Companheir@s, não tenho a pretensão de esgotar a discussão, muito menos produzir uma leitura definitiva sobre os fatos que geraram o processo de mobilização em curso. Como também, desde já, tenho acordo com os textos precedentes no que tange a questão não se restringir somente ao aumento das passagens; e é a partir desta concordância que gostaria de contribuir com o debate.
Creio que o problema subjaz ao processo de urbanização, que assume características excludentes, comprometido apenas com a lógica de valoração do capital, como também, na maneira que estas contradições incidem nas expectativas da juventude, que se vê impedida de usufruir dos benefícios das cidades.
Desta forma, em resposta as questões imediatas; precisamos debater e defender um modelo de cidade, como também, propor repostas efetivas para estas contradições. Acho que a DS, Kizomba e o PT precisariam defender uma agenda efetiva e tangível.
Considero que meio urbano é o espaço de reprodução capitalista, refletindo sua organização social, ou seja, âmbito em que ocorre o domínio da estrutura econômica sobre a estrutura social. A cidade capitalista consiste num aglomerado voltado para produção capitalista, determinada historicamente pelo desenvolvimento das forças de produção e pelas relações de produção, que exigiu a concentração dos produtores, a proximidades das matérias-primas e meios de comunicação e circulação de mercadorias. Sendo também espaço de reprodução das classes sociais e dos seus conflitos. Desta maneira, o espaço urbano se constitui como meio de conflito entre os sujeitos sociais e a cidade passa a ser percebida como um processo de lutas e conquistas. Este processo histórico se dá de maneira contraditória, pois ao mesmo tempo em que concentra através da produção a força de trabalho, por outro lado, na sua dinâmica segregacionista e de concentração não cria condições para a reprodução desta força de trabalho.
O processo de urbanização é a concretização da dinâmica capitalista e da sua valoração, apoiado pelo Estado que ao intervir no espaço consolida este processo, ampliando a tendência concentradora e provocando o deslocamento da população, sobretudo, a mais pobre dos centros urbanos e dos meios de consumo coletivos.
A cidade na atual fase corresponde à forma dominante de acumulação de capital, que tem que atender as suas exigências, concentrando a produção e concentrando os produtores e no mesmo tempo que se apresenta desta maneira ela se constitui no espaço de luta política, pois o domínio do capital e suas contradições se estendem para além das fábricas passando para o local de moradia, para as áreas de consumo coletivo dos serviços públicos. Em suma esta luta é travada no âmbito da produção, mas também é feita de maneira expressiva no consumo.
Neste sentido, creio que em certa medida as mobilizações se dão por um desejo difuso de revolta por um conjunto de problemas, passando pela crítica ao processo de reestruturação do espaço urbano (pelas suas características conservadoras), pela indignação em relação aos péssimos serviços públicos, como também, a frustração pelas características assumidas pelos grandes eventos; como a copa do mundo; que se desdobraram em um encarecimento do custo de vida e confirmam um modelo segregador de cidade.
Outra dimensão do processo é uma evidente negação da política, ou melhor, das formas tradicionais de ação política e isso não se restringe aos partidos políticos, mas também a outras formas como entidades estudantis e sindicatos. Estas organizações encontram grande dificuldade em se colocar ante as mobilizações, na tarefa de organizar a ação e o discurso.
Por assumir estas características difusas, outras expectativas e identidades coletivas são também mobilizadas, através de pautas moralistas, como anticorrupção — o que evidencia a capacidade dos grandes meios de comunicação na produção de sentidos — contado com a participação de segmentos da população mais predispostos a uma leitura à direita do processo. A partir disso; pode até trata-se de paranoia; mas a postura dos grandes veículos de comunicação se modificou um pouco em relação aos atos (vide as matérias das revistas Veja e Época, como também, as chamadas na TV após os atos violentos de ontem à noite); tentando diferenciar os manifestantes de perfil violento da grande maioria pacífica; digressão que não era feita no início das mobilizações. Creio que esta mudança de postura resulte tanto da força das mobilizações, quanto pela percepção por parte dos setores conservadores da “indefinição” política destes movimentos, permitindo talvez algum tipo instrumentalização conservadora contra o governo, ou em uma cruzada contra a corrupção; tendo em vista que já são refratários aos partidos e organizações de esquerda tradicionais. No entanto, não se percebe um sentimento contrário à Dilma.
Na outra dimensão está a temática da juventude (criminalizada nos primeiros atos), que talvez seja o fator mais evidentemente identificado com as mobilizações, mas o sentido que precisamos defender (para evitar criminalizações) é que a juventude é um segmento dotado de condições de participação na conservação e transformação da sociedade, capaz de avaliar seus valores de atuação social e política, podendo interferir nos rumos da cidade.
No entanto, neste âmbito as dificuldades também são significativas, pois não se trata de um processo de mobilização construído e organizado por entidades estudantis, ou até mesmo pelo segmento, mas sim, pela juventude com um perfil de classe média, em sua pluralidade, suas múltiplas identidades; o que nos coloca na dificuldade de estabelecer uma pauta mais concreta que perpasse as diversas realidades e confira objetividade às mobilizações.
Por fim, este processo também evidencia uma dificuldade das nossas instituições políticas, dos partidos e das organizações tradicionais em que a esquerda reconheceu como espaço de construção e disputa. Podemos dizer que fora dos momentos formais (eleições) encontramos grandes dificuldades em gravitar os interesses e gerar processos mobilizadores. Não sei se é uma questão de linguagem, de discurso ou desgaste, mas o fato é que não estamos falando a voz das ruas, estes movimentos não identificam em nossas organizações agentes dotados da capacidade de mudança e isso, por si só, nos exige um resoluto processo de reflexão.
* Raphael Xavier é historiador e militante da DS.