Não existe sistema público universal de saúde sem uma Rede de Atenção à Saúde regionalizada. Mas o que é mesmo uma Rede de Atenção à Saúde? Qual a sua centralidade para entendermos o SUS?
Para se ter uma ideia, o longo tempo de espera para acessar alguns serviços de saúde, um dos problemas vivenciados pelos brasileiros que buscam atendimento no SUS, está diretamente ligado a essa questão. Nesse artigo vamos problematizar algumas questões relacionadas à organização do nosso SUS, pouco mencionados nas reportagens midiáticas.
Sem dúvida, o financiamento insuficiente, a falta de unidades de saúde, a carência de profissionais e as más condições de trabalho contribuem para a demora e a falta de atendimento. No entanto, soma-se a essas causas a fragilidade da Rede de Atenção à Saúde, caracterizada pela baixa integração entre os diferentes serviços de saúde, como os hospitais, clínicas e serviços de exames de apoio diagnóstico.
Todos os sistemas nacionais que buscam garantir o direito universal à saúde organizam seus serviços seguindo uma lógica de organização em redes regionalizadas de atenção. A primeira descrição de uma rede regionalizada foi apresentada em 1920 no Reino Unido, pelo Relatório Dawson, com o objetivo de propor como o governo inglês poderia organizar os serviços de saúde para garantir atendimento a toda a população. Desde então, com adaptações à realidade de cada país, os sistemas nacionais seguem a mesma lógica de organização, mostrando-se superiores e mais eficientes que a lógica fragmentada que caracteriza o funcionamento dos sistemas baseados em serviços privados de saúde.
Redes regionalizadas
O modelo de ‘redes regionalizadas’ define que cada serviço de saúde – postos de saúde, clínicas, laboratórios e hospitais – é responsável por um tipo de atendimento. Todos esses serviços devem se articular para atender a população que mora em uma determinada região de saúde. Uma região de saúde pode ser formada por vários municípios pequenos ou por bairros de um grande município.
O primeiro ponto dessa rede são os serviços de atenção primária, aqueles que ficam mais próximos de onde as pessoas vivem. No Brasil, a depender do município, esses serviços podem ter nomes diferentes como equipe ou estratégia de saúde da família, clínica da família, posto de saúde, unidade básica de saúde etc.
Essas unidades de saúde são a entrada das pessoas na Rede e devem realizar ações para promover a saúde, prevenir doenças e atender as demandas e problemas de saúde mais frequentes na população, do nascimento até o envelhecimento. Isso inclui a realização e distribuição territorial ampla de milhares de ações como vacinação, visitas domiciliares, o pré-natal de gestantes de baixo risco, bem como o cuidado para as doenças mais frequentes como dor de garganta, alterações na pressão, infecções urinárias, sinusites etc.
Os serviços de atenção primária devem ser responsáveis por todas as pessoas que moram na sua área de cobertura, independente da sua idade, renda, sexo e raça.
Os casos que não podem ser resolvidos exclusivamente nesse nível de assistência devem ser encaminhados conforme a necessidade para os chamados ‘serviços especializados’ (como atendimentos de reabilitação com fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, atendimento com nutricionistas, cardiologistas, endocrinologistas etc.).
Por exemplo, uma mulher acompanhada na atenção primária que apresente um nódulo na mamografia deverá ser avaliada por um mastologista e, se necessário, encaminhada a um hospital ou centro de tratamento. Essa organização hierarquizada é fundamental para que um sistema seja realmente universal, atendendo toda a população em diferentes regiões, com suas diversas necessidades em saúde.
A rede de atenção à saúde é formada ainda pelos serviços de urgência e pelos hospitais. São unidades de atendimento de urgência o SAMU, as UPAS (Unidades de Pronto Atendimento) e hospitais, como o João XXIII. Os serviços de urgência devem ser dedicados aos atendimentos que têm risco de vida ou sofrimento intenso, como nos casos de acidentes graves de moto ou problemas agudos como um infarto, hemorragias e infecções graves.
Os hospitais, por sua vez, são as unidades de saúde dedicadas aos cuidados que precisam de internação, sejam eles cirurgias ou outros cuidados. Dentro dessas unidades também podem funcionar ambulatórios que ofertam serviços especializados. Os hospitais podem ser hospitais gerais, que atendem diferentes problemas de saúde, ou direcionados à atendimentos específicos, como as maternidades e aqueles destinados ao tratamento de câncer.
Sozinho, nenhum serviço consegue garantir o direito à saúde
O mais importante é que eles estejam integrados com os postos de saúde e ambulatórios existentes nos diferentes bairros e municípios. Sozinho, nenhum desses serviços consegue garantir o direito à saúde. Para cuidar dos problemas de saúde de toda a população, cada um desses serviços deve funcionar adequadamente e estar integrados, compondo efetivamente uma rede.
Em um sistema de saúde que se organiza em rede, encaminhar o paciente para outra unidade não pode ser apenas dar um papelzinho com uma solicitação de exame ou consulta, mas sim garantir o atendimento em tempo oportuno.
Quando uma pessoa precisa de um atendimento, internação ou exame, mas não consegue atendimento, seja porque a demora é muito longa ou porque não sabe qual serviço procurar, a rede não está funcionando bem.
Como já apresentado nessa coluna, o Sistema Único de Saúde representou inquestionáveis melhorias para a saúde dos brasileiros e brasileiras. Diariamente, milhões de pessoas são atendidas nos diversos serviços do SUS. São nascimentos, imunizações, visitas domiciliares, atendimentos em saúde mental, cirurgias de alta complexidade. Entretanto, a articulação e organização em Rede segue como um desafio a ser superado.
Fazer o SUS não consiste apenas em construir mais hospitais e serviços de Atenção Primária a Saúde, mas, além disso, de articulá-los e integrá-los em uma rede, seguindo um planejamento regional.
Esse não é um desafio simples em um país continental, heterogêneo, marcado por desigualdades, pela existência de muitos municípios de pequeno porte e pela grande presença da iniciativa privada na oferta de serviços hospitalares e especializados. Trata-se de um problema complexo, que envolve o fortalecimento de uma autoridade pública sanitária do SUS e que deve ser prioridade na agenda pública.
Thais Franco é enfermeira Sanitarista e doutora em Saúde Coletiva
Via Brasil de Fato MG