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Semipresidencialismo e DNA golpista das oligarquias | Jeferson Miola

Parece piada, mas não é: no forno golpista das oligarquias dominantes está sendo cozinhada a proposta de semipresidencialismo. Com a ausência de opções competitivas para bater eleitoralmente Lula em 2022, as oligarquias se mobilizam em torno deste propósito.

A turma que manda, desmanda e desmancha o país não tem o mínimo pudor e tampouco compromisso honesto com a democracia. Está decidida a novamente virar a mesa para impedir a eleição do ex-presidente Lula. Caso não consigam, planejam convertê-lo num “semi-presidente”.

Lula ficaria como um presidente capenga e sem poder. E o governo de fato ficaria nas mãos daquele antro da Câmara que garante a sobrevivência do Bolsonaro enquanto derrete a soberania e as riquezas do Brasil. Desse modo, oligarquias e militares continuariam repartido o butim da guerra de ocupação para pilhagem e saqueio do país.

A vida para eles, entretanto, anda difícil. E não há perspectiva de que possa melhorar. O candidato mais competitivo da direita e da extrema-direita para enfrentar Lula, apesar de tudo e por incrível que possa parecer, ainda é Bolsonaro. Mesmo com ele no páreo, porém, pesquisas indicam que Lula venceria o pleito já no 1º turno.

Para desespero das oligarquias e sua mídia engajada, nenhuma candidatura de proveta decola. A solução, então, será atentar, de novo, contra o Estado de Direito, porque dentro das regras da democracia a chance de vencerem Lula é zero, como também era em 2018 [aqui].

A proposta de semipresidencialismo no ano em que a Campanha da Legalidade completa 60 anos não deixa de ser ao mesmo tempo irônico; e, também, um marcador do golpismo atávico que constitui o DNA das classes dominantes.

Para a burguesia, a democracia tem valor meramente instrumental; só vale e só é respeitada enquanto não compromete a manutenção dos seus interesses e seu poder de dominação. Isso é da natureza universal da classe burguesa, e vem de muito longe.

Na Comuna de Paris, em 1871, diante do ascenso do poder dos trabalhadores nas barricadas e assembléias populares, o primeiro-ministro de Luís Bonaparte, Odilon Barrot, bradou: alto lá, “A legalidade nos mata!”. Foi a senha para levantar as garantias legais e constitucionais do próprio regime liberal-burguês e desatar a repressão sangrenta que marcou o fim da Comuna.

Em 1961, no Brasil, exatos 90 anos depois da Comuna de Paris, as oligarquias tentaram impedir a posse constitucional do vice-presidente João Goulart [Jango] depois da renúncia de Jânio Quadros.

A partir do Rio Grande do Sul, em 25 de agosto de 1961 o então governador Leonel Brizola, contando com a lealdade legalista do Comandante do IIIº Exército general José Machado Lopes, conduziu a memorável Campanha da Legalidade.

Foi um marco histórico de resistência democrática em defesa da posse do Jango na presidência. Setores conservadores, empresários, mídia e militares golpistas apoiados pelos EUA, entretanto, impuseram a adoção do parlamentarismo como condição para Jango assumir.

Divergindo de Brizola, Jango avaliou que não havia alternativa, e aceitou a restrição dos seus poderes constitucionais, pois entendia que do contrário não assumiria pacificamente. No plebiscito de abril de 1963 o parlamentarismo de ocasião foi revogado, mas o plano para a instalação da ditadura de 1964 por meio do golpe civil-militar-empresarial já estava em marcha irreversível.

Numa variante de Marx, que no 18 de Brumário de Luís Bonaparte disse que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”, Millôr Fernandes disse, com precisão humorística, que “o Brasil tem um enorme passado pela frente”.

O Brasil é prisioneiro de sua história de país colonizado e cuja dominação capitalista se assenta numa ordem racista, misógina e escravocrata. O presente e o futuro do país são reféns deste pressuposto trágico que precisa ser destruído, se se quiser pensar um projeto de nação justa, soberana, igualitária e minimamente decente.

O jogo sujo e permanente das classes dominantes para não aceitar mínimas mudanças distributivas fica escancarado na intolerância à hipótese de Lula retornar ao governo para iniciar a restauração democrática e começar um urgente processo de salvação nacional.

Uma classe dominante que entrega os destinos do país a um ajuntamento de militares oriundos do porão podre da ditadura de 1964/1985 e que mantém no poder uma figura torpe, miliciana, homicida e corrupta como Bolsonaro, diz tudo sobre sua índole.

Parece piada, e de fato é uma piada pronta esta movimentação das oligarquias em 2021 com a farsa do semipresidencialismo.

Não deixa de ser metafórico esta tragédia/farsa surgir quando se celebram exatos 150 anos da Comuna de Paris [1871] e exatos 60 anos da Campanha da Legalidade [1961].

  • Jeferson Miola é analista político.
  • Publicação original: jeferson miola

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