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Um passo à frente

 

O FSM realizado em Caracas de 24 a 29 de janeiro passado foi em muitos sentidos um passo à frente no processo aberto anos atrás quando do surgimento do movimento altermundialização. Em Caracas se estenderam as potencialidades existentes nesse processo e ficaram expostas, cobrando respostas, as dificuldades reais para alcançar o “outro mundo possível”.Em primeiro lugar, Caracas foi o FSM mais claramente antiimperialista de todos os realizados até agora. Sua localização em um país que é centro de um conflito com o governo dos Estados Unidos favoreceu isso. Mas também houve uma série de iniciativas que impulsionaram essa marca.

 

Em primeiro lugar, o Conselho Hemisférico do Fórum em dezembro definiu que o ato de abertura no dia 24 teria como tema a luta contra o imperialismo e a guerra. Em segundo lugar, uma série de atividades definidas pelo próprio Conselho (as “cogestionadas”) assim como as propostas pelas organizações participantes (as “autogestionadas”) tinham como foco a luta contra o imperialismo. Terceiro, a convite de movimentos sociais, o presidente Chávez se fez presente em um evento massivo no estádio Poliedro na noite do dia 27 para proferir uma conferência sobre esse tema.

 

Mas o quarto e talvez mais marcante elemento desse caráter antiimperialista foi a presença de importantes delegações de movimentos dos Estados Unidos contrários à política do governo Bush. Assim, a figura de maior expressão desse Fórum talvez tenha sido Cindy Sheenan, a mãe do soldado norte-americano morto no Iraque. Ela encabeça um amplo movimento que tem enfrentado o governo Bush na luta pela retirada das tropas norte-americanas daquele país. Isto é, em Caracas, o antiimperialismo não se confundiu com “anti-americanismo”, mas foi uma clara oposição à política do governo dos Estados Unidos.

 

Outra característica diferencial do FSM de Caracas foi provavelmente que ali se colocou em evidência com maior força a mudança (positiva) da conjuntura regional vivida no nosso continente. Tempos atrás ainda havia alguns setores pseudo-esquerdistas que afirmavam algo como que “a chegada do Lula ao governo tinha significado uma domesticação das lutas na região”, o que significaria que após um ascenso das lutas populares, em finais dos anos 90, desde 2003/4 estaríamos em refluxo no continente (“por culpa do governo Lula”!). Obviamente se tratava de uma análise cujo paradigma teórico era o sectarismo e a miopia política. O FSM em Caracas mostrou uma América Latina em ebulição que questiona cada vez mais fortemente a hegemonia dos Estados Unidos. A “prova” mais recente desse novo cenário foi oferecida dias antes do FSM pela chegada à presidência na Bolívia do líder indígena Evo Morales e se viu refletida em diversas atividades no FSM.

 

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Nas duas atividades realizadas por movimentos sociais com o presidente Chávez, a massiva no estádio e a reunião de trabalho com lideranças, ele próprio fez questão do sublinhar a importância dos processos políticos que estão sendo vividos em diversos países para derrotar a hegemonia norte-americana – sem deixar de ressalvar as diferenças nacionais de cada caso.

 

Terceiro aspecto a ser destacado neste FSM é que as questões do poder, da política e dos desafios para a emancipação social foram discutidas em espaços centrais. O mesmo Conselho Hemisférico já tinha optado por definir um “eixo” de debates nesse sentido que concentrou o maior número de atividades autogestionadas inscritas. O fato de se fazer um Fórum num país que está vivendo um processo revolucionário evidentemente favoreceu esse debate. E as intervenções do presidente Chávez nas duas oportunidades acima citadas colocaram a questão no centro.

 

Este aspecto é decisivo em um momento em que alguns setores de esquerda pregam “mudar o mundo sem tomar o poder” como uma frase despolitizada. Igualmente significou um forte revés para aqueles setores que vinham tentando, dentro do “processo FSM”, instituir uma espécie de “divórcio” entre a ação da “sociedade civil” (pensada sobretudo a partir de ONGs e organizações locais) e a ação política dos partidos de esquerda, dos seus governos, ou mesmo de movimentos sociais nacionalmente estruturados.

 

Mas tão importante quanto estes temas é que o FSM em Caracas serviu para evidenciar, em diversos momentos, que todo esse debate deve estar ligado à discussão sobre “o socialismo do século XXI”. Não se trata de velho nacionalismo, nem do populismo latino-americano do século passado ou do etapismo pregado pelos antigos partidos comunistas. O FSM em Caracas anunciou que os processos abertos em nossos países devem ser o ponto de partida da disputa para concretizar a perspectiva socialista. Como disse o presidente Chávez, se trata de um socialismo que pode e deve ser implementado desde já (por exemplo, através da economia solidária), mas que cuja realização depende de como se resolva a questão do poder nas nossas sociedades e que, sobretudo, não vingará se não for em um processo mundial – já que não haverá socialismo em um só país.

 

Dois setores políticos tentaram questionar o FSM em Caracas: os moderados que tem medo de uma radicalização da luta política no nosso continente e a esquerda sectária cuja miopia a impede de ver que está em curso um processo regional de questionamento da hegemonia imperialista.  Por motivos opostos esses dois setores têm se aliado para questionar o FSM de Caracas! O motivo dessa convergência oportunista é simples: Caracas foi, a uma só vez, um desmentido a suas respectivas teses.

 

A Assembléia de Movimentos Sociais, a Assembléia de Movimentos contra a Guerra, o encontro de movimentos que defendem a água como bem público, o Fórum Sindical das Américas e diversas outras iniciativas de organizações sociais realizadas no marco do FSM em Caracas deixaram nítido um avanço político significativo da perspectiva das lutas populares no nosso continente. Seus resultados constituem uma agenda para a ação política internacional e regional da militância da esquerda no Brasil.

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