Reforma tem que fortalecer a universidade pública e democrática.
Na primeira quinzena de dezembro, o Ministério da Educação (MEC) apresentou seu anteprojeto de lei para reforma universitária. O exame inicial do documento revela uma inflexão positiva no debate sobre o tema. O anteprojeto se aproxima da plataforma historicamente defendida pelo PT.
Entretanto, ainda é com muita desconfiança que a comunidade universitária recebe o anteprojeto. Entre outras razões, porque o início do debate foi o projeto Universidade Para Todos, que ao estabelecer uma política de democratização do acesso através do setor privado se confrontou com as formulações acumuladas pelos movimentos da educação.
Hoje, a conjuntura é sensivelmente diferente. Antes de tudo, porque há uma proposta claramente colocada pelo governo, e não mais apenas “elementos” ou “apontamentos” que configurem uma reforma fragmentada. E o movimento precisa se posicionar, concretamente, sobre ela.
Vale perguntar até que ponto o anteprojeto rompe com a agenda neoliberal e inicia a construção de um novo paradigma para o ensino superior no Brasil. Se analisarmos as políticas desenvolvidas pelos últimos governos, veremos que o anteprojeto propõe interromper um processo em curso há pelo menos dez anos. Aponta para uma redefinição da relação do Estado para com a educação superior, e essa nova orientação se materializa em pelo menos três eixos: o caráter público do financiamento, a revisão da relação público/privado e a democratização da educação superior. Mas há problemas, que precisam ser superados com pressão popular.
O nó do financiamento
Reverter o quadro de estrangulamento financeiro do ensino superior é um pressuposto para uma reforma que pense a reafirmação da Universidade pública. Essa tem sido a principal bandeira das entidades representativas dos servidores docentes, técnicos e administrativos e dos estudantes. Alguns avanços apontados pelo anteprojeto são centrais nessa reversão.
O ponto de partida é o restabelecimento do papel do Estado como mantenedor das IFES e regulador do Sistema Federal de Educação Superior. Outro importante avanço está expresso no artigo 41: “A União aplicará, anualmente, nas IFES, nunca menos de 75% da receita constitucionalmente vinculada à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Garante, ainda, a progressividade do orçamento das IFES, comprometendo-se a destinar anualmente “um montante sempre acima do exercício financeiro anterior” (art. 42).
Ainda sobre a ampliação de recursos, o MEC toma uma importante iniciativa quando propõe a desvinculação do pagamento de aposentados e pensionistas da folha da Universidade, transferindo-o para a União. Isso, em larga medida, desafogaria o orçamento das universidades, que destina parcela expressiva de verbas para esse fim.
Porém, um importante problema permanece: fica mantida a perspectiva da forte influência do financiamento privado no interior das universidades públicas, ao institucionalizar as fundações privadas “de apoio” (estas que se apropriam do espaço, dos recursos humanos e do conhecimento públicos para fins privados). Além disso, nada é apontado no sentido de impedir a realização de atividades pagas nas instituições públicas.
No tocante à assistência estudantil, reside uma das maiores limitações do anteprojeto. A seção que trata do “apoio ao estudante”, reduz o debate sobre assistência estudantil à criação de uma loteria destinada ao “financiamento de programas de assistência a estudantes de baixa renda do sistema federal da educação superior”. Embora o conceito de “Assistência Estudantil” tenha sido retomado, o projeto não avança no sentido de vincular a democratização do acesso às condições de permanência. Tal limitação poderia ser superada com a implementação de um plano nacional de assistência social ao estudante, que contemple creches, residências universitárias, reajuste e ampliação de bolsas, e restaurantes universitários.
A democratização
A manutenção da predominância do voto docente nos órgãos colegiados é o maior equívoco do documento neste ponto. Ainda que se estabeleça o voto direto para reitor e a possibilidade de cada universidade definir qual será o peso de cada segmento nas eleições, esse item pode comprometer as demais conquistas no sentido da democratização da gestão da universidade.
A proposta também precisa estabelecer mecanismos de discussão democrática sobre o orçamento das universidades. Se o Estado pretende ampliar o financiamento público das IFES, nada mais natural do que a exigência de transparência e definição democrática das prioridades orçamentárias de cada universidade. Nesse sentido, precisamos apresentar com bastante ênfase a idéia de orçamento participativo nas universidades, que pode ser um importante passo na direção de uma verdadeira democratização da gestão dessas instituições.
A reorientação do debate proposto pelo MEC deve vir acompanhada de uma profunda mudança no método como se tem trabalhado a elaboração da proposta de reforma. Reuniões com representações das entidades são importantes, mas não configuram um processo de participação democrática e cidadã na elaboração de políticas de governo.
A sugestão de organizar, a cada quatro anos, uma Conferência Nacional da Educação Superior (art. 97) é uma sinalização positiva, que precisa ser implementada desde já nesse processo de discussão da reforma, como condição para ela seja bem concluída. Os movimentos da área da educação precisam pressionar para que seja realizado um amplo debate, aberto e democrático, já que a agenda do parlamento é desfavorável aos interesses da Universidade pública. Tão importante quanto a disputa pelo conteúdo da reforma é a luta para que ela seja construída em um processo democrático de debates envolvendo diversos segmentos da sociedade.