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Transformações em Curso na Educação Superior: Essa Não é a Nossa Reforma!

O objetivo deste documento é realizar uma análise global do processo de reforma universitária considerando: 1) As mudanças na educação superior que já vinham sendo processadas nos últimos anos e que permanecem sendo implementadas pelo atual governo; 2) a influência dos organismos internacionais (Bid e Banco Mundial) na formulação de políticas educacionais no Brasil dos últimos anos; 3) Um conjunto de projetos de lei em tramitação no congresso nacional que incidem direta ou indiretamente sobre as universidades e, por último; 4) Os Princípios e Diretrizes da Reforma da Educação Superior anunciados pelo MEC no último dia sete de junho.

Pretendemos aqui realizar uma análise da totalidade do processo de reforma que inclui uma série de medidas anunciadas como emergenciais, sinalizações, mudanças em curso e projetos de lei em tramitação no congresso nacional. Uma análise, portanto, do todo e não apenas de uma parte do processo.

Vinicius Wu, Alessandra Terribili, Anderson Campos*

1. A Reforma neoliberal dos anos 90

A Reforma neoliberal do Estado brasileiro iniciada a partir da vitória de Fernando Collor de Melo nas eleições presidenciais de 1989, desencadeou um processo de profundas alterações na estrutura da educação superior brasileira. Desde o inicio, um dos principais alvos do ajuste estrutural na área educacional foram as universidades federais, entendidas desde então como instituições “elitistas”, “onerosas” e pouco eficientes.

Ainda no ano de 1989, nos meses de Abril e Novembro, realizaram-se, sobre a responsabilidade do Núcleo de Estudos sobre o Ensino Superior da USP, dois seminários que buscavam pensar o futuro da educação superior no país. Alguns dos documentos debatidos durante o seminário eram co-redigidos pelo futuro Ministro da Educação do governo Collor e por membros de sua futura equipe. Estes textos buscavam apontar saídas para os principais problemas do ensino superior no Brasil, que seriam: a) a adoção de um modelo de universidade utópico, centrado na pesquisa e na manutenção de privilégios protegidos pela constituição de 1988; b) a gratuidade deste nível de ensino que beneficiaria somente uma “casta de privilegiados”; c) a utilização de um sistema de escolha de dirigentes com caráter eminentemente político; d) a incapacidade de se estabelecer novos modelos para a distribuição de recursos e criar fontes alternativas para o financiamento das universidades; e) a rigidez dos currículos; f) a inexistência de processos eficientes de avaliação e estimulo à produtividade do corpo docente; g)  A formação de professores realizadas no âmbito das universidades e não em faculdades de formação de professores; h) o longo tempo dedicado à graduação i) a baixa carga de trabalho docente j) a inexistência de parâmetros que permitissem comparações entre os trabalhos desenvolvidos pelas diversas instituições. (RIBEIRO, 1989, 1990; DURHAM; SCHARTZMAN, 1989; GOLDEMBERG, 1990; WOLYNEC, 1990Ç PAUL; WOLYNEC, 1990; SCHWARTZMAN, 1991)

À frente do MEC, José Goldemberg procurou ajustar as universidades aos preceitos do livre-mercado, buscando assim diminuir os gastos públicos com o ensino superior. Toda a Reforma do Estado brasileiro pretendida pelo governo Collor baseava-se no questionamento da Constituição de 1988, identificada como “regressiva e populista” e na desarticulação do papel do Estado enquanto provedor de direitos. A interrupção do governo Collor atrasou a implementação do receituário neoliberal, que sob o governo Itamar ficou mais ou menos estagnado. Seu governo esboçou até mesmo um aumento das matrículas das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). No entanto, o projeto neoliberal readquire fôlego e retorna com muito mais força com a eleição de Fernando Henrique Cardoso no ano de 1994. O coordenador do programa de Governo de FHC, Paulo Renato de Souza é nomeado ministro da Educação, trazendo de volta ao MEC alguns dos principais quadros do ministério durante o governo Collor. A reforma neoliberal da Universidade brasileira assume sua forma definitiva.

A reforma neoliberal atua principalmente no sentido de mercantilizar o conhecimento cientifico (OLIVEIRA, 2003). A conseqüência mais imediata deste processo é a imposição de uma lógica absolutamente produtivista ao trabalho universitário que se pode verificar a partir dos mecanismos de avaliação que se utilizam de métodos quantitativos e comparativos pressupondo a competição entre pares. Ela envolve também diversas outras formas de atrelar a produção cientifica aos preceitos do mercado seja através da “diversificação” do financiamento da pesquisa (fundações privadas, parcerias entre outros) ou da tendência a racionalizar custos, eliminando assim a pesquisa que não esteja vinculada a ganhos econômicos imediatos.

E como pesquisa e ensino estão intimamente interligados no interior  da universidade, o segundo também é fortemente pressionado a receber tratamento mercantil. Nesse caso, os mecanismos mais usuais são: a) o incentivo à expansão da rede privada através da desregulamentação do ensino pago e da diversificação das instituições de ensino superior; b) o combate à gratuidade do ensino público e; c) a transferência de recursos públicos para o setor privado através de políticas de financiamento estudantil. Ao estabelecer o Exame Nacional de Cursos – o Provão – FHC deu inicio à um processo de expansão do ensino privado sem precedentes, abolindo todos os entraves à abertura de novos cursos.

Nenhuma das mudanças promovidas durante os dois mandatos de FHC se deu sem a resistência da comunidade universitária. Uma profunda reformulação da legislação em vigor e a imposição de programas que impunham uma lógica produtivista para a universidade brasileira não foram encaminhadas passivamente. No entanto, a resistência universitária não teve força suficiente para lograr barrar estas medidas. Em 16 de Março de 1995, Fernando Henrique assina a MP nº 938 que restaura o poder do ministro da Educação para definir as políticas educacionais do país, contando aí com o auxilio de um novo Conselho Nacional de Educação que nada tinha a ver com o conselho proposto pela nova LDB[1] . A MP impõe também novos mecanismos para a escolha de dirigentes nas universidades estabelecendo o peso de 70% para docentes no processo de eleições e exigindo titulações especificas para eventuais candidatos a reitor.

2. A influência dos organismos internacionais na educação brasileira

O conjunto de mudanças na estrutura da educação superior no Brasil se dá em perfeita harmonia com as diretrizes de organismos internacionais como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID para a educação nos países da periferia do sistema capitalista. Cabe destacar aqui a condição do Brasil enquanto um dos países que mais recebem empréstimos internacionais no mundo de hoje, sendo portanto um dos maiores clientes do Banco Mundial e do BID.

Desde a década de sessenta, o Banco Mundial (Bird) tem privilegiado investimentos na agricultura e em projetos educacionais. Em 1994, nada menos do que 40% dos recursos internacionais emprestados ao Brasil destinaram-se a projetos educacionais. Estes empréstimos são condicionados a adequações da ação do Estado para garantir o retorno do investimento sob a lógica do capitalismo central.

As políticas educacionais formuladas sob a tutela do Bird têm sido marcadas pela critica veemente aos gastos públicos com o ensino superior. Considerado extremamente oneroso aos cofres públicos, este nível de ensino tem sido apresentado como dispensável e mesmo indesejável pelos documentos elaborados pelo Banco. Baseados em análises de custo-beneficio argumenta-se que o ensino básico é o que apresenta os menores custos e maiores benefícios sociais, ao passo que o ensino superior além de caro acaba por desviar gastos públicos para o atendimento dos mais ricos (BANCO MUNDIAL, 2004).

Exemplo claro disto foi a exclusão, em 1997, da rubrica específica do orçamento do MEC que destinava recursos aos programas de assistência estudantil. Fundamentais para garantir a permanência de estudantes de baixa renda na universidade, acabar com estes programas seria um passo importante para fortalecer o argumento de se estar combatendo privilégios concedidos aos setores mais abastados da sociedade.

Como forma de atender ao imperativo de gastar bem os poucos recursos destinados à educação, propõe-se a focalização de recursos públicos para as séries iniciais do ensino fundamental. Para o ensino superior é sugerida a adoção de mecanismos de financiamento das populações marginalizadas que garantam a estes o acesso ao ensino superior privado (BANCO MUNDIAL, 2004; p. 12). Além destas propostas, sempre aparecem nos documentos do Bird a indicação de cobrança de taxas e o fim do ensino publico gratuito.  O “Relatório do desenvolvimento mundial de 2004”  tem o sugestivo subtítulo: ‘Fazendo os serviços funcionarem para a população mais pobre’. Nesse documento, mais uma vez reforça-se o discurso de que os países em desenvolvimento não possuem recursos suficientes, gastam muito mal e devem utilizar suas limitadas somas financeiras para auxiliar os mais pobres” (SIQUEIRA, 2004, p. 51).

As diretrizes do Banco Mundial para a Educação superior podem ser resumidas da seguinte forma: a) incentivo à expansão do setor privado, b) busca de fontes alternativas de recursos no setor público (mensalidades, cursos pagos, consultorias, contribuições de ex-alunos), apresentadas sob o manto de autonomia financeira; c) defesa da “eficiência” interna (otimização do uso do espaço físico); d) criação de sistemas de avaliação (melhor seria dizer medição) pautados em critérios de produtividade, que permitam comparação e ranqueamento, e subisidiem a distribuição de recursos para instituições e prestadores de serviços (pagamento por desempenho, avaliação de alunos via exame final de curso); e) diversificação das instituições de ensino superior, o que veio acompanhado de uma critica incisiva ao modelo de ensino superior baseado na universidade de pesquisa – considerada caríssima e inadequada às necessidades e aos recursos dos países mais pobres – bem como a defesa da criação de instituições de ensino superior nao-universitárias; f) critica aos vínculos empregatícios de professores e funcionários como servidores públicos; g) combate aos mecanismos de participação democrática (fala-se em excesso de conselhos) no interior das universidades e às eleições diretas para reitor (SIQUEIRA, 2004)

As políticas educacionais desenvolvidas nos últimos anos no Brasil e que continuam a ser trabalhadas pelo atual governo, políticas formuladas e financiadas por organismos internacionais, somente servem ao aprofundamento do processo de mercantilização e privatização do ensino superior. A conclusão mais obvia a que podemos chegar é que, se é verdade que sem política educacional soberana não há projeto de nação soberano no mundo moderno, então o Brasil está abrindo mão de parte fundamental de sua soberania ao aceitar a imposição de políticas educacionais formuladas por organismos internacionais completamente comprometidos com o atual sistema de dominação capitalista internacional. Os aportes financeiros destinados pelo Banco Mundial  e BID à educação brasileira não são obviamente neutros, eles servem – e tem conseguido como podemos perceber – para ampliar o poder de intervenção destes organismos na definição de nossas prioridades em matéria de educação. O que está em jogo são interesses estratégicos, são políticas de longo prazo que buscam promover, entre outras coisas, o total desmonte do ensino publico superior no Brasil.

3. Governo Lula: A continuidade da continuidade

Passaremos a analisar algumas das propostas e iniciativas do atual governo que incidem direta ou indiretamente sobre o ensino superior. Iremos nos deter a analise das propostas deste governo, ou seja, os projetos de lei em tramitação no congresso nacional encaminhadas pelo atual governo e não por parlamentares ou deixados pelo governo anterior. Alguns setores dos movimentos de educação buscam listar todos os projetos de lei existentes no congresso para denunciar o caráter da “reforma do governo Lula”. Esta é uma atitude no mínimo, desonesta. Se  fizessem o mesmo em 1995 teriam um enfarto. Projetos de lei sobre ensino superior em tramitação no congresso nacional sempre existiram, e aos montes, inclusive muitos deles positivos, o que não quer dizer que se trate de propostas de governo.

Analisaremos aqui o projeto Universidade Para Todos e o projeto de lei das Parcerias Publico-Privadas encaminhadas pelo atual governo e além destes o projeto da Lei de Inovação Tecnológica que embora tenha sido apresentado pelo governo FHC, fora modificado e reencaminhado pela atual gestão do Ministério de Ciência e Tecnologia.

3.1 A expansão do ensino privado, o projeto “Universidade Para Todos” e as Parcerias Publico-Privadas

Estima-se que de 1995 a 2002 foram abertas em média, três Instituições Particulares de Ensino Superior por semana. No inicio do governo FHC, 69% das vagas na graduação estavam concentradas no ensino privado, hoje este percentual chega a 83,3%. Atravessamos um período marcado pela completa desregulamentação do ensino pago no Brasil e pela expansão desenfreada deste setor.

As políticas educacionais desenvolvidas nos últimos anos favoreceram profundamente o ensino superior privado. Por um lado, enfraqueceram a universidade pública, instituindo um entulho autoritário em sua gestão e cortando recursos públicos que seriam necessários para seu desenvolvimento e manutenção. Por outro, facilitaram o processo de abertura de novos cursos e promoveram a transferência de recursos públicos para a educação privada através do FIES.

Eram grandes as expectativas dos movimentos de educação no sentido de reversão deste processo pelo atual governo, entretanto, a opção feita pela atual gestão do MEC não parece ser bem esta. A apresentação do projeto “Universidade Para Todos” (PROUNI) aponta para a continuidade e mesmo para o aprofundamento do processo de expansão do ensino privado.

O Projeto de Lei enviado ao Congresso nacional indica a isenção de uma série de tributos federais às instituições que aderirem ao PROUNI. Trata-se, portanto, como tem denunciado uma série de entidades de um processo de compra de vagas no ensino privado. O Estado, que deveria ter a responsabilidade de promover a expansão da rede pública, estará transferindo recursos públicos para que instituições privadas realizem a “democratização” do acesso ao ensino superior. O PROUNI reforçará a supremacia do privado sobre o público, além de dar sobrevida a um modelo de ensino privado, que apesar dos inúmeros benefícios recebidos nos últimos anos se encontra diante de uma profunda crise.

O projeto “Universidade Para Todos”, a mais midiática e mais concreta proposta do Ministério até aqui, procura dialogar com o eixo para o qual o conjunto da sociedade reserva maior sensibilidade: o acesso ao ensino superior. No entanto, o projeto contraria elaborações e aspirações consolidadas do conjunto dos movimentos quando, ao ampliar vagas no ensino superior para aqueles e aquelas que dele estão excluídos, opta pela expansão na rede privada, e não na educação pública, transferindo recursos públicos para a iniciativa privada. Por essa diferença central de concepção, é que a comunidade universitária precisa posicionar-se contra o projeto “Universidade Para Todos”.
O PROUNI está em consonância com outro projeto que tramita atualmente no Congresso Nacional, encaminhado pelo Governo. Trata-se do “Parceria Público-Privado – PPP” que é, grosso modo, uma forma de privatização de setores e serviços públicos estratégicos. Sendo aprovado esse projeto, as três esferas de governo (municipal, estadual e federal) poderão combinar privatizações, concessões e contratação de obras em qualquer área sem aprovação prévia dos respectivos poderes legislativos e não inclui qualquer mecanismo de controle social ou mesmo de fiscalização.

O projeto de Parceria Público-Privada, constitui-se enquanto uma grave ameaça à soberania nacional e pode conduzir de vez a economia brasileira a uma situação de dependência crônica e estrutural e de subserviência ao mercado financeiro internacional. Trata-se de um sistema de parcerias em que o Estado garantirá, em qualquer hipótese, a rentabilidade do capital. O Estado brasileiro passa a assumir todos os riscos das “parcerias” com a iniciativa privada, garantindo que os investidores recebam o pagamento dos serviços prestados mesmo em hipótese de fracasso de determinada empreitada. O projeto permite, ainda, que a maior parte dos financiamentos seja pública. É, por assim dizer, a instituição do capitalismo sem risco.

O PROUNI fora anunciado como um projeto de inclusão social na universidade – portanto, tendo um caráter transitório – no entanto, com a aprovação das PPPs, projetos como este têm imensas possibilidades de assumir um caráter permanente, consolidando a perigosa indistinção entre o que é público e o que é privado.
3.2 A Lei de Inovação Tecnológica e a mercantilização da tecnociência
Os últimos anos foram marcados pela expressiva ampliação da influência do investimento privado sobre a produção de conhecimento realizada na Universidade Pública. Com a progressiva retirada dos recursos públicos, as universidades passaram a utilizar uma série de mecanismos “alternativos” para o financiamento de suas atividades de pesquisa. Foi assim instituído um novo padrão de financiamento do trabalho universitário e a universidade foi se tornando cada vez mais dependente das fundações privadas, dos cursos pagos, da lógica produtivista das agências de fomento à pesquisa entre outros.
O aumento do investimento público na educação superior seria o único instrumento capaz de restabelecer a autonomia da universidade e reverter o processo de privatização do trabalho universitário. No entanto, temos hoje projetos de lei em tramitação no congresso nacional que podem aprofundar este processo.

Um deles é o projeto da Lei de Inovação Tecnológica, apresentado pelo MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) por meio da qual as instituições públicas e a sua pesquisa científica e tecnológica seguiriam o imperativo de servir ao desenvolvimento do setor produtivo capitalista, referendando, inclusive, a atuação das fundações de direito privado no interior das universidades. Esta lei pode comprometer por completo a própria noção de autonomia universitária.

O projeto de lei busca formalizar uma série de atividades e procedimentos já existentes hoje, além de aprofundar o processo de “parceria” entre ICT´s (Instituições Cientificas e Tecnológicas) e o mundo empresarial estabelecendo a possibilidade de: a) exploração econômica dos direitos oriundos de inventos realizados no interior das universidades por parte dos pesquisadores, incluindo aqui a permissão para licenciamento do professor universitário para gerir um negocio desse teor, b) constituição de Empresas de Base Tecnológica (com participação de docentes licenciados) que teriam como núcleo motivador essa exploração e teriam diversos tipos de incentivo, incluindo aí regras próprias para captação de recursos; c) oferecimento de infra-estrutura nas universidades para uso de empresas conveniadas ou até mesmo a sua transferência para o âmbito operacional das empresas; d) exploração por parte das agências de fomento como Capes e CNPq de inventos desenvolvidos com seu patrocínio possibilitando-as obterem percentuais dos resultados de determinada pesquisa. Além disto o projeto de lei ainda abre espaço para que a dinâmica de funcionamento da universidade esteja atrelada ao estabelecimento de “contratos de gestão”.

Prevalece no projeto a visão de que a pesquisa deve resultar necessariamente em ganhos econômicos dentro de uma dinâmica de competição, empreendedorismo e investimento condicionado. Ao incluir as universidades entre as ICT’s o projeto visa integrar as universidades ao jogo do mercado, onde o resultado da produção cientifica e da inovação tecnológica é medido única e exclusivamente por sua capacidade de auferir resultados positivos (lucros) para o investidor desta área.

Mais uma vez, estamos diante da ameaça de uma Universidade concebida enquanto uma organização social regida por contratos de gestão, transformada em competidor industrial visando a livre captação de recursos para o financiamento de suas atividades.

Se tiver que passar à condição de empresa que busca obter resultados positivos e que por isso busca também excluir atividades de baixa “rentabilidade”, a Universidade deixa de ser um espaço de diversidade cultural e cientifica e se banalizará enquanto instituição social.

Definitivamente não será desta forma que a Universidade poderá servir ao desenvolvimento nacional.

4. As Diretrizes apresentadas pelo MEC e o contexto geral da reforma

As diretrizes e princípios da Reforma da Educação Superior anunciadas no dia sete de junho pelo MEC conjugam um conjunto de propostas inconclusas e demasiadamente genéricas com algumas positivas e outras de caráter absolutamente questionável.

Antes de tudo cabe aqui destacar nossa discordância quanto ao método de discussão   proposto. Fala-se em uma ampla consulta através de colóquios e audiências públicas, como se isso fosse um processo de participação popular  com real poder de deliberação ou como se nesse processo houvesse um amplo esclarecimento do que está sendo discutido, o que não acontece. Afinal ao mesmo tempo em que fala-se de um amplo debate sobre a reforma, projetos como o Universidade Para Todos” e a Lei de Inovação Tecnológica tem sido encaminhados sem discussão com a sociedade e este último sequer é citado nos debates – ou mesmo nestas diretrizes – como se fosse algo inexistente, ou que não dissesse respeito ao MEC. Uma das conseqüências mais graves disto é o raciocínio implícito de que legislar sobre produção de ciência e tecnologia não é legislar sobre a universidade.

O documento abre com uma afirmação com o qual temos pleno acordo e diz: “entender a educação como bem público, inserida no campo dos direitos sociais básicos, tratada como prioridade da sociedade brasileira e, portanto, como questão de Estado”. Logo a seguir trata rapidamente do tema da autonomia sugerindo aí um “novo marco regulatório em coerência com os princípios gerais de eficiência e responsabilidade”. Não é uma afirmação na qual possamos identificar claramente uma determinada idéia, mas sabermos o que representam nos últimos anos para as políticas sociais as noções de “eficiência e responsabilidade”.
Um ponto que merece destaque é a proposta de criação de um Fundo Público para as IFES, o que à principio pode ser muito positivo.

Principalmente com uma ênfase dada no documento ao aspecto “não contingenciável” dos recursos do fundo. E ainda sobre financiamento é extremamente positivo que o governo pela primeira vez em um documento publico oficial se comprometa com a manutenção da gratuidade no ensino superior.

Também são inquestionavelmente positivas as propostas de eleições diretas para reitor e de abolição da estrutura departamental. item sobre acesso e permanência – há  ponto extremamente positivo que é a idéia de apostar nas cotas mas entendendo a “melhoria da qualidade do ensino médio [como] a mais eficiente política de inclusão social no que diz respeito ao acesso à Educação Superior”. Mesmo sem citar as metas do PNE, sobre ampliação das vagas em universidades públicas, este reconhecimento da importância da melhoria do ensino médio é muito positivo. Mas passemos agora aos pontos que consideramos negativos no documento.

O primeiro e mais grave é uma certa indistinção entre público e privado que permeia todo o documento – há uma confusão (talvez proposital) entre o sistema público e o serviço privado de educação superior. Nos momentos em que o documento cita as IFES, há uma razoável diferenciação, o que é bom. Mas, em praticamente todos os momentos em que se discute o setor privado, fala-se em IES, de forma genérica e, portanto, indistinta. Não podemos fazer discussão sobre mudanças no ensino superior juntando o setor público e o privado.

Outro aspecto negativo é a substituição da assistência estudantil – uma bandeira histórica do ME – pela idéia de “apoio material aos estudantes carentes” com bolsa trabalho e primeiro emprego acadêmico. Isto é um retrocesso sem parâmetro com toda a nossa luta contra as bolsas trabalho na universidade e por verdadeiros programas de assistência social ao estudante. Contra a contratação precária de estudantes substituindo os profissionais da educação e o próprio funcionalismo público universitário – o que é pior do terceirizar. Por fim, parece que PNE não existe para o MEC. E muito menos os vetos de FHC a este plano.

Como dissemos anteriormente as diretrizes conjugam pontos positivos com outro negativos e mais uma série de pontos mais genéricos que prefirimos não desenvolver aqui. Poderia até mesmo ser uma base razoável para inicio das discussões. Entretanto, entendemos que nenhuma reforma universitária poderá ser realizada contemplando os interesses da maioria do povo brasileiro se não for interrompida a reforma já em curso da educação superior. Reforma esta que muito embora não tenha sido iniciada pelo atual governo poderá ser aprofundada caso sejam aprovadas pelo congresso nacional algumas das principais propostas da atual gestão do MEC e MCT, que dizem respeito à educação superior, dentre as quais devemos destacar o projeto “Universidade Para Todos” e a Lei de inovação tecnológica.
Mais do que isso: sem enfrentarmos seriamente o debate sobre o atual modelo econômico e suas conseqüências desastrosas para as políticas sociais não é possível constituirmos um ambiente favorável para uma reforma da universidade.

É um erro falar deste conjunto de mudanças e propostas para a universidade como se tratasse de uma “nova” reforma, especifica do atual governo. Não é preciso nenhum grande esforço para se concluir que, no fundamental, o governo Lula têm dado continuidade ao processo de mercantilização da educação superior brasileira, iniciada por Collor e aprofundada por FHC. Portanto, estamos falando da reforma neoliberal da universidade brasileira, que ainda não foi interrompida pelo governo de Lula. Isto em grande medida é determinado pela continuidade da política macroeconômica desenvolvida pelos governos anteriores.

E o MEC em momento algum explicita como fará uma reforma sem interromper outra, já em curso, e que compromete o futuro da Universidade pública no Brasil. Seguiremos defendendo a realização de uma verdadeira Reforma da Universidade brasileira, que possa  conduzi-la à condição de instrumento estratégico fundante de um novo modelo de desenvolvimento para o país. Mas enquanto não for revertido o processo de mercantilização da educação superior, enquanto nossas políticas educacionais estiverem submetidas às diretrizes do Bando Mundial, enquanto não for promovida a revalorização e o resgate da universidade publica seguiremos a dizer que esta não é a nossa reforma.


*Vinicius Wu e Alessandra Terribilli são diretores da UNE, Anderson Campos foi diretor na gestão 2001/2003


Notas:

[1]É importante ressaltar que o CNE, durante todo o período FHC foi um dos principais responsáveis pelo descontrole do crescimento da educação privada no país. A lógica mercantil foi dominante neste órgão, que reunia, hegemonicamente, setores identificados com os interesses do empresariado da educação.

Referências:

Oliveira, Marcos B. Desmercantilizar a tecnociencia. Porto, Edições Afrontamento, 2003.

Durham, E. Diretrizes e bases: impasse. O Globo, Rio de janeiro, p.7, 9. 1995

Goldemberg, J. O impacto da avaliação na universidade. São Paulo, Nupes. 1990.

Wolnec, E. O uso de indicadores de desempenho para a avaliação institucional. São paulo, Nupes. 1990.

Schwartzman, S. O futuro da Educação Superior no Brasil. São Paulo, Nupes. 1990

Siqueira, A. C. Organismos Internacionais, Gastos Sociais e Reforma Universitária do Governo Lula. Rio de janeiro, 2004.

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