Embora a equipe econômica de Bolsonaro ainda não tenha apresentado o projeto final da reforma da Previdência, que deve ser enviado ao Congresso até o final de fevereiro, muito do que já se sabe sobre o texto tem causado enorme preocupação diante da possibilidade real de um novo colapso social e econômico no Brasil – ainda mais agudo do que o causado pela reforma trabalhista de Temer.
“A reforma vai transformar idosos e pobres em indigentes. Esta proposta tem tudo para empurrar para a miséria absoluta milhões de brasileiros que não têm condições de poupar dinheiro ao longo da vida”, alerta o ex-ministro do Trabalho e Previdência Social Miguel Rossetto.
A avaliação do ex-titular da pasta que durante os governos Lula e Dilma cuidava da aposentadoria do brasileiro leva em consideração a maneira com a qual Paulo Guedes, o guru econômico do atual mandatário do Palácio do Planalto, tem tratado o tema. “Previdência é uma conquista civilizatória de sociedades que acolhe e protege pessoas idosas, com doença ou deficiência que não conseguem se sustentar no mercado de trabalho. Esse é um conceito básico que tem de ser reafirmado, sobretudo numa sociedade como a nossa com enorme desigualdade e de pobreza”, pontua.
Sem o aspecto social, prossegue Rossetto, qualquer alteração na Previdência não deveria sequer ser levada a debate, ainda mais quando as justificativas para alterar o modelo brasileiro não tenha qualquer embasamento técnico: “O parlamento brasileiro tem que exigir as justificativas da proposta de reforma apresentada pelo Bolsonaro. Há uma imensa picaretagem e fraude nas premissas que são utilizadas nas planilhas dos cálculos atuariais (análise de riscos e expectativas). O que se vê até agora é a criação sistemática de desastres que não condizem com a realidade para justificar a reforma. É preciso analisar com rigor técnico todos os dados antes de propor qualquer alteração”.
Modelo brasileiro é exemplo
Rossetto discorda totalmente das críticas ao modelo modelo previdenciário brasileiro, considerado por ele e pelos maiores especialistas no assunto como vitorioso. “É um modelo que incorpora seus conceitos baseado numa ideia sólida de solidariedade entre gerações e financiados de forma compartilhada entre trabalhadores, empregadores e a sociedade. Ele é vitorioso especialmente porque a imensa maioria da população não tem condições de poupar. Porque é pobre”, aponta.
A eficácia do modelo brasileiro, que valoriza a vida e a dignidade do seu povo, não quer dizer que não seja preciso realizar adaptações ao longo do tempo – o que está muito longe de sugerir qualquer tipo de reforma radical como a proposta pelo governo liberal de Bolsonaro: “Este sistema vem sendo aperfeiçoado ao logo dos anos, mas sempre preservando as condições sociais. Nós tínhamos uma taxa de 90% de cobertura de pessoas idosas. Foi esse sistema que expandiu a sua cobertura associado ao aumento real do salário mínimo durante os nossos governos e que proporcionou aos que mais precisam uma vida digna. Basta olhar os números”.
O que precisa ser feito hoje é, segundo o ex-ministro, uma demonstração histórica e legal dos processos de arrecadação e gastos previdenciários e criar mecanismos para combater a fraude, a sonegação e a apropriação indébita. “O governo atual não apresenta um diagnóstico claro sobre esses dados. O debate democrático exige uma informação correta. A CPI liderada pelo senador Paulo Paim, por exemplo, apresentou dados importantes. Há uma dívida ativa na cobrança previdenciária de 491 bilhões de reais. Isso vem da sonegação, das fraudes, de empresas que recolheram do trabalhador e não transferiram esse recurso para previdência. É obrigação do governo defender a receita pública previdenciária”, ilustra.
No Chile deu errado
Não foram poucas as ocasiões em que tanto Paulo Guedes como Bolsonaro usaram como exemplo de sucesso previdenciário o modelo chileno. Aqui entram dois pontos cruciais que têm marcado o governo até agora: desinformação e ataques aos direitos do povo em detrimento da proteção irrestrita aos bancos, empresários e empregadores.
“Cerca de 90% dos aposentados recebem até 60% de um salário mínimo. O sistema chileno se mostrou mentiroso. A principal agenda no país é esta pela condição de indigência dos idosos, número de suicídios, abandono, uma tragédia social. Colômbia México e Peru também estão revendo seus modelos previdenciários que o Brasil insiste em usar como exemplo. Trata-se de um sistema criminoso e produtor de uma iminente tragédia social”.
Diante de tantas evidências que há uma tragédia anunciada caso a reforma seja levada adiante, Rossetto é enfático: é preciso uma ampla mobilização para barrar a sua aprovação. “Há uma ampla confiança entre os setores comprometidos com direitos fundamentais do trabalhador de este projeto não terá condições de ser colocado em prática. Basta apresentar o que ele acarretará ao povo para que a mobilização seja enorme”, conclui.
Originalmente publicado em PT.