Campo majoritário muda tese, mas mantém contradições.
A versão final da tese do Campo Majoritário procura trazer um “tom” diferente do apresentado no documento inicial. A sensação é de uma tentativa de afastar-se um pouco da ortodoxia que orienta a política econômica brasileira há mais de década (e que impregnava o documento anterior), procurando se reaproximar de uma idéia de desenvolvimento onde há algum espaço para o protagonismo da nação. A elaboração é trazida para um ponto um pouco mais próximo da tradição democrático popular, algo relevante para o debate entre os petistas sobre os rumos de seu projeto histórico. Isto permite um olhar mais atento sobre as concepções em debate.
Logo no seu início, o documento traz uma singela, mas importante, inflexão: o projeto de desenvolvimento é explicitado com um significativo rol de pressupostos (todos muito relevantes) que substitui o tripé básico anterior, também comum aos programas que o “consenso” neoliberal jogou sobre a América Latina. A vaga noção de “novas relações de Estado” é substituída por um “papel ativo do Estado na construção de um projeto estratégico de desenvolvimento do país”. “Distribuição de renda, geração de empregos, sustentabilidade, crédito, investimentos, agricultura familiar, controle social” tomam o espaço da genérica “inclusão econômica e social”. O terceiro e substancioso elemento, o “equilíbrio fiscal e monetário”, é suavizado com a retirada (?) do “monetário” e a agregação da “redução da dependência financeira do país”. Desta forma, o debate não só é trazido para um campo mais fértil e próximo da tradição dos petistas, como também tenta secundarizar, sem eliminar, o dogma do “equilíbrio fiscal e monetário”.
Sem participação popular
“A valorização do Congresso Nacional como fonte maior da representação popular é tarefa indispensável para se construir uma democracia autêntica no Brasil”. Esta passagem foi eliminada do novo texto. Mas isto não significou nenhum avanço na direção da “participação popular” como espaço de mudança de correlação de forças. O Orçamento Participativo têm uma única citação vaga e nada afirmativa. A opção da maioria partidária em definir o parlamento como espaço privilegiado das disputas continua presente no texto. Assim, não só revela os limites de um terreno onde as relações e a correlação de forças já são há muito conhecidas, seja pelos interesses fisiológicos ou pelo peso que o poder econômico exerce (lembre-se: “Luis Inácio falou, Luis Inácio avisou …”), como também ainda perde a oportunidade de apontar a necessidade de deslocar o campo de disputa democrática para as lutas sociais e a mobilização popular.
O reconhecimento de que a inclusão social e a distribuição de renda não são “um processo que deriva automaticamente do patamar já alcançado até agora” pelo programa do governo Lula, avança ao revelar a insuficiência da estabilidade ortodoxa (nunca negada) e abre espaço para a necessidade de protagonismo no enfrentamento das condições estruturais e das relações de poder na esfera produtiva. No entanto, a afirmação da necessidade de “controle” social e público fica limitada aos espaços do Estado, confirmando uma visão que distancia a participação e o controle popular das relações econômicas. Este distanciamento não permite ‘politizar’ a política econômica e tampouco as relações com o setor privado e o mercado.
A ênfase na participação popular, o deslocamento das disputas para além do Congresso Nacional e o reconhecimento das contradições com o poder econômico são algumas das ausências mais sentidas para um projeto de desenvolvimento democrático-popular ou mesmo nos termos propostos no documento. Deixa-se de avançar num projeto de desenvolvimento ao não apontar para a democratização das relações econômicas ou, pelo menos, para a ampliação dos espaços públicos em detrimento do autoritarismo do “mercado”. A necessidade de ampliar investimentos não precisa ficar restrita a parceria ou dicotomia entre Estado e capital privado. Ampliar as formas de propriedade, a autogestão, a cooperação produtiva e as parcerias da sociedade com o Estado, que avancem os espaços realmente públicos, são relevantes para um projeto econômico verdadeiramente democrático que procure libertar a nação das amarras e restrições do capital especulativo e concentrador.
Se o documento traz avanços em relação a posições inicialmente formuladas, também torna mais explícita a série de contradições e limitações para chegar a muitos dos objetivos a que se propõe. A começar pela intocabilidade da política econômica e de seus objetivos centrais (nunca questionados pelo documento) e o entrelaçamento desta com representantes do capital financeiro e o mainstream econômico muito bem posicionado nos órgãos federais, desde o princípio das reformas neoliberais.
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Clique para ler a íntegra da tese apresentada pela chapa do Campo majoritário ao PED 2005. (do portal do do PT –www.pt.org.br)