No dia 27 de fevereiro, a Folha de S. Paulo trouxe a seguinte manchete: “Governo federal negocia para ampliar acesso a planos de saúde”. Informava a Folha que o “governo negocia com os planos de saúde um pacote de medidas de estímulo ao setor em troca de garantias de melhoras no atendimento”. Ao ler a notícia, a primeira ideia que ocorre é de que se vai presentear aquele que não cumpre a lei, que atende mal. Ao invés de puni-lo, presenteia-o.
Organizações como o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), a Associação Brasileira de Saúde Comunitária (Abrasco), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados reagiram. Reagiram se contrapondo à proposta e pedindo o cumprimento da lei, ou seja, exigindo que as empresas de planos de saúde paguem o que hoje devem ao SUS. Inclusive é bom lembrar que o SUS já subsidia de maneira indireta os planos de saúde ao permitir que os seus contratantes abatam no imposto de renda parte do que pagam.
O governo, através do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, negou com veemência a notícia. Ocorre que mesmo após a negativa os boatos não cessaram. O jornal O Globo de 5 de abril passado volta ao tema com a manchete “Governo cortará imposto dos planos de saúde”. Segundo o texto, o objetivo é “evitar impacto do reajuste das mensalidades nos índices de preços” dos planos de saúde.
No ano passado, o reajuste concedido aos planos de saúde foi de até 7,93%, acima da inflação, que ficou em 6,5%. Portanto, para combater a inflação não é necessária a desoneração do setor, mas sim exigir um reajuste inferior à inflação. Se ganha num ano, compensa no outro.
Se confirmada a intenção de dar isenção e incentivos fiscais para seguradoras e operadoras privadas, nacionais e internacionais, estaríamos caminhando na contramão do que reza a Constituição da República. Tais medidas enfraquecem o SUS e ampliam a mercantilização da saúde. Seriam uma vitória das forças do mercado e aprofundariam a agenda neoliberal num dos setores mais sensíveis, a saúde.
Saúde pública se faz com um Estado eficiente e não com empresas disputando mercado. A elas só interessa a saúde financeira de seus sócios, e não a saúde do cidadão. O Brasil, apesar de ter tirado mais de 30 milhões de brasileiros da miséria, ainda é um país desigual, ocupa o 12º lugar no ranking da desigualdade social no mundo. Ao invés de jogar estes brasileiros recém egressos da pobreza no colo das empresas privadas de saúde, deve o Estado investir mais no SUS e consolidá-lo como um sistema público eficaz.
Até o momento, desde a criação do Sistema Único, com a Constituição de 1988, não houve investimento massivo no SUS. O que há são recursos financeiros para o funcionamento básico de seus serviços. Além de não haver um financiamento efetivo, há muita gente trabalhando contra o SUS. Não dá para afirmar que o SUS fracassou, pois ele sequer foi efetivamente implantado.
Ao tomar conhecimento da possível reunião entre o governo e os gestores dos planos de saúde noticiada pela Folha, a Abrasco divulgou um nota afirmando que a proposta de desoneração é inconstitucional e que “significaria mais um golpe contra o sistema público brasileiro” de saúde.
Entende a Abrasco que tal proposta é na prática “uma escandalosa transferência de recursos públicos para o setor privado” e que, ao contrário do que afirmam, “esses planos não ajudam o sistema público a enfrentar os problemas que devem surgir ou intensificar-se no médio e longo prazo, já que não são adequados para assistir idosos e doentes crônicos, cada vez mais numerosos. Os serviços públicos terminam por funcionar como espécie de resseguro, como retaguarda da assistência suplementar excludente”.
Na mesma ocasião, o Cebes chamou a atenção para o fato de que os “planos e seguros de saúde são empresas que, por sua própria natureza, visam o lucro acima de tudo, independente de jogar com a saúde e a vida das pessoas. Constituem-se em um poderoso e lucrativo setor sem compromissos com indicadores de saúde e sem controle social”. Portanto é inconstitucional receberem subsídios.
A redução dos valores cobrados pelos planos de saúde (que estão fora de qualquer propósito) não deixa de ser uma agenda positiva para a classe média, principalmente para os alienados de seus direitos, que preferem ser chamados de consumidores de planos do que de cidadãos com direito à saúde pública.
O que os brasileiros necessitam é de um sistema de saúde universal, integral e de qualidade, e não de planos, que independente de preços não cumprem com suas obrigações. Planos que limitam os direitos do cidadão, que quando necessita de atendimento mais complexo e sofisticado é expelido para o SUS.
O governo tem elaborado e executado com sucesso vários PACs, e entendo que seria importante, neste momento, a elaboração e execução de um PAC da saúde, com financiamento para infraesturuta, equipamentos e recursos humanos. Um PAC com o objetivo de consolidar o SUS.
Dr. Rosinha é médico pediatra, deputado federal (PT-PR), presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara e membro da Coordenação Nacional da DS.