O Rio de Janeiro amanheceu com a transmissão em tempo real do sequestro de um ônibus na Ponte Rio-Niterói. Após quase 4 horas com a cobertura da TV nos transportando para o interior do ônibus, multiplicando as angústias e o sofrimento dos passageiros por milhares, milhões de pessoas, o sequestro chegou ao fim com a morte do sequestrador pela polícia – e o alívio, não só de quem ali estava, mas também de quem compartilhou o drama pelos canais de comunicação.
A ação da polícia é passível de discussão. É fato que até as polícias de países onde a promoção dos direitos humanos se destaca possuem protocolos que justificam ações como a de hoje. Pululam, no entanto, relatos de que o sequestrador sofria de transtornos mentais, que a arma utilizada era de brinquedo e que preparava-se para se render quando foi executado.
O mais assustador, no entanto, é a reação do governador Witzel. Imediatamente após o desfecho, o governador pousou de helicóptero na Ponte Rio-Niterói e desceu da aeronave em obscena dança, comemorando aos pulos como se acabasse de marcar um gol. Aproveitando a repercussão do caso, disparou a metralhadora verbal que o caracteriza para defender a política de segurança do seu governo.
Em primeiro lugar, uma tragédia não é um gol. A imagem saltitante de Witzel é patética e desprezível. O governador se delicia com cada ação policial que termina em mortes. Alimenta-se do sangue da população. Witzel não comemorava a morte do sequestrador e a libertação dos reféns; comemorava a chance de poder defender a política que, na última semana, matou gente até em ponto de ônibus. Jovens com mochila e material escolar, uma promessa da base do América, uma mãe de família… trabalhadores e estudantes pobres e negros.
A polícia de Witzel matou 881 pessoas em 6 meses no RJ. Curiosamente, as ações de guerra não acontecem nos territórios dominados pelas milícias – o que retira do discurso do governador, no mínimo, a coerência do “combate ao crime”. O fato salta aos olhos principalmente quando lembramos que existem fartos indícios da relação entre as milícias e a família do presidente Bolsonaro – e denúncias da relação de Witzel com grupos milicianos.
No caso do sequestro de hoje, é preciso lembrar que ações como essa deixam traumas: dezenas de pessoas passaram horas em situação de extrema tensão. O governador pensa em como garantir serviços públicos para acolher e cuidar dessas pessoas, ou preocupa-se apenas em legitimar ideologicamente o próximo banho de sangue? Infelizmente, a pergunta é apenas retórica.
Bernardo Cotrim é jornalista e militante da Democracia Socialista.