos níveis salariais, na ampliação dos anos necessários para aposentadoria, nos baixos níveis de sindicalização, entre outros.
A economia é um tema da política, logo é necessária uma atuação efetiva do Estado com participação popular. O crescimento que desejamos deve atender aos anseios de toda a sociedade, e a classe trabalhadora deve ter voz ativa nesse processo. Do contrário, corremos o risco de, mais uma vez, ser priorizado um projeto de desenvolvimento econômico sem o enfrentamento dos profundos problemas sociais.
Para tanto, são necessárias medidas que recoloquem a economia brasileira numa trajetória de crescimento sustentado que assegure a continuidade da geração de empregos e renda, num modelo que incorpore parcela crescente da população que está fora do mercado de trabalho formal, redistribuindo melhor o tempo de trabalho. A constituição de uma estrutura produtiva com bens e serviços de alto valor agregado deve gerar postos de trabalho de qualidade.
Diante das possibilidades geradas pelo crescimento, devemos fazer a disputa por um modelo de desenvolvimento em que o Estado seja o indutor, tenha capacidade de controlar as forças conservadoras do mercado, construindo uma via para o fortalecimento do movimento sindical e do desenvolvimento social. Crescimento econômico e desenvolvimento sustentável são distintos. Pode-se ter, e verificamos nos últimos anos em alguns países, elevação de PIB, mas não distribuição de renda, valorização do trabalho, inclusão social, diminuição das desigualdades. Nossa luta deve ser orientada para o crescimento econômico, mas com desenvolvimento sustentável, no âmbito social, econômico, ambiental e político.
Neste modelo de desenvolvimento, o fortalecimento do Estado é decisivo, assim como a radicalização da democracia em todos os espaços, desde as diferentes esferas de governo, até os locais de trabalho.
O conjunto das reivindicações construídas pela CUT estão sistematizadas na Plataforma da Classe Trabalhadora, produzida por amplo debate em nossa Central. Tal Plataforma deve ser recuperada nessa conjuntura. Com ela, temos plenas condições de fortalecer as alianças com os movimentos sociais populares e pressionar o Estado brasileiro.
O modelo de desenvolvimento proposto pela CUT combina crescimento econômico, valorização do trabalho e democratização e constitui a nossa Plataforma classista. É hora de concentrar esforços para que a valorização do trabalho vá ao centro do modelo.
Coordenação Nacional da CSD – CUT Socialista e Democrática
29 de janeiro de 2013