Nos 12 meses decorridos entre os meses de dezembro de 2007 e 2008, bancos centrais de países desenvolvidos responderam à crise financeira internacional, desencadeada no mercado de crédito imobiliário “subprime”, com redução das taxas básicas de juro, conforme mostra a tabela abaixo. A tabela também mostra que essa redução não ocorreu em regiões geopolíticas de países emergentes (ou se deu com significância menor). Na América Latina, os juros aumentaram. A explicação dessas diferenças nas taxas de juros envolve conhecimentos pertinentes a áreas como economia internacional e relações internacionais, sobre as interações entre Estados e as peculiaridades das formas de inserção das nações e regiões nos mercados mundiais. Mas o objetivo desse artigo é outro, bem mais modesto, embora algo inovador: focar os juros no Brasil sob a ótica da sociologia política, e não da ciência econômica convencional, como normalmente ocorre.
MARCUS IANONI
Reação monetária diante da crise
Comparação entre taxas de juros
TAXA MÉDIA DE JURO | FINAL DE 2007 | FINAL DE 2008 |
G7 (1) | 3.7 | 1.25 |
11 PRINCIPAIS BANCOS CENTRAIS (2) | 4.52 | 2.25 |
EUROPA DO LESTE (3) | 6.53 | 7.85 |
ÁSIA (4) | 5.72 | 4.9 |
ORIENTE MÉDIO/ÁFRICA (5) | 10.33 | 9.41 |
AMÉRICA LATINA (6) | 8.25 | 10.08 |
BRASIL | 11.25 | 13.75 |
MÉXICO | 7.5 | 8.25 |
CHILE | 6.0 | 8.25 |
1) 5 bancos centrais que decidem política monetária pelas nações do G7 (FED, B. Central Europeu, B. do JAPÃO, B. da INGLATERRA e B. do CANADÁ); 2) os 5 mencionados mais 6 outros principais bancos centrais (Suíça, Austrália, Nova Zelândia, Suécia, Noruega e Dinamarca); 3) Brasil, México e Chile; 4) Polônia, Hungria, República Tcheca, Eslováquia, Rússia, Ucrânia e Romênia; 4) Coréia do Sul, Tailândia, Filipinas, Formosa, Indonésia, Índia e China; 5) África do Sul, Israel e Turquia; 6) Brasil, México e Chile.
Fonte: Reuters – Reino Unido
Desde a política de estabilização monetária implementada em 1994, o Brasil tem, frequentemente, ocupado a posição de campeão mundial em taxa de juros reais. Economistas têm realçado algumas causas para essa elevadíssima taxa de juros: porque 1) falta crédito ao Estado brasileiro; 2) a taxa de equilíbrio é alta (9% reais); 3) a poupança brasileira é baixa e precisa ser aumentada ou compensada; 4) há incerteza jurisdicional; 5) o problema fiscal não foi resolvido. Em seu último livro, denominado Macroeconomia da Estagnação (2007), o professor, economista e ex-ministro da Fazenda Luis Carlos Bresser-Pereira refuta-as e salienta uma explicação política: a taxa de juros no Brasil é alta porque o Estado, especialmente por intermédio do Banco Central, está capturado por uma coalizão política na qual se destacam os rentistas e o setor financeiro. Deixando aqui de lado, por motivo de espaço, a política cambial, as políticas monetária e fiscal, sobretudo pelos seus vínculos com a dívida e as finanças públicas, são objetos da captura rentista-financeira.
A principal versão da “teoria da captura” foi formulada nos EUA, nos anos 70, por economistas da Escola de Chicago, sendo naquele país também conhecida como “teoria econômica da regulação”. Sua idéia básica é que reguladores e regulados, nas diversas indústrias, agindo de modo auto-interessado e racional, aliam-se e, assim, capturam a política regulatória. A regulação econômica insere-se numa estrutura racional de oferta e demanda. Pelo lado da demanda, estão os grupos de interesse ligados às diversas indústrias, que desejam regulação em seu próprio benefício, conhecem os interesses dos reguladores (políticos e elites da burocracia pública) – dinheiro para financiar campanhas eleitorais, votos e cargos (nos setores privado ou público) – e lhes oferecem vantagens em troca de política regulatória. No lado da oferta, estão os políticos (incluindo a burocracia governamental), que, cientes de que os grupos de interesse querem regulação a seu favor, se dispõem a barganhá-la. Assim, estruturam-se as condições para a troca entre atores do setor público e agentes do mercado no processo decisório de política regulatória.
As fontes empíricas férteis para tornar evidente a captura rentista-financeira da política macroeconômica brasileira são várias. Pode-se, a título de exercício exploratório, agrupá-las em três grandes grupos: 1) indicadores econômicos; 2) instituições econômicas e jurídicas e gestão pública; 3) instituições políticas e política competitiva. A cada um desses grupos é possível vincular inúmeras vias de investigação empírica que dêem plausibilidade à apreensão racional de um efetivo sistema de captura das políticas monetária e fiscal por grupos de interesse financeiro.
Entre tais fontes, destaco aqui as agências de relações com investidores (RI) implementadas no Banco Central e no Tesouro Nacional. Essas agências foram criadas – por iniciativa do FMI e de organizações internacionais das instituições financeiras privadas – desde as crises cambiais e financeiras de meados dos anos 90, em bancos centrais e ministérios da Fazenda de mais que trinta países emergentes. O Instituto de Finanças Internacionais, maior organização mundial das grandes corporações financeiras, tem sido um dos principais proponentes e um avaliador sistemático dos programas de relações com investidores existentes. As duas referidas agências públicas de relações com investidores existentes no Brasil têm sistematicamente ocupado o primeiro posto nas avaliações do IFI, seja pela qualidade das informações disponibilizadas, pelos canais de comunicação que propiciam aos agentes financeiros, por suas decisões de política refletirem feedback do mercado, por suas ações de promoção de investimento conjuntamente com o setor privado, etc.
A gerência de RI (Gerin) do Banco Central do Brasil (BCB) foi criada em 1999, vinculada à mudança da política de câmbio fixo para flutuante e à substituição da âncora cambial pelo sistema de metas de inflação, que passou a ser a nova âncora nominal. Conforme consta em ata da 33ª Reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), “a gestão da política monetária passaria a ser feita, primariamente, pela definição da meta da Taxa SELIC”. A fundamentação teórica para a institucionalização da Gerin é que o inflation targeting tem intrínseca necessidade de apoiar-se em mecanismos de transparência, accountability e comunicação em relação aos agentes de mercado. Porém, cabe mencionar que o governo mexicano criou sua Oficina de Relación com Inversionistas em 1995, no contexto de crise do peso e conseqüente acordo de empréstimo stand-by com o FMI, mas não como parte do arcabouço institucional do regime de metas da inflação, que lá só foi introduzido no final daquela década. No caso do México, a explicação que a comunidade financeira internacional deu para a criação da agência de RI foi a sua utilidade para a prevenção ou resolução de crises.
Uma das atividades realizadas pela Gerin do BCB é a pesquisa FOCUS de expectativas de mercado, cujos dados são fornecidos basicamente pela indústria financeira. A Gerin do Tesouro Nacional, por sua vez, também possui todo um arcabouço institucional de informação e comunicação de mão dupla com os investidores, propiciando-lhes a tomada de decisões alinhadas com as estratégias de gestão da dívida pública.
Nos últimos anos, o esforço de aprimoramento do gerenciamento da dívida pública brasileira tem se traduzido em vários indicadores de melhora. Isso é inegável. Embora a relação dívida líquida/PIB esteja declinando, depois de ter subido muito desde 1994, é fato que ela ainda está significativamente acima do nível em que se encontrava no período pré-Plano Real. Por outro lado, é legítimo que os cidadãos invistam em títulos públicos, além deles serem investimentos necessários ao financiamento das atividades estatais. No entanto, o referido crescimento da dívida pública não foi direcionado ao financiamento do desenvolvimento econômico. Tal crescimento foi resultado do impacto da política monetária de juros altos, desde 1994, sobre o setor fiscal, embora o discurso ideológico dominante propague o contrário, que o setor fiscal pressiona o monetário. O jornal Valor reproduziu, recentemente, a seguinte afirmação do presidente da FIESP, Paulo Skaf: “Com cinco pontos percentuais a menos, algo como R$ 70 bilhões deixariam de ser pagos em juros (da dívida) e (o dinheiro) poderia ser usado em investimentos”. Skaf também disse que a atual taxa Selic de 13,75% ao ano é absurda.
A reunião do COPOM terminou ontem. Por trás do insulamento burocrático desse órgão e do BCB como um todo, verifica-se uma intensa capacidade das Finanças utilizarem seus recursos de poder – dinheiro, informação, conhecimento e organização – para intermediar interesses com a Autoridade Monetária. Nesse contexto, 1) economistas, cientistas políticos, sociólogos e outros atores organizados da sociedade civil precisam incorporar ao debate acadêmico e público sobre as causas da alta taxa de juros no Brasil, o fator político, o sistema de captura; 2) cabe retomar a discussão sobre a ampliação e democratização do Conselho Monetário Nacional, aprovada em 2005 pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão criado no primeiro mandato do presidente Lula e que agrega forças sociopolíticas representativas.
Marcus Ianoni é Doutor em Sociologia Política. Artigo publicado no Jornal Valor Econômico de 22/01/2009.