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Somos mulheres e não mercadoria!

Desde a década de 1970 o movimento feminista levanta a bandeira do “nosso corpo nos pertence”. Ela expressa o questionamento das mulheres em relação à sexualidade, à imposição de padrões e em relação à reprodução. Ela representa a autonomia das mulheres sobre seus corpos e suas vidas. E o que temos visto nos últimos anos é que este debate esta cada vez mais atual. No último período, em especial, estamos sofrendo uma série de ataques à nossa autonomia. Estamos vendo o Estado, as igrejas e os homens criarem cada vez mais artifícios para nos “prenderem” em padrões que servem ao mercado.

AMANDA MENDONÇA

No Brasil, estes ataques estão cada vez mais intensos, e o exemplo mais recente é o da “guerra” que está sendo travada para tentar criminalizar ainda mais as mulheres que recorrem a um aborto. A mídia, todos os setores conservadores da nossa sociedade e, principalmente, as instituições religiosas têm feito uma verdadeira batalha para nos retirar os pequenos avanços obtidos. Essa ofensiva contra a autonomia de nossos corpos ganhou mais um ator, o Projeto de Lei que visa regulamentar a prostituição em nosso país.

Para além do que o projeto compreende, que de central é regulamentar, não só a prática da prostituição, como também o mercado que se esconde atrás dela temos que avaliar o que ele tem gerado. O debate trazido através deste projeto traz a tona as faces mais cruéis do neoliberalismo aliado ao machismo. E até os setores mais “progressistas” de nossa sociedade não compreendem que o capitalismo se apropria do sexo e mercantiliza até mesmo o desejo.

Quando falamos sobre a prostituição, não podemos deixar de avaliar o papel que a globalização e que o mercado cumprem no incentivo a sua prática. Eles representam hoje um fator central para a prostituição e para o tráfico de mulheres, trabalhando no aumento das desigualdades entre homens e mulheres. As indústrias do sexo (algumas multinacionais) geram lucros estrondosos e receitas importantes. São consideradas vitais para a economia de diversos países.  Chegam a representar 5% do PIB dos países baixos e em média 8% do conjunto das atividades econômicas dos países asiáticos.  Entre os países mais pobres a questão se agrava, pois o FMI e o Banco Mundial estimulam o desenvolvimento do “turismo” e do “lazer” como forma de reembolso da dívida desses países. Dessa forma, a prostituição passa a fazer parte da estratégia de desenvolvimento destes Estados.

Nesse sentido, legalizar a prostituição, na verdade, significa legalizar uma “indústria” que trabalha na expansão do tráfico de mulheres e que se apóia em uma economia subterrânea (bares, hotéis, agências, clubes). Com a prostituição e o tráfico de mulheres, lucram as companhias aéreas, o turismo e até mesmo os governos. Por isso, precisamos ter a compreensão de que a prostituição representa a mercantilização dos seres humanos e o sexo pago faz parte da estrutura que sustenta o capitalismo.

Assistimos hoje o neoliberalismo se apropriar do nosso discurso para impor sua exploração. Em nome da autonomia, do direito de controlar seu próprio corpo, passou-se a defender a legalização da prostituição. Cada vez mais a indústria do sexo é considerada um trabalho legítimo e, com o triunfo dos valores liberais, o sexo pago vem sendo normatizado.  A submissão às regras do mercado e às leis contratuais liberais, além do discurso “de uma profissão como outra qualquer”, ou “é um simples trabalho” e até mesmo “é uma questão de liberdade” vem sendo utilizadas na sustentação desta política liberal. Como um trabalho que se baseia na violação dos direitos humanos e na opressão das mulheres pode ser considerado legítimo?

Outro argumento comumente utilizado é o de que legalizar a prostituição significa melhorar a vida das mulheres que fazem parte desta rede, oferecendo direitos e garantias que todos os trabalhadores possuem. Em primeiro lugar, a legalização representa um ganho de verdade é para o crime organizado, pois o que se normatiza é o mercado, a compra e a venda de mulheres. Mesmo onde é a prostituição é legal (Alemanha, Suíça, Grécia, etc.) o papel do crime organizado continua sendo fundamental na organização deste mercado e uma minoria das prostitutas se registra para ter acesso aos direitos sociais. A maior parte continua sob a “tutela” dos cafetões.

Cada vez que uma menina “escolhe” ser prostituta, como se realmente ela tivesse outra opção, tem atrás de si toda essa rede que engloba cafetões, tráfico, crime organizado e etc. Além disso, pesquisas comprovam que 80% das pessoas prostituídas foram vítimas de algum tipo de violência na juventude, o que contradiz o debate de que seria uma “escolha”. A defesa da legalização da prostituição é liberal, pois é baseada na visão onde o individuo escolhe seu caminho e onde as relações humanas estão submetidas ao dinheiro. A prostituição surge do liberalismo e não da liberdade.

Para nós, feministas e socialistas, é inadmissível que as mulheres sejam reduzidas a mercadoria, podendo ser compradas, trocadas, usadas e alugadas. Temos uma visão libertária de sexualidade, que é baseada na igualdade e não na dominação. A relação de poder é constitutiva da nossa organização social e também está presente no sexo. No sexo pago, essa relação se reproduz com o “comprador” tendo total domínio sobre a “mercadoria”.  Essa “coisificação” e a mercatilização das mulheres têm como função a submissão de um sexo à satisfação dos prazeres sexuais do outro. Por isso, lutamos contra a prostituição.

Lutar contra é lutar pela igualdade, que só existirá quando homens não puderem mais vender e nem explorar mulheres.

A nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria!!!

Amanda Mendonça é diretora de mulheres da UEE-RJ

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