A direita brasileira já demonstrou que não tem limites éticos ou morais em sua gana pelo poder em nosso país. Se utiliza dos meios de comunicação hegemônicos para deturpar, caluniar, distorcer, despolitizar os debates políticos que precisam ser feitos com franqueza e participação do povo brasileiro.
No último dia 20 de agosto, enquanto milhões de brasileiras e brasileiros foram às ruas dizer que não queremos um Golpe de Estado, mas que temos a capacidade de tensionar o governo por mais Direitos e mais Democracia, o jornalista João Luiz Vieira, publicava devaneios infelizes sobre o corpo e sexualidade da Presidenta Dilma Rousseff em sua coluna na revista Época. (Veja aqui o show de horrores: http://naofo.de/6quf)
O texto, de um sarcasmo irresponsável e um cinismo extravagante, organiza uma opinião política a partir de divagações subjetivas do jornalista, e promove associações entre a vida pessoal da presidenta e seu desempenho enquanto chefa de Estado. É realmente muito irônico que Vieira fale dos adesivos misóginos e machistas no seu argumento, em uma tentativa (falida) de se enquadrar em outro perfil de gente. Utiliza-se de uma retórica rica para a reprodução de uma velha e pobre tática de desconstrução das mulheres na política: a supervalorização de sua vida pessoal.
“Não a conheço pessoalmente, não sei de ninguém que a viu nua, mas é bem provável que a sua sexualidade tenha sido subtraída há pelo menos uma década”, expurga o colunista, com o tom de quem se propõe a aconselhar a presidenta.
A primeira reflexão de devemos fazer é: em um momento de crise política e reais dificuldades econômicas, a quem interessa inferir sobre a sexualidade de uma mandatária. Uma pergunta fundamental: será que isto seria feito caso fosse um mandatário? Não tenho dúvidas de que a resposta é: não! Prova disto é que o argumento de Vieira se segue em uma vulgar comparação de Dilma com outras mulheres, a exemplo de Marta Suplicy, Angela Merkel e Michelle Bacelet.
Em todas as citações, o autor fala da vida familiar, quantidade de filhos, nomes dos maridos ou ex-maridos. Nenhuma linha sobre política. Isso é sintomático de uma velha estratégia do machismo. Ser mulher é um precedente indissociável dos discursos produzidos para a desqualificação de quadros políticos. No caso da Presidenta Dilma e deste cenário de polarização e muita disputa política sobre o governo federal, este recurso vem sido utilizado com frequência.
Não é de hoje que a presidenta Dilma é desrespeitada e alvo de discursos machistas e misóginos. Quando venceu as eleições em 2010, uma das coisas mais discutidas sobre sua figura era sua sexualidade. O emblemático quadro especial do Fantástico em que Patrícia Poeta entrevistou Dilma no Palácio do Planalto, é um excelente exemplo. O foco da matéria era a vida privada da Presidenta, seus atributos enquanto dona de casa, seus desafios na gestão daquele enorme lar.
Neste segundo mandato, e o feroz discurso de ódio e inconformismo com o resultado da disputa eleitoral, acirrou ainda mais o tom das narrativas, saindo da mera ridicularização para uma ostensiva jornada rumo à violência contra o corpo da Presidenta Dilma. Memes de internet, adesivos para carros, vídeos eróticos, montagens, colagens, uma infinidade de conteúdos misóginos circularam com velocidade nas veias abertas das redes sociais. Boa parte destes materiais surgiram do anonimato, mas não é preciso jogar grãos de milho no chão para refazer o seu caminho de origem. Eles dialogam muito com as inúmeras matérias que veículos como a Veja, a Época e a Folha de São Paulo (dentre outras) fizeram no sentido de descaracterizar a trajetória política de Dilma Rousseff.
Enquanto mulher, militante e representante das mulheres organizadas na União Nacional das e dos Estudantes, não estou aqui para fazer a defesa irrestrita do governo Dilma. Assim como não o fiz nas ruas no dia 20 de Agosto. Meu papel aqui é compreender e fazer compreender o nível de fascismo e irresponsabilidade política que as ações da Direita têm organizado, além disso, o impacto que isto tem sobre a vida de todas nós.
Enquanto vítima do machismo estruturante da política brasileira, e lutadora do povo, Dilma sou eu e eu sou Dilma. As dores dela doem em mim, e não vão passar em branco. É inaceitável que estes veículos de comunicação, aqui personificados na figura do jornalista João Luiz Vieira, não consigam publicizar, por exemplo, que o governo da Presidenta Dilma, foi o que mais, na história deste país, beneficiou e melhorou a vida das mulheres brasileiras.
Vieira esqueceu de dizer que, no governo Dilma, a renda per capita das famílias chefiadas por mulheres dobrou entre 2011 e 2014; esqueceu de dizer que das famílias inscritas no Cadastro Único, 88% são chefiadas por mulheres, dentre as quais, 68% são negras; que das famílias beneficiárias do Bolsa-Família, 93% são chefiadas por mulheres; que mais de 1,17 milhão de mulheres foram matriculadas em cursos de qualificação profissional; que 137,8 mil das famílias campesinas chefeiadas por mulheres são beneficiárias de programas de Inclusão Produtiva Rural do Ministério de Desenvolvimento Agrário; que 615,7 mil cisternas de consumo e 108,5 mil cisternas de produção e outras tecnologias sociais foram entregues a famílias chefiadas por mulheres, que não possuíam reservatório de água em suas propriedades rurais; que outros programas como o Agroamigo, o Bolsa Verde, o Luz para Todos, o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, o Minha Casa Minha Vida e a Ação Brasil Carinhoso, tiveram um impacto impressionante na vida e luta por autonomia das mulheres brasileiras.
A verdade é que sabemos que eles não esqueceram e tampouco desconhecem esses dados, mas que os omitiram e, muitas vezes, mentiram sobre eles. Sabemos que o discurso dominante da mídia consiste em despolitizar o debate sobre as ações do Governo de acordo com suas conveniências ligadas à disputa pelo poder. Sabemos ainda que o ódio engendrado por esta mídia e os setores de elite os quais ela representa ataca o governo muito mais pelos seus acertos do que pelos seus equívocos. A misoginia e a personalização cai como uma luva para desqualificar e desconstruir a imagem da presidenta e de todo o Governo, tocado pelas mãos de muitos e muitas trabalhadoras honestas e comprometidas como Dilma.
É nesse clima que nós mulheres somos obrigadas a fazer política. Tendo nossa sexualidade, nosso corpo, nossas individualidades questionadas. Não há termômetro sobre nossa capacidade política, pois nada que façamos será suficiente. Somos sempre avaliadas e nossos limites evidenciados como cruzes as quais ou lutamos pra nos livrar ou carregamos até o fim de nossa trajetória. Toda solidariedade à companheira Dilma Rousseff e estou aqui para dizer que, assim como as 70 mil margaridas que marcharam em Brasília, tocaremos a tarefa de superar este momento difícil, juntas, de mãos dadas, construindo alternativas criativas e revolucionárias a partir do que já experimentamos em nossos territórios.
Digo ainda que os machistas, misóginos, fascistas vão ter que nos engolir. Na política, nas universidades, na produção do conhecimento, na disputa permanente das ruas e redes. Não arredaremos o pé. Resistiremos à misoginia e colocaremos nosso grito no trombone para que seja punida toda forma de violência contra as mulheres, entendendo que o feminicídio, por exemplo, pode começar por uma piada infeliz. Por uma coluna infeliz, quem sabe.
Até que todas sejamos livres!
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* Bruna Rocha – Diretora de Mulheres da UNE
*Dados: Caderno de Resultados Mulheres do Plano Brasil sem Miséria