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Sobre partidos de verdade na construção democrática

Publicado originalmente no Portal da Fundação Perseu Abramo. Se preferir, clique aqui, para ler o artigo no seu local original.

Os ataques ao Partido dos Trabalhadores expõem algo mais profundo, porque mais permanente, na estratégia dos deslocados: a necessidade de quebrar a espinha dorsal de uma construção política que, em vinte e seis anos cresceu e se consolidou contra vento e maré.

HAMILTON PEREIRA (PEDRO TIERRA)*

Um dirigente tucano – homem de extensa folha de serviços prestados ao país – certa vez, assim definiu a diferença entre o PSDB e o PT: “Vocês devem entender que o PSDB nasceu de um drama de consciência, o PT, de uma necessidade histórica”. Recorro à definição do ex-secretário geral tucano, Euclides Scalco, para refletir brevemente sobre a sabatina realizada por um matutino paulista, na última terça-feira, 5 de setembro, com o candidato a Presidente da República, Geraldo Alckmin.

“O Brasil, vamos falar a verdade, não tem partidos políticos dignos desse nome.” Questionado pelos organizadores “Nem o PSDB?” Teria respondido: “Não tem. A tradição política do Brasil é do personalismo.” Muito segura, a resposta. O ex-governador fala com autoridade. E, nesse caso, com alguma dose de razão. Pesquisas recentes realizadas pelo Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo, dão notícia da preferência partidária dos brasileiros. A primeira constatação é que 53% dos entrevistados não têm preferência por partido algum. A outra metade se divide assim: PT 23%; PMDB 09%; PSDB 07%; PFL 04%; outros 07%.

Considerando o massacre a que foi submetido pela mídia liberal conservadora durante 2005 e, ainda em curso durante a campanha eleitoral de 2006, a porcentagem alcançada pelo PT revela a solidez de suas raízes sociais. Quase um quarto dos brasileiros tem nele sua referência partidária. Pode-se atribuir essa porcentagem ao fato de Lula ser do PT. Pertencer ao PT. Mas, deve-se registrar também que o ataque ao partido se distinguiu do ataque ao Presidente. Não na intensidade, mas, na estratégia seguida.

Os ataques ao Presidente expuseram ao sol a exasperação dos setores sociais desalojados do poder central, pela figura do Lula que encarna o migrante nordestino, o homem do mundo do trabalho, o que não teve acesso à escolaridade, mas teve a ousadia de ocupar uma cadeira desde sempre destinada aos bem nascidos. Os ataques – pelo grau de violência e desrespeito à figura do Presidente da República – podem ser resumidos na pergunta:“Quem ele pensa que é?”.

Os ataques ao Partido dos Trabalhadores expõem algo mais profundo, porque mais permanente, na estratégia dos deslocados: a necessidade de quebrar a espinha dorsal de uma construção política que, em vinte e seis anos cresceu e se consolidou contra vento e maré. Revelam a intolerância de setores sociais que esgrimem uma retórica democrática, mas a compreendem e exercem como uma democracia dos patrícios, na qual não há lugar para a ralé. E muito menos a ralé organizada. A vitória do PT e aliados, liderados por Lula, em 2002, produziu neles uma regressão política tal, que, com diferentes matizes, passaram a defender do golpismo puro e simples ao voto censitário, mais recentemente.

Não há como negar a fragilidade das instituições político-partidárias brasileiras. Mas é necessário estabelecer algumas ressalvas. O Partido dos Trabalhadores percorreu um longo percurso de consolidação institucional interna. Definiu seu perfil democrático e socialista, em duas décadas, marcado pela pluralidade de posições e por uma transparente disputa entre elas. Essa experiência democrática interna vem sendo freqüente e maliciosamente confundida com uma tendência irreprimível à fragmentação, que se encontrava mais no desejo dos analistas do que na realidade. O fato concreto é que a primeira fração importante no PT só viria a ocorrer com a criação do PSOL, em 2004.

Essa consolidação institucional se materializou sobre seis fundamentos: a) um forte vínculo com as lutas sociais que resultou na organização e mobilização de uma numerosa e aguerrida militância; b) uma representação parlamentar com elevado grau de coesão, que não cessou de crescer desde o pleito de 1982; c) um estatuto que garante o direito de expressão das diferentes tendências, estabelece regras internas pactuadas e reconhecidas pelas correntes; d) um programa de transformações de caráter democrático e popular para o Brasil; e) um processo de eleições em que o filiado vota diretamente para escolher suas direções; f) a representação proporcional das correntes de opinião em todos os níveis de direção; e g) a constituição de um núcleo dirigente.

Os social-democratas agrupados no PSDB, a) nunca mantiveram um vínculo orgânico ou não com os movimentos sociais dos trabalhadores; b) não geraram processos internos de debate e, portanto, não mobilizaram o que se poderia chamar de uma militância; c) elegeram uma representação parlamentar numerosa e sólida, em que pese algumas defecções; d) costuraram um programa identificado com os pressupostos do estado mínimo neoliberal; e) constituíram um núcleo dirigente pouco afeito à participação de instâncias de base nas decisões do partido. Seis pessoas participaram da escolha do candidato à Presidência da República. Contando com o próprio.

A afirmação do ex-governador, no que toca aos tucanos, não há dúvida, tem fundamento. As debilidades estruturais ou eventuais vêm sendo supridas por uma clara substituição de papéis: aquelas tarefas que deveriam ser cumpridas pelo partido – como espaço organizador das correntes de opinião conservadoras – passaram a ser desempenhadas pelos editoriais e pelas colunas dos jornais e revistas, ou pelos comentaristas políticos e econômicos das rádios e TVs.

Ocorreu, porém, no país, no último ano, um fenômeno social relevante: interrompeu-se o ciclo que o jornalista Franklin Martins definiu como pedra no lago. A propagação da informação ou das opiniões, em círculos concêntricos, a partir das classes médias para a base da sociedade rompeu-se. O combate que vem sendo travado diariamente pela mídia conservadora contra o Partido dos Trabalhadores, acabou por se converter num combate contra a atividade política como tal. Contudo, o bombardeio de saturação produziu um efeito negativo sobre os próprios meios de comunicação. Sua mensagem, indicam as pesquisas eleitorais, tornou-se irrelevante para as opções dos cidadãos ou dos eleitores.

Talvez se abra aí a possibilidade de duas correções indispensáveis para o avanço da democracia no Brasil: a primeira, realizar e uma Reforma Política capaz de recuperar a legitimidade do sistema partidário que entrou em colapso. Reerguer os partidos como espaços organizadores da opinião da sociedade e, segunda, como decorrência indispensável, democratizar os meios de comunicação de massa para eliminar o esbulho desse espaço público – o espaço do exercício partidário – pela mídia liberal conservadora.

O Partido dos Trabalhadores tem pela frente tarefas inadiáveis. Por exemplo, precisa reconstruir seu núcleo dirigente, abalado pela crise que eclodiu em 2005 e realizar a reforma do seu estatuto. Para cumpri-las construiu as estruturas políticas internas necessárias. O III Congresso deve organizar-se para responder a esses e outros desafios.

O PSDB terá pela frente depois do pleito de outubro tarefas que a mídia liberal conservadora não está equipada – porque não é da sua natureza – para responder: que caminhos a direita deve percorrer para construir um partido contemporâneo, consistente com os interesses sociais conservadores que busca representar?

*Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é Presidente da Fundação Perseu Abramo e Secretário Executivo da Área de Cultura do Programa de Governo Lula.

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