O último sábado (11) foi um dos dias mais importantes na história do Paquistão. Nas primeiras legislativas em que ocorre a transferência de um governo civil a outro desde a sua fundação, em 1947, quatro bombas explodiram país afora, 30 pessoas perderam a vida, centenas ficaram feridas.
Já na manhã de sábado, 11 pessoas morreram em uma explosão na sede principal de uma legenda laica, em Karachi, o centro econômico do país de 180 milhões de habitantes. No mesmo atentado, cerca de 40 pessoas ficaram feridas, segundo a BBC.
O atentado foi reivindicado pelo Taleban paquistanês, formalmente conhecido como Tehreek e-Taliban Pakistan (TTP).
Desde o início da campanha, em março, o Taleban reivindicou a maioria de mais de 130 cidadãos assassinados. O TTP também aconselhou os paquistaneses a “evitar” as urnas – se quisessem permanecer vivos.
“A democracia”, dita um comunicado do Taleban, “é um sistema não islâmico, de infiéis”.
Mesmo assim, Nawaz Sharif, o líder da Liga Muçulmana do Paquistão (PML –N), será o primeiro político a ocupar o cargo por três vezes nos 66 anos de existência do Paquistão.
Imran Khan, líder do Movimento pela Justiça do Paquistão (PTI), disputa o segundo lugar com o Partido Popular do Paquistão (PPP), atualmente no governo.
No entanto, ao obter pelo menos 100 das 272 cadeiras diretamente eleitas da Assembleia Nacional (Câmara Baixa do Parlamento), Sharif provavelmente formará uma aliança com legendas menores.
A julgar pelos comentários de uma pletora de observadores, tratou-se uma vitória da democracia.
De saída, essas são as primeiras eleições ditas democráticas nas quais um governo civil é transferido para outro em 66 anos, quando houve a partição do subcontinente indiano. Foi então que Muhammad Ali Jinnah fundou o Paquistão, com suas diversas etnias e credos.
Segundo o Colégio Eleitoral, foram às urnas entre 60 e 80% dos 85 milhões de cidadãos registrados para votar tanto naqueles a integrar a Assembleia Nacional quanto nos quatro líderes das Assembleias das quatro Províncias. Um nível de comparecimento elevado, particularmente quando comparado ao de 2008, de 44%.
A presença de 600 mil policiais, Rangers (protegem as fronteiras do país) e militares não intimidou os eleitores, mas não tranquilizou todas as almas.
“Se o Taleban quiser atacar eles o farão. Como parar um homem com uma bomba em uma sacola?”, indaga uma senhora com um véu.
Marcaram presença eleitores e eleitoras seculares, com véus ou burqas, com frequência acompanhadas por crianças. “As mulheres querem mudar esse país, independentemente de sua etnia ou religião”, me disse Naila Madani, da tevê estatal Pakistan.
As eleições, como dito acima, não foram democráticas por pelo menos dois motivos. Irregularidades não escassearam, inclusive em Karachi. Passei por pelo menos dois colégios eleitorais com as portas fechadas, e o povo, fora, a reclamar seu direito de votar. À frente do colégio eleitoral F. G. Girls College, a maioria dos eleitores faz parte de uma minoria, os cristãos. Em uma fila quilométrica debaixo de um sol a pino de 42 graus centígrados indago a Imran Bashir se ele não tem medo das bombas do Taleban.
“O que o senhor quer que eu faça?” Ficar em casa, com medo do Taleban, e não tentar mudar o futuro do meu país?”
Segundo Bashir, a demora para votar – ou não votar – se deve ao fato de o colégio eleitoral ser composto por pessoas a discriminar contra minorias como os cristãos. “Não votamos nos religiosos islamitas.”
Outro motivo pelo qual o pleito não foi democrático: os terroristas atacaram e puseram um fim nos comícios dos três partidos liberais. Ao mesmo tempo, favorizaram as legenda pelo menos não contrárias ao seu credo fundamentalista. Não interferiram nos meetings da Liga Muçulmana de Sharif, nem dos do PTI, do carismático Imran Khan, herói nacional por ter vencido a copa do mundo de críquete, em 1992.
Assim como Sharif, Khan é contra teleguiados norte-americanos. Ademais, Khan concorda com Sharif que os Pashtun (grupo com origens no Irã que fala o pashto e vive nas zonas tribais nas fronteiras do Afeganistão e no Paquistão) – e numerosos deles apoiam o Taleban –, não são favoráveis a uma guerra religiosa, mas sim a uma ofensiva contra a invasão de estrangeiros.
Se por um lado, Sharif agrada é porque há quem creia na sua capacidade em colocar o país em ordem, no sentido econômico. Ele é lembrado nos anos 1990, quando foi premier duas vezes, pela construção de rodovias.
Agora terá de lidar com um país onde falta água potável para um terço da população. Apagão são frequentes. Apenas 56% do povo é alfabetizado. Apenas 1% da população paga impostos. A maioria dos parlamentares não declara seus bens. Além da corrupção, a violência, como vimos, rola solta.
Sharif inquieta a “comunidade internacional” devido a uma tangível guinada conservadora nos quesitos social e religioso. Ele é próximo, por exemplo, da legenda Jamaat e-Islami, esta próxima da Irmandade Muçulmana. Nos anos 1990 solidificou leis islâmicas.
Sharif já disse alto e claro que acabará com a “guerra contra o terror”, iniciada por Bush Jr. Em suma, se após 11 de setembro havia colaboração entre os EUA e o Paquistão, não vai mais haver cooperação entre seus serviços de inteligência (CIA e ISI) e exércitos.
Mais: Sharif não disse ainda se organizará operações militares contra o Taleban e contra o Al-Qaeda. Sabe-se, porém, que ele quer negociar com o Taleban.
“O Taleban criou uma clara divisão entre o povo paquistanês”, opina, na sede do Movimento Muttathida Qaumi (MQM), subúrbios de Karachi, o deputado Syed Haider Abbas Rizvi.
Para Abbas Rizvi, o colapso do Paquistão significaria um influxo ainda maior de extremistas no Sul da Ásia e isso desestabilizaria ainda mais o Oriente Médio. “A programada saída dos Estados Unidos e da Otan do Afeganistão no próximo ano deixaria o país em um estado de anarquia. Outras nações, além do Afeganistão, seriam afetadas, como, por exemplo, a Índia, também uma potência militar com a qual o Paquistão teve três graves entreveros por causa da Caxemira, administrada pela Índia. Houve também contendas sobre a secessão de Bangladesh, em 1971, com o auxílio da Índia.“
Como prevê o jornalista Ahmed Rashid, a Ásia Central poderá ser o novo centro para a militância do Al-Qaeda.
O problema é que Barack Obama queria apenas se desfazer do Al-Qaeda de Bin Laden e do próprio. E ao agir sem envolver o Paquistão criou inimigos nos serviços de inteligência e no exército.
O que Sharif fará com os extremistas da região?