Por Bruna Rocha*
25 de Julho. Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. Dia de luta cravado no auge do neoliberalismo, em 1992, como marca de nossa resiliência no 1° Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, na Republica Dominicana. Uma perspectiva internacionalista sobre os desafios colocados para as nossas vidas num momento em que o neoliberalismo avançava de forma feroz sobre nossos territórios e nossos corpos. Já ali, rackeávamos o sistema através de uma agenda da ONU, para convergir estratégias de sobrevivência e superação do racismo, machismo e todas as violências desta economia de opressões que é o capitalismo.
2017 – 25 anos depois e cá estamos nós debatendo quase as mesmas coisas e muito mais. Vivemos mais uma vez um cenário de ofensiva do neoliberalismo, porém, carregamos uma experiencia recente de oxigenação dos direitos civis através de governos populares na América Latina que, sem dúvida alguma, multiplicou nossa capacidade de articulação e reflexão e, portanto, estamos maiores.
É sempre bom lembrar como o acirramento socioeconômico produzido pelas elites sobre a classe trabalhadora corta com a faca mais amolada a nossa carne. O avanço do conservadorismo, da cultura de ódio e intolerância, repercute inadvertidamente sobre nossas vidas. As relações de trabalho ficam ainda mais cruéis no cenário de desemprego e sob a eminência de contra-reformas antipopulares, como estamos vivendo no Brasil (trabalhista e previdenciária).
Sob a sombra do terrível monstro do desemprego que já assola 14 milhões de brasileiras e brasileiros, a perversão das relações de trabalho aumentam. E ai, não estamos mais aqui puramente para produzir as riquezas das quais não vamos gozar, mas, sobretudo, para alimentar o ethos feroz e perverso do nosso algoz. Afinal, o maquinário da dominação precisa nos submeter a ponto de justificar a exploração, agindo na depredação de nossa força física, relativização de nossa capacidade intelectual e completa anulação de nossa dimensão subjetiva. Trata-se do retorno sádico à naturalização de nossa existência objetificada, organizada em um contrato social no qual sobrevivemos para trabalhar e nem mais o contrário parece razoável.
Pronto, agora está justificada a lei lombrosiana e a compreensão estratégica do genocídio visualiza em nós seu alvo prioritário, pois também nos lê como principal potência, portal da sobrevivência de todo um povo. E somos mesmo. Por isso, feminicidio. Por isso, encarceramento. Por isso, extermínio de nossos meninos. Por isso, estupro coletivo. Por isso, precarização. Por isso, solidão. Ixe… Esse negócio de afetividade tá acabando conosco. Parece que eles descobriram que uma vez empoderadas, as coisas ficariam mais difíceis pra eles. Que não conseguiriam interditar nosso movimento irreversível de emancipação. Que não conseguiriam nos fazer retroceder em nosso processo de resgate da memoria e conexão com ancestralidade. Que não conseguiriam nos tirar da frente dos camburões. Que não conseguiriam nos tirar de nossos barracões, de nossas pracas, vendinhas e estações. Que não conseguiriam mais nos tirar da politica, das falações, das direções. Então miraram nossos corações e acharam talvez nossa principal fragilidade, porque temos mesmo uma subjetividade fudida e uma carência estrutural de cuidado e bem estar que nunca nos foram dados. Haja manipulação, dissimulação, objetificacao, preterimento, desprezo, palmitagem, depreciação.
A verdade é que o balanço não está bom pra nós, mas ainda assim estamos muito bem. Nossa perspicácia cosmológica vai além, muito além de todo sofrimento que sustentamos em nossas costas. Estamos fazendo muita coisa e construindo um novo mundo com as nossas mãos, somada a irmãs e irmãos que se aliam à nossa visão. Uma visão de paz, de comunhão, de solidariedade, de unidade, de revolução. Estamos pensando economia, medicina, computação. Estamos pensando e fazendo tanta coisa que quando vê já é transformação. Pois é com esse espírito que quero encontrar Ângela Davis hoje, um espírito de prospecção. Quais estratégias de futuro para nossa libertação? Como superar a crise internacional do capitalismo pela nossa concepção? Como, em meio a tantas armadilhas do individualismo da desagregação, mantermos viva a chama da organização? Como ser pantera negra na era da digitalização?
Ninguém pode nos parar. Temos orixá, temos missão. Cada negra que for, 10 mil negras virão. Para lutar com sangue ou com canção. Viva as mulheres negras!
#Ubuntu #DiretasJa #ParemDeNosMatar
Bruna Rocha é militante da Marcha Mundial das Mulheres na Bahia
Comente com o Facebook